POLÍTICOS E POLITICANTES
O verdadeiro político seria aquele que classificaríamos como homem de Estado, estadista movido por convicções e dotado da arte de interpretar e gerir a coisa pública com inteligência, intuição, pervicácia e honestidade. Porém, homens (ou senhoras) com estas características há poucos, melhor: são mais a excepção que a norma.
Já no que concerne os politicantes, estes profissionais da política que a avaliam como a melhor via para fazer carreira e obter vantagens, esses superabundam e, obviamente, constituem a maioria da classe política.
Pavoneando-se com uma retórica já muito experimentada, normalmente evidenciam escassez ou total ausência de ideias bem delineadas e concretas.
Explorando com uma certa habilidade as conveniências ou interesses das várias minorias, mas sempre apregoando um exclusivo empenho pelo bem comum, conseguem impor-se, sobretudo às grandes massas mal informadas ou pouco instruídas. E são estas grandes massas que, frequentemente, contribuem para o triunfo da falácia.
Todo este preâmbulo provém da declaração de Barack Obama sobre a construção do centro islâmico e mesquita – "Centro Córdoba" – na tristemente famosa zona “Ground Zero”.
Como todos leram, no discurso durante a ceia que antecedia o jejum de Ramadão, Obama pôs de lado prudência, oportunismos e tácticas políticas; evitou manter um silêncio aconselhável que, dadas as próximas eleições intermédias para o Senado, só o favoreceria: tudo isso ignorou e preferiu expressar a sua opinião sobre a construção do polémico centro islâmico.
[…] Desejaria ser claro. Como cidadão e como presidente, creio que, neste País, os muçulmanos tenham o mesmo direito que tem qualquer outra pessoa de praticar a própria religião. Nisto, incluo o direito de construir um lugar de culto e um centro comunitário numa área de propriedade privada em Lower Manhattan, segundo as leis e disposições locais. Esta é a América.
O nosso empenho pela liberdade religiosa deve ser inquebrantável. O princípio, na base do qual as pessoas de todas as confissões religiosas são bem aceites neste País e não serão discriminadas pelo seu governo, está ligado à essência daquilo que nós somos.
As palavras escritas pelos Fundadores devem perdurar no tempo. Somos uma nação de cristãos, muçulmanos, judeus, hinduístas – e de descrentes.
Fomos plasmados por todas as línguas, por todas as culturas provenientes das variadas partes da Terra […] - Barack Obama
****
Muitos analistas ressaltaram, e muito bem, o facto de antepor a condição de cidadão à de presidente: “Como cidadão e como presidente”
Com efeito, antes do presidente, é o cidadão comum que nunca deve esquecer os princípios fundamentais que determinam a “essência do que é ser americano”.
Aqui está, portanto, o exemplo do que eu considero um verdadeiro político.
Continuo a nutrir uma grande simpatia por aquele Presidente americano. Modesto, sentimentos éticos arreigados, perseverante nas ideias que procura levar a bom fim.
Peca por excesso de centrismo equilibrador, o que é difícil numa América de conservadorismos mais fundamentalistas que iluminados, de “lobbies” para onde milhões de dólares afluem, a fim de travar o que não convém a certos interesses. Mas um bom equilibrista, em política, não é defeito.
Diariamente apontam o actual baixo grau de popularidade de Obama e de confiança na eficácia da sua presidência. Nesse caso, mais um motivo para admirar a coragem de um político que deu maior valor aos seus princípios que a cálculos de conceder ou não conceder vantagens ao adversário. E não se pretenda milagres onde são impossíveis.
Os ultraconservadores republicanos do movimento Tea Party, a reaccionária Sarah Palin – gosto de ver senhoras na política, mas não mulherzinhas deste género - o faccioso canal televisivo Fox News não perderam a ocasião de partirem para novos ataques à política de Obama, do islamismo, logo, da construção da mesquita em Ground Zero: “Um facto gravíssimo que constitui uma ofensa ao povo americano e um insulto às vítimas” - linguagem muito própria de extremistas.
Já exprimi a minha opinião sobre a construção do “Centro Córdoba” na zona da tragédia do 11 de Setembro: jamais a considerei sobre o ponto de vista da legitimidade, pois essa é incontrovertível.
As minhas perplexidades nascem do local e momento escolhidos, onde o bom senso não brilhou por acuidade. E não mudo de opinião
Acredito piamente nas boas intenções do imã Feisal Abdul Rauf, autor e promotor da ideia. É descrito como pessoa de grande dignidade, muito equilibrada, moderada e inimiga de fundamentalismos. O seu projecto seria criar um centro onde as várias religiões se encontrassem e se conhecessem. Projecto nobre, sem dúvida.
