MAS QUEM ESCREVE AS LEIS DE DEUS?
O caso da excomunhão dos médicos brasileiros que provocaram o aborto numa criança de nove anos, grávida de dois gémeos e violada, desde os seis anos, pelo padrasto, teve relevância nos jornais italianos.
Em Portugal, este facto mereceu menos atenção. Apresentaram a informação, dentro dos parâmetros dos casos estranhos, mas sem aprofundá-la. Creio que valia a pena!
Que uma criança seja violada, que meninas engravidem, desgraçadamente são barbaridades muito comuns.
Os tarados sexuais abundam; tornam-se mais asquerosos, se isso é possível, quando tais crimes se verificam dentro do ambiente familiar.
Este facto específico da criança brasileira ecoou com maior estrondo, devido à intervenção do arcebispo de Recife e Olinda, Dom José Cardoso Sobrinho.
Interveio com grande intensidade, a fim de que não se chegasse ao aborto. Seria um crime que a Igreja não poderia tolerar: assassinar-se-iam dois inocentes - o estupro praticado naquela criança era de secundária ou ínfima importância.
Os médicos, porém, entenderam que uma menina subnutrida, de nove anos, correria sérios riscos de não ter possibilidade de levar a gestação até ao fim ou de sobreviver a esta violência à sua tenra idade.
Nenhuma destas circunstâncias - e outras com elas relacionadas - incomodou o prelado, zelador extremo do respeito pelas “leis de Deus”.
Os médicos não obedeceram e reponderam apenas ao que a consciência de médicos lhes ditava. Com o consentimento da mãe e de acordo com o que a lei brasileira permite, num hospital público do Recife, interromperam a gravidez.
Chegou-lhes a excomunhão, assim como ao pessoal auxiliar, decretada por Dom José Cardoso Sobrinho: A lei de Deus deve estar sempre acima das leis dos homens. Quem faz o aborto é automaticamente excomungado. Não há crime pior que o aborto.
Lendo as informações que foram publicadas, há um aspecto que me chamou a atenção.
A criança vivia num ambiente de pobreza e dentro de uma família desagregada: a mãe separada do marido, convivendo com um desempregado de 23 anos, desde 2005.
Como a notícia da gravidez da menina saiu a público, o Sr. Arcebispo não se poupou a esforços, a fim de que várias autoridades interviessem, impedindo, a todo o custo, que abortasse.
O Senhor Arcebispo, previamente, teria dado lugar a tanta actividade, se alguém se tivesse preocupado em apoiar famílias como a desta menina?
Não seria mais coerente excomungar – já que tanto o atrai essa sentença – a política corrupta que bem pouco se esforça por atenuar a degradação social, a miséria que esmaga?
A teoria católica que a lei de Deus está acima das leis dos homens é um frequente leitmotiv das hierarquias.
Sempre me perguntei quem escreveu as primeiras: qualquer entidade divina ou elementos da humanidade, exactamente iguais aos que escrevem as leis terrenas, as leis que harmonizam uma convivência civilizada?
Os Doutores da Igreja, nos primeiros séculos, onde colheram os princípios ético-morais que forneceram esteios robustos às doutrinas do cristianismo?
Perante factos que indicam tragédia dentro de tragédias, mas que chocam contra os princípios “não negociáveis” da Igreja - o aborto, divórcio, defesa extrema da vida, mesmo quando esta depende de uma máquina – as hierarquias católicas não hesitam em usar uma linguagem dura, fria, impiedosa, como: assassínio, homicidas, etc. - o caso Eluana Englaro é paradigmático.
Esta rudeza inspira-se no que Deus espera dos pastores da Igreja? Ou, pelo contrário, as leis divinas sugerem compreensão, misericórdia, caridade… silêncio, quando a vida impõe à humanidade dramas cujas soluções não estão ao alcance das verdades que presumem absolutas?
O silêncio! Sobre o que aconteceu em Recife, como me agradaria o som do silêncio dos homens do Vaticano! Mas nem sempre afinam.
Padre Gianfranco Greco, responsável pelo Conselho Pontifício para a Família, esclareceu: o Código do Direito Canónico é muito claro, perante um aborto provocado.
Muito bem, se o diz o Código do Direito Canónico. Não pretendam, todavia, que as leis deste código sejam consideradas “leis de Deus” e se devam sobrepor às leis de um qualquer país democrático.
Até esse ponto, a minha inteligência recusa-se a acompanhá-los.
Alda M. Maia
O caso da excomunhão dos médicos brasileiros que provocaram o aborto numa criança de nove anos, grávida de dois gémeos e violada, desde os seis anos, pelo padrasto, teve relevância nos jornais italianos.
Em Portugal, este facto mereceu menos atenção. Apresentaram a informação, dentro dos parâmetros dos casos estranhos, mas sem aprofundá-la. Creio que valia a pena!
Que uma criança seja violada, que meninas engravidem, desgraçadamente são barbaridades muito comuns.
Os tarados sexuais abundam; tornam-se mais asquerosos, se isso é possível, quando tais crimes se verificam dentro do ambiente familiar.
Este facto específico da criança brasileira ecoou com maior estrondo, devido à intervenção do arcebispo de Recife e Olinda, Dom José Cardoso Sobrinho.
