segunda-feira, outubro 25, 2010

BEATIFICAÇÕES QUE OMITIRAM ADVOGADOS DO DIABO

Beatificou-se a globalização: globalização dos mercados, obviamente.
Útil para as exportações dos países pobres ou em vias de desenvolvimento; excelente para as livres transacções mundiais ou outros conceitos similares.

Nenhum advogado do diabo, embora omisso, alertou para as deformações sociais que a globalização, sem leme nem timoneiros mundiais de concerto uns com os outros, traria às vidas das nações?

Endeusou-se a economia de mercado; os mercados financeiros tornaram-se bestas indomáveis que escorraçam por todo o globo sem freios, sem ética e sem regras, pois tudo se tornou lícito.
Também aqui não foram julgados indispensáveis advogados do diabo que indicassem o perigo da incongruência de mercados financeiros selvagens que de tudo se interessam, menos suster a economia real.

Jürgen Habermas, num artigo publicado no semanário Die Zeit e também no jornal La Repubblica, exprimiu um conceito sobre os mercados financeiros que talvez esteja muito perto da verdade.

Referindo-se à atitude negativa inicial de Ângela Merkel em concorrer para uma ajuda tempestiva à Grécia, escreveu: “Parecia que, por medo das armas de destruição maciça da imprensa sensacionalista, tivesse perdido de vista a força explosiva de um outro tipo de armas de extermínio: as dos mercados financeiros”.

Na beatificada globalização devemos incluir as multinacionais de vários países que se movem, em todo o planeta, como se este constituísse um perene terreno de lucros sem contrapartidas humanitárias.

A organização “Survival International” dedicada á defesa das culturas indígenas, difundiu um vídeo sobre a crueldade dos soldados indonésios sobre as populações tribais de Papua Nova Guiné. Não o quis ver; bastou-me a descrição das torturas infligidas àqueles infelizes indígenas.

Os motivos desta perseguição residem na riqueza dos recursos naturais da Papua Ocidental, exploradas pela Indonésia e multinacionais estrangeiras. Os lucros são consistentes, nada sendo repartido com as populações locais, pois estas apenas são consideradas como um estorvo que se deve eliminar. “Homicídios, sequestros de pessoas e torturas estão na ordem do dia”.

Sempre em relação à Papua, transcrevo a referência à multinacional Freeport. “Na terra do povo Amungme, por exemplo, surge a Grasberg, a maior mina de cobre e ouro do mundo, sendo a Freeport o sócio maioritário. Após anos de campanhas da parte de Survival e outras organizações humanitárias, o Banco Mundial cessou, finalmente, de financiar alguns projectos de integração mais brutais, concebidos pelo governo indonésio. Todavia, os abundantes recursos naturais de Papua continuam a ser intensamente explorados sob a protecção do exército.”

O vídeo da Survival International correu mundo, a indignação foi geral e a Indonésia, já não podendo negar, decidiu reconhecer o comportamento brutal do exército, prometendo investigações e castigos.
As hipocrisias e descaramentos oficiais não têm limites! Se desde o início se verificou este comportamento abominável, donde partiam as directivas?

A maneira fraudulenta como a Indonésia contornou o referendo para a independência de Papua Nova Guiné, anexando-a em 1963, não depõe muito a favor deste país (é-me impossível não recordar Timor). Todavia, foi sempre compreendido e bem apoiado.
Eis o que declarou, em 1968 um diplomata inglês: “Não posso imaginar que os governos de Estados Unidos, Japão, Holanda ou Austrália possam pôr em risco as suas relações com a Indonésio por uma questão de princípio que diz respeito a um número relativamente pequeno de homens primitivos”.
É difícil encontrar uma confissão mais pura de racismo. E chamam àquilo um diplomata!

Falemos agora de uma espécie de globalização que tem todos os carismas de moderno e indecente colonialismo.
Em Turim encerra hoje o “Salão do Gosto e Terra Madre”, vértice mundial das comunidades da alimentação. Daqui partiu a denúncia e o alarme sobre a aquisição descontrolada de milhões de hectares de terrenos cultiváveis africanos. A este fenómeno, aliás já bem conhecido, chamam-lhe “Land grabbing” – açambarcagem de terras.

Os chineses foram os primeiros, mas logo seguidos pelos Países do Golfo, Arábia Saudita e Índia, etc. Ademais, os terrenos custam pouquíssimo e os agricultores africanos sucumbem, perante especuladores sustidos pela cumplicidade dos políticos locais.

Tudo isto serve para o desenvolvimento da agricultura daqueles países? Que ilusão! Se interpretarmos bem o que escrevem sobre este açambarcamento de terras cultiváveis, de novo se nos apresenta a aberração de especulações sem alma nem contemplações para o espectro da fome que ainda domina e assusta.
Muitos desses terrenos são utilizados para o negócio lucroso da cultivação de flores ou dos biocarburantes. No que concerne a produção de alimentos, estes serão destinados à exportação.
Nada mais falta para que a colonização seja perfeita, completa.

Para terminar, um último exemplo da filha predilecta da globalização: a deslocalização.
Twinings of London, a “icónica companhia de chá britânica”, decidiu deslocar a sua produção para a Polónia. De há uns tempos, o famoso chá é também produzido na China.

Esta notícia, dada nos primeiros dias do passado mês de Setembro, não seria novidade, pois casos destes já tomaram foros de normalidade. O que a torna curiosa, devido ao cinismo como tudo se processa, é a obrigação dos 363 trabalhadores da fábrica que fechará, Tyneside, além de serem lançados para o desemprego ou a pré-reforma, terão ainda de ensinar a profissão a quem os substituirá.
Ao estabelecimento de North Shields apresentar-se-ão os trabalhadores polacos, a fim de que lhes seja ensinada a arte de produzir o “World famous teas”.
“Ao prejuízo juntou-se o insulto”. É difícil não o reconhecer.
Alda M. Maia

2 Comments:

At 4:31 da tarde, Blogger Monique Viegas said...

Oi Alda!
Gosto muito do modo como escreve e exprime de maneira inteligente seus pensamentos, tenho a dizer que concordo com você em todos os pontos e que bom seria se as pessoas tivessem um olhar mais criticos para alguns assuntos, nao é?
abraços.

 
At 5:51 da tarde, Blogger Alda M. Maia said...

Boa Tarde, gentil Laranjinha

Antes de mais, muito obrigada pela sua visita; em seguida, agradeço a aprovação e simpatia do seu comentário sobre o que escrevo
Um abraço grande
Alda

 

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