segunda-feira, outubro 11, 2010

LIVROS EM PAPEL OU DIGITAIS?

Na Feira do Livro de Frankfurt 2010 (de 06 a 10 de Outubro), o tema mais falado talvez tenha sido as novas tecnologias, isto é, a expansão das edições digitais. Aliás, todos esperam que, no próximo Natal, se verifique um grande acréscimo de vendas dos leitores electrónicos.

Este tema já se arrasta de há largo tempo e os cantores do e-book não se cansam de expor maravilhas em detrimento dos livros, livros: as amadas (para mim) edições em papel.

Como é já costume, as novidades crêem-se as verdadeiras depositárias do óptimo, esquecendo-se de olhar para trás e, portanto, assumir uma atitude mais comedida.

Quando se lê a publicidade, mascarada de artigo esclarecedor, das diversas marcas de “devices” ou aparelhos que lêem o livro digital, fica-se com a impressão que o livro em papel é um objecto fastidioso, praticamente obsoleto.

Os leitores Kindle 3 da Amazon, o iPad da Apple – ou quaisquer outros dispositivos similares - entraram no reino das maravilhas.
Quantas vantagens sobre o livro em papel (ou o “livro, livro”, como lhe chamo eu)! Vejamos.
Grande portabilidade: esta portabilidade sem fios dispensa uma fonte de alimentação?
Grande concentração de obras: aguentarão o desgaste dos tempos, isto é, a duração de séculos comprovada pelos “livros, livros”?
Mais baratos: se não tivermos em conta o preço dos e-leitores e respectiva alimentação.
Garantia para os direitos de autor: como combater a sólita e intensa pirataria, pois é a praga que os editores mais temem?

Ma a tudo se encontrará remédio. Todavia, nem o livro em papel se encolherá num cantinho, humilhado por uma presumível ultrapassagem, nem o livro digital o poderá substituir. Coabitarão, e nisso vejo progresso e uma ulterior vantagem para incentivar um maior número de leitores.
Todos apontam a população jovem como os mais impulsionados a entrarem, mercê dos livros digitais, nas belezas que a leitura reserva. Oxalá que isto se verifique.
Mas agora, humildemente, passo a palavra ao famoso intelectual Umberto Eco (Umberto sem agá). Leitura divertida e recomendada.

*****

Não Façam o Funeral aos Livros

O iPad, o Kindle e outros dispositivos são instrumentos excelentes, mas não espereis libertar-vos dos volumes em papel. Pelo contrário, vê-los-emos sempre cada vez mais, em todo o mundo.

[…] Enquanto escrevo, o meu verão é obsidiado por inteiras páginas culturais dos quotidianos, os quais discutem se eventuais contratos dos autores para meterem as suas obras nos vários Kindle ou iPad não preludiem o definitivo desaparecimento dos livros e das livrarias.

[…] Assegurar um longo futuro para os livros não significa negar que certos textos de consulta sejam mais cómodos de transportar sobre uma prancheta; que um presbíope possa ler melhor um jornal sobre um suporte electrónico, onde pode ampliar, a gosto, o corpo tipográfico; que os nossos jovens possam evitar de se tornarem raquíticos, transportando quilos de papel nas mochilas.
E também não se quer sustentar a todo o custo que, para ler “Guerra e Paz” na praia, seja mais cómoda a forma-livro. Disso estou convencido, mas os gostos são gostos; só desejo, a quem tem preferências diversas, de não tropeçar num dia de “blackout”.

A verdadeira razão pela qual os livros terão vida longa é que já temos a prova que sobrevivem, em óptima saúde, livros impressos há mais de quinhentos anos e pergaminhos de dois mil anos, enquanto nos faltam provas sobre a duração de um suporte electrónico.

Num espaço de trinta anos, o disco flexível foi substituído pelo disco rígido, este pelo dvd, o dvd pelo “flesh drive”. Já nenhum computador está em condições de ler um floppy dos anos oitenta. Assim, não sabemos se o que ali estava teria durado, senão mil anos, pelo menos dez. É melhor, portanto, conservar a nossa memória em papel.

Ademais, existe ma bela diferença entre tocar e folhear um livro fresco e odorante de imprensa e ter na mão um “flesh drive”; ou então, entre recuperar na cave um texto de há tantos anos que traz os nossos sublinhados e mostra as nossas anotações na margem e reler a mesma obra, em Times New Roman corpo 12, no ecrã do computador.
Admitindo ainda que quem experimenta prazeres deste género é uma minoria, em seis mil milhões de habitantes do planeta (mas serão oito entre 15 anos), haverá sempre bastantes apaixonados que sustentarão um florescente mercado de livros.
E se depois sairão das livrarias e viverão somente no Kindle ou iPad os livros “usa e deita fora”, os best sellers para ler no comboio, os horários ferroviários ou uma recolha de anedotas, tanto melhor: tudo papel que se poupará.

Enfim, recordemos que nunca, no decurso dos séculos, um novo meio substituiu totalmente o precedente. Nem sequer o malho substituiu o martelo. A fotografia não condenou à morte a pintura (quando muito, desencorajou o retrato, a paisagem e encorajou a arte abstracta). O cinema não matou a fotografia, a televisão não eliminou o cinema, o comboio convive perfeitamente com o automóvel e o avião.

Teremos uma diarquia entre leitura no ecrã e leitura no papel. Por conseguinte, aumentará, em modo astronómico, o número de pessoas que aprenderão a ler – visto que até mesmo os sms são potentes instrumentos de alfabetização dos repetentes.

Se aumentar o analfabetismo de regresso na velha Europa decadente e malthusiana, teremos milhares de milhões de novos leitores na Ásia e África. E, para quem lerá escarranchado no ramo de uma árvore na floresta tropical, será sempre melhor um livro de papel que um electrónico.
Umberto Eco - L’Espresso, 05 Agosto 2010

*****

Magister dixit
Alda M. Maia

1 Comments:

At 5:32 da tarde, Blogger Teresa Fidalgo said...

D. Alda,

Eu sou daquelas que não dispensa o "livro-livro"!

E como haveria eu de fazer os meus sublinhados, as minhas anotações, ou seja, como haveria eu de "estragar" o livro digital?
… e tocar, e cheirar…
Não é que não leia muita coisa digital, cada vez mais, até, mas o livro-livro, como a D. Alda muito bem lhe chama, não perde espaço.
Por todas as razões e mais algumas: voto no livro-livro.

Um beijinho.

 

Enviar um comentário

<< Home