Mas iniciativas deste género e naquelas circunstâncias, embora movidas por excelentes desígnios, devem sempre ponderar os sentimentos humanos e as inevitáveis reacções, frequentemente mais instintivas que reflectidas, mas sempre com predominância das primeiras.
As feridas ainda sangram, a tragédia foi imane, o choque abalou tremendamente o orgulho nacional. Ora, para mitigar dores e diluir ódios, é sempre necessária uma apropriada dose de tempo e ponderação.
Fatalmente que as polémicas explodiriam, as incompreensões sobrepor-se-iam, os sectários sempre em busca de causas extremas, imediatamente encontrariam motivo para lançar gritos de guerra.
Ademais, para um grande percentagem de americanos, as suas mentes ainda se mantêm muito fechadas, quer por ignorância, quer por orgulho ferido, à compreensão de uma religião islâmica digna de todo o respeito que nada tem que ver com um grupo de profissionais da violência que usam esse credo, ultrajando-o, para semear morte e ruína.
Eis por que se deve sempre dar tempo ao tempo e nunca forçá-lo.
O verdadeiro político seria aquele que classificaríamos como homem de Estado, estadista movido por convicções e dotado da arte de interpretar e gerir a coisa pública com inteligência, intuição, pervicácia e honestidade. Porém, homens (ou senhoras) com estas características há poucos, melhor: são mais a excepção que a norma.
Já no que concerne os politicantes, estes profissionais da política que a avaliam como a melhor via para fazer carreira e obter vantagens, esses superabundam e, obviamente, constituem a maioria da classe política.
Pavoneando-se com uma retórica já muito experimentada, normalmente evidenciam escassez ou total ausência de ideias bem delineadas e concretas.
Explorando com uma certa habilidade as conveniências ou interesses das várias minorias, mas sempre apregoando um exclusivo empenho pelo bem comum, conseguem impor-se, sobretudo às grandes massas mal informadas ou pouco instruídas. E são estas grandes massas que, frequentemente, contribuem para o triunfo da falácia.
Todo este preâmbulo provém da declaração de Barack Obama sobre a construção do centro islâmico e mesquita – "Centro Córdoba" – na tristemente famosa zona “Ground Zero”.
Como todos leram, no discurso durante a ceia que antecedia o jejum de Ramadão, Obama pôs de lado prudência, oportunismos e tácticas políticas; evitou manter um silêncio aconselhável que, dadas as próximas eleições intermédias para o Senado, só o favoreceria: tudo isso ignorou e preferiu expressar a sua opinião sobre a construção do polémico centro islâmico.
[…] Desejaria ser claro. Como cidadão e como presidente, creio que, neste País, os muçulmanos tenham o mesmo direito que tem qualquer outra pessoa de praticar a própria religião. Nisto, incluo o direito de construir um lugar de culto e um centro comunitário numa área de propriedade privada em Lower Manhattan, segundo as leis e disposições locais. Esta é a América.
O nosso empenho pela liberdade religiosa deve ser inquebrantável. O princípio, na base do qual as pessoas de todas as confissões religiosas são bem aceites neste País e não serão discriminadas pelo seu governo, está ligado à essência daquilo que nós somos.
As palavras escritas pelos Fundadores devem perdurar no tempo. Somos uma nação de cristãos, muçulmanos, judeus, hinduístas – e de descrentes.
Fomos plasmados por todas as línguas, por todas as culturas provenientes das variadas partes da Terra […] - Barack Obama
****
Muitos analistas ressaltaram, e muito bem, o facto de antepor a condição de cidadão à de presidente: “Como cidadão e como presidente”
Com efeito, antes do presidente, é o cidadão comum que nunca deve esquecer os princípios fundamentais que determinam a “essência do que é ser americano”.
Aqui está, portanto, o exemplo do que eu considero um verdadeiro político.
Continuo a nutrir uma grande simpatia por aquele Presidente americano. Modesto, sentimentos éticos arreigados, perseverante nas ideias que procura levar a bom fim.
Peca por excesso de centrismo equilibrador, o que é difícil numa América de conservadorismos mais fundamentalistas que iluminados, de “lobbies” para onde milhões de dólares afluem, a fim de travar o que não convém a certos interesses. Mas um bom equilibrista, em política, não é defeito.
Diariamente apontam o actual baixo grau de popularidade de Obama e de confiança na eficácia da sua presidência. Nesse caso, mais um motivo para admirar a coragem de um político que deu maior valor aos seus princípios que a cálculos de conceder ou não conceder vantagens ao adversário. E não se pretenda milagres onde são impossíveis.
