“ENQUANTO ROMA DISCUTE, SAGUNTO É EXPUGNADA”
“Na periferia errada da Europa, Lisboa paga o preço mais alto.
Economia sem saída e uma classe política inadequada”: título e subtítulo de uma reportagem do jornal "La Repubblica", de segunda-feira, dia 15 de Fevereiro. Autor: Guido Rampoldi.
O post de hoje dedicá-lo-ei à transcrição de excertos desta reportagem pouco lisonjeira para os nossos políticos. Vale a pena perder alguns minutos na leitura do que escreve Rampoldi. Sublinharei algumas frases a negrito.
"Na Semana passada, enquanto o primeiro-ministro José Sócrates procurava convencer os mercados que o governo cortaria na despesa pública, a fim de, em quatros anos, fazer retornar o défice transbordante aos parâmetros de Maastricht, o parlamento português dobrava os financiamentos à Madeira e Açores. Um desembolso mínimo, mas uma péssima indicação à finança internacional. (…) E o dano consumou-se.
É a evidência que o governo socialista, tendo perdido a maioria absoluta nas eleições de Setembro passado, agora está exposto a golpes de mão, preparados pelo centro-direita e extrema-esquerda. Uma oposição heterogénea, mas, todavia, concorde em antepor os próprios interesses e o dos próprios eleitores aos interesses nacionais.
(…) Torna-se claro que Portugal desconta, não somente os limites estruturais de uma economia pouco competitiva, mas também uma certa inadequação da sua classe política.
É uma desvantagem, pois tanto os mercados, como uma escola estatística consideram estes factos não menos relevantes que os parâmetros clássicos a que recorrem os economistas, a fim de prognosticar o futuro de um País.
Segundo um estudo recente da OCDE, Portugal é o País europeu que nutre menor confiança no parlamento – 19% contra os 64% dos dinamarqueses, o extremo oposto na UE.
Tanto cepticismo parece justificado, porque, grosso modo, coincide com a classificação de World Bank sobre a qualidade da governação: as sociedades que mais desconfiam da classe política e concebem ser mal governadas são, geralmente, as do sul da Europa, Itália incluída.
As mais satisfeitas são, pelo contrário, as sociedades da Europa escandinava, cujos índices da OCDE atribuem solidariedade interna, confiança nas instituições e sentido de pertença.
É verosímil que estas virtudes gerem uma relevantíssima vantagem económica. Os países que a praticam teriam maior facilidade em aplicar, de uma maneira coerente, regras colectivas, políticas e fiscais; luta à corrupção; renitência aos esbanjamentos". (Lendo isto, ponho-me a sonhar com um Portugal convertido, um País virtuoso! Mas fico-me no sonho, por enquanto).
(…) A Europa em dificuldade acaba por coincidir com a Europa da desconfiança e da fragmentação.
(…) Portugal encontra-se na periferia errada, o extremo oeste de um Continente que está a desviar a sua logística para a Europa oriental e de sudeste, onde as empresas encontram mercados em expansão, mão-de-obra barata e despudorados desagravos fiscais.
Como a Espanha, também Lisboa procurou desenvolver uma vocação dupla: europeia e atlântica. (…) O canal europeu estimula a indústria portuguesa para especializações tecnológicas, sobretudo as energias alternativas, nas quais Portugal atingiu uma qualidade interessante.
(…) Quando iniciou a recessão, o Governo português procurou dar alento à economia, financiando infra-estruturas, como a linha de alta velocidade Lisboa-Madrid, a fim de subtrair o País à sua marginalidade geográfica. Porém, o aumento da despesa pública obrigou-o, primeiro a pôr um travão, em segundo lugar a elaborar um orçamento austero para 2010, o que só convenceu por metade a finança internacional.
(…) Só um plano de estabilidade rigoroso, como sugere a Comissão Europeia a Lisboa e Atenas, poderá evitar a Portugal outros riscos. Esse plano deve aprová-lo o imprevisível Parlamento português.
**** ****
Nestas últimas semanas, tenho recordado a muito citada frase de Tito Lívio, sobre a segunda Guerra Púnica e o assalto de Aníbal a Sagunto: “Enquanto Roma discute, Sagunto é expugnada”.
A classificação de “imprevisível” à nossa Assembleia da República, por certas similitudes, embora metafóricas, de novo me trouxe à memória a célebre frase.
Não é que no nosso Parlamento se discuta o porquê e o como: simplesmente, não se discute, pois é mais teatral insultarem-se mutuamente, ostentar retóricas tartufísticas, ocuparem-se de causas completamente alheias à crise económica e financeira que nos aflige e que deveria varrer quaisquer outras, vazias de conteúdo sério.
Não me canso de escandalizar-me com o actual momento da nossa política.
Tem-se a impressão que, em vez de “políticos adequados”, nas instituições vemos uma espécie de saltimbancos políticos de província, ao ponto de acharam divertido, consentindo-o, o comportamento histriónico de um jornalista, perante a Comissão de Ética do Parlamento. Não me digam que isto é uma coisa séria!
E enquanto se verifica a mesquinhez da nossa classe política “inadequada”, o bem-estar do País é expugnado.
Espero que a tragédia da Madeira traga união, bom senso e, sobretudo, sentido de responsabilidade, pois é a ausência desta que mais preocupa.
“Na periferia errada da Europa, Lisboa paga o preço mais alto.
Economia sem saída e uma classe política inadequada”: título e subtítulo de uma reportagem do jornal "La Repubblica", de segunda-feira, dia 15 de Fevereiro. Autor: Guido Rampoldi.
O post de hoje dedicá-lo-ei à transcrição de excertos desta reportagem pouco lisonjeira para os nossos políticos. Vale a pena perder alguns minutos na leitura do que escreve Rampoldi. Sublinharei algumas frases a negrito.
"Na Semana passada, enquanto o primeiro-ministro José Sócrates procurava convencer os mercados que o governo cortaria na despesa pública, a fim de, em quatros anos, fazer retornar o défice transbordante aos parâmetros de Maastricht, o parlamento português dobrava os financiamentos à Madeira e Açores. Um desembolso mínimo, mas uma péssima indicação à finança internacional. (…) E o dano consumou-se.
É a evidência que o governo socialista, tendo perdido a maioria absoluta nas eleições de Setembro passado, agora está exposto a golpes de mão, preparados pelo centro-direita e extrema-esquerda. Uma oposição heterogénea, mas, todavia, concorde em antepor os próprios interesses e o dos próprios eleitores aos interesses nacionais.
(…) Torna-se claro que Portugal desconta, não somente os limites estruturais de uma economia pouco competitiva, mas também uma certa inadequação da sua classe política.
É uma desvantagem, pois tanto os mercados, como uma escola estatística consideram estes factos não menos relevantes que os parâmetros clássicos a que recorrem os economistas, a fim de prognosticar o futuro de um País.
Segundo um estudo recente da OCDE, Portugal é o País europeu que nutre menor confiança no parlamento – 19% contra os 64% dos dinamarqueses, o extremo oposto na UE.
Tanto cepticismo parece justificado, porque, grosso modo, coincide com a classificação de World Bank sobre a qualidade da governação: as sociedades que mais desconfiam da classe política e concebem ser mal governadas são, geralmente, as do sul da Europa, Itália incluída.
As mais satisfeitas são, pelo contrário, as sociedades da Europa escandinava, cujos índices da OCDE atribuem solidariedade interna, confiança nas instituições e sentido de pertença.
É verosímil que estas virtudes gerem uma relevantíssima vantagem económica. Os países que a praticam teriam maior facilidade em aplicar, de uma maneira coerente, regras colectivas, políticas e fiscais; luta à corrupção; renitência aos esbanjamentos". (Lendo isto, ponho-me a sonhar com um Portugal convertido, um País virtuoso! Mas fico-me no sonho, por enquanto).
(…) A Europa em dificuldade acaba por coincidir com a Europa da desconfiança e da fragmentação.
(…) Portugal encontra-se na periferia errada, o extremo oeste de um Continente que está a desviar a sua logística para a Europa oriental e de sudeste, onde as empresas encontram mercados em expansão, mão-de-obra barata e despudorados desagravos fiscais.
Como a Espanha, também Lisboa procurou desenvolver uma vocação dupla: europeia e atlântica. (…) O canal europeu estimula a indústria portuguesa para especializações tecnológicas, sobretudo as energias alternativas, nas quais Portugal atingiu uma qualidade interessante.
(…) Quando iniciou a recessão, o Governo português procurou dar alento à economia, financiando infra-estruturas, como a linha de alta velocidade Lisboa-Madrid, a fim de subtrair o País à sua marginalidade geográfica. Porém, o aumento da despesa pública obrigou-o, primeiro a pôr um travão, em segundo lugar a elaborar um orçamento austero para 2010, o que só convenceu por metade a finança internacional.
(…) Só um plano de estabilidade rigoroso, como sugere a Comissão Europeia a Lisboa e Atenas, poderá evitar a Portugal outros riscos. Esse plano deve aprová-lo o imprevisível Parlamento português.
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Nestas últimas semanas, tenho recordado a muito citada frase de Tito Lívio, sobre a segunda Guerra Púnica e o assalto de Aníbal a Sagunto: “Enquanto Roma discute, Sagunto é expugnada”.
A classificação de “imprevisível” à nossa Assembleia da República, por certas similitudes, embora metafóricas, de novo me trouxe à memória a célebre frase.
Não é que no nosso Parlamento se discuta o porquê e o como: simplesmente, não se discute, pois é mais teatral insultarem-se mutuamente, ostentar retóricas tartufísticas, ocuparem-se de causas completamente alheias à crise económica e financeira que nos aflige e que deveria varrer quaisquer outras, vazias de conteúdo sério.
Não me canso de escandalizar-me com o actual momento da nossa política.
Tem-se a impressão que, em vez de “políticos adequados”, nas instituições vemos uma espécie de saltimbancos políticos de província, ao ponto de acharam divertido, consentindo-o, o comportamento histriónico de um jornalista, perante a Comissão de Ética do Parlamento. Não me digam que isto é uma coisa séria!
E enquanto se verifica a mesquinhez da nossa classe política “inadequada”, o bem-estar do País é expugnado.
Espero que a tragédia da Madeira traga união, bom senso e, sobretudo, sentido de responsabilidade, pois é a ausência desta que mais preocupa.
Alda M. Maia
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