Os ultraconservadores republicanos do movimento Tea Party, a reaccionária Sarah Palin – gosto de ver senhoras na política, mas não mulherzinhas deste género - o faccioso canal televisivo Fox News não perderam a ocasião de partirem para novos ataques à política de Obama, do islamismo, logo, da construção da mesquita em Ground Zero: “Um facto gravíssimo que constitui uma ofensa ao povo americano e um insulto às vítimas” - linguagem muito própria de extremistas.
Já exprimi a minha opinião sobre a construção do “Centro Córdoba” na zona da tragédia do 11 de Setembro: jamais a considerei sobre o ponto de vista da legitimidade, pois essa é incontrovertível.
As minhas perplexidades nascem do local e momento escolhidos, onde o bom senso não brilhou por acuidade. E não mudo de opinião
Acredito piamente nas boas intenções do imã Feisal Abdul Rauf, autor e promotor da ideia. É descrito como pessoa de grande dignidade, muito equilibrada, moderada e inimiga de fundamentalismos. O seu projecto seria criar um centro onde as várias religiões se encontrassem e se conhecessem. Projecto nobre, sem dúvida.
Mas iniciativas deste género e naquelas circunstâncias, embora movidas por excelentes desígnios, devem sempre ponderar os sentimentos humanos e as inevitáveis reacções, frequentemente mais instintivas que reflectidas, mas sempre com predominância das primeiras.
As feridas ainda sangram, a tragédia foi imane, o choque abalou tremendamente o orgulho nacional. Ora, para mitigar dores e diluir ódios, é sempre necessária uma apropriada dose de tempo e ponderação.
Fatalmente que as polémicas explodiriam, as incompreensões sobrepor-se-iam, os sectários sempre em busca de causas extremas, imediatamente encontrariam motivo para lançar gritos de guerra.
Ademais, para um grande percentagem de americanos, as suas mentes ainda se mantêm muito fechadas, quer por ignorância, quer por orgulho ferido, à compreensão de uma religião islâmica digna de todo o respeito que nada tem que ver com um grupo de profissionais da violência que usam esse credo, ultrajando-o, para semear morte e ruína.
Eis por que se deve sempre dar tempo ao tempo e nunca forçá-lo.
Alda M. Maia
2 Comments:
D. Alda,
Conhece à saciedade a minha opinião sobre o(s) temas que abordou. E digo-lhe, desde já, que concordo com a generalidade daquilo que escreve - Aliás não saberia dizê-lo melhor.
Bom, no entanto, discordo, como sabe, da opinião final (e, desculpe-me o atrevimento, mas parece-me que a D. Alda já "amenizou" a opinião quanto a isso).
É verdade que houve quem sofresse muito naquele 11 de Setembro – e com esses me solidarizo – mas o certo é que, desta vez, os fundamentalismos estão do outro lado. Até porque, como a D. Alda bem referiu, os princípios basilares dessa construção são completamente opostos ao rancor – advém de sentimentos de paz, que trarão bons frutos, necessariamente.
Considerei sábias as palavras de Obama. Ouvi o seu discurso e reforcei a minha admiração por ele: Não é essa a América que “ele” quer…
Parece-me que os extremistas americanos (esses que não querem a mesquita) terão que aprender a conviver em sociedade (e quão diversificada é ela) e poderão, ainda, reformular as suas posições – Abrandar o ódio, digamos. Poderiam ter aproveitado para compreender alguma coisa com esse discurso. Com aquelas palavras penso que Obama “impediu” que a podridão se alastrasse. Recuar seria alimentar esse ódio que não leva a lado nenhum.
Belíssimo comentário, Maria Teresa!
E, se queres que to confesse, já o previa… ou eu não te conhecesse tão bem!
Primeiro que tudo, não deves pedir desculpa por coisíssima nenhuma: fugirias àquelas qualidades de frontalidade e sinceridade que é o que mais aprecio em ti.
Vais agora explicar-me, linda menina, no que é que eu “amenizei “ a minha opinião.
Alguma vez pus em dúvida a legitimidade da iniciativa? Alguma vez neguei essa legitimidade? Apenas me causaram grande perplexidade o local e o momento. Simplesmente, e repito o que te já disse uma vez, à razão devemos antepor, muitas vezes, a ponderação sobre prováveis reacções, certos estados de ânimo que, inevitavelmente, levariam a uma forte divisão dos cidadãos americanos.
Em New York existem cerca de cem mesquitas activas. Após o 11 de Setembro, ninguém sugeriu ou sonhou sequer alimentar qualquer ideia de pretender o encerramento desses locais de culto.
Logo, continuo com as minhas perplexidades. Estarão erradas, mas mantenho-as.
Não deixo de apreciar, todavia, quem tem responsabilidades políticas e administrativas, como Obama e o presidente da Câmara de New York, por exemplo, e defende o projecto.
Um abraço grande
Alda
Enviar um comentário
<< Home