Interveio com grande intensidade, a fim de que não se chegasse ao aborto. Seria um crime que a Igreja não poderia tolerar: assassinar-se-iam dois inocentes - o estupro praticado naquela criança era de secundária ou ínfima importância.
Os médicos, porém, entenderam que uma menina subnutrida, de nove anos, correria sérios riscos de não ter possibilidade de levar a gestação até ao fim ou de sobreviver a esta violência à sua tenra idade.
Nenhuma destas circunstâncias - e outras com elas relacionadas - incomodou o prelado, zelador extremo do respeito pelas “leis de Deus”.
Os médicos não obedeceram e reponderam apenas ao que a consciência de médicos lhes ditava. Com o consentimento da mãe e de acordo com o que a lei brasileira permite, num hospital público do Recife, interromperam a gravidez.
Chegou-lhes a excomunhão, assim como ao pessoal auxiliar, decretada por Dom José Cardoso Sobrinho: A lei de Deus deve estar sempre acima das leis dos homens. Quem faz o aborto é automaticamente excomungado. Não há crime pior que o aborto.
Lendo as informações que foram publicadas, há um aspecto que me chamou a atenção.
A criança vivia num ambiente de pobreza e dentro de uma família desagregada: a mãe separada do marido, convivendo com um desempregado de 23 anos, desde 2005.
Como a notícia da gravidez da menina saiu a público, o Sr. Arcebispo não se poupou a esforços, a fim de que várias autoridades interviessem, impedindo, a todo o custo, que abortasse.
O Senhor Arcebispo, previamente, teria dado lugar a tanta actividade, se alguém se tivesse preocupado em apoiar famílias como a desta menina?
Não seria mais coerente excomungar – já que tanto o atrai essa sentença – a política corrupta que bem pouco se esforça por atenuar a degradação social, a miséria que esmaga?
A teoria católica que a lei de Deus está acima das leis dos homens é um frequente leitmotiv das hierarquias.
Sempre me perguntei quem escreveu as primeiras: qualquer entidade divina ou elementos da humanidade, exactamente iguais aos que escrevem as leis terrenas, as leis que harmonizam uma convivência civilizada?
Os Doutores da Igreja, nos primeiros séculos, onde colheram os princípios ético-morais que forneceram esteios robustos às doutrinas do cristianismo?
Perante factos que indicam tragédia dentro de tragédias, mas que chocam contra os princípios “não negociáveis” da Igreja - o aborto, divórcio, defesa extrema da vida, mesmo quando esta depende de uma máquina – as hierarquias católicas não hesitam em usar uma linguagem dura, fria, impiedosa, como: assassínio, homicidas, etc. - o caso Eluana Englaro é paradigmático.
Esta rudeza inspira-se no que Deus espera dos pastores da Igreja? Ou, pelo contrário, as leis divinas sugerem compreensão, misericórdia, caridade… silêncio, quando a vida impõe à humanidade dramas cujas soluções não estão ao alcance das verdades que presumem absolutas?
O silêncio! Sobre o que aconteceu em Recife, como me agradaria o som do silêncio dos homens do Vaticano! Mas nem sempre afinam.
Padre Gianfranco Greco, responsável pelo Conselho Pontifício para a Família, esclareceu: o Código do Direito Canónico é muito claro, perante um aborto provocado.
Muito bem, se o diz o Código do Direito Canónico. Não pretendam, todavia, que as leis deste código sejam consideradas “leis de Deus” e se devam sobrepor às leis de um qualquer país democrático.
Até esse ponto, a minha inteligência recusa-se a acompanhá-los.
Alda M. Maia
4 Comments:
Curioso,Alda, é que foram alvo de excomunhão todos os intervenientes com a excepção do padrasto que a violava.
Li a notícia em jornais brasileiros e fiquei, mais uma vez, tremendamente revoltada contra a Igreja instituição. Não discuto nem ponho em causa a Religião ou as crenças de ninguém. Agora uma instituição poderosíssima, que se rege por leis obsoletas e nos dá conta de um Deus castigador, intolerante, insensível e sei lá que mais... Que ao longo da História tem sido sempre a causadora das maiores atrocidades. Que manteve uma inquisição que foi responsável por mais mortes do que o holocausto, já para não falar nos requintes de minúcia com que eram construídos os instrumentos de tortura... Em nome de que Deus? Do meu, não.
Um beijo.
Bem-vinda a este espaço, Maria Celeste!
Tive de ler duas vezes a história da excomunhão, a fim de me certificar que era autêntica, tanto me pareceu inverosímil, descabida, medieval!
Bispos de vários países insurgiram contra a estupidez da excomunhão. Enfim, grande agitação entre os prelados da Igreja Católica.
Relativamente ao estuprador, o arcebispo disse que era um caso que dizia respeito à justiça. Incrível!
Vejo tudo isto com uma certa pena. Não dão um bom exemplo.
Agradeço-lhe o comentário ao post anterior sobre a cadelinha ecológica. Só hoje “visitei” o que estava para trás no blogue e pude ler o que a Maria Celeste escrevera, assim como o comentário da Miluzinha. Mil desculpas.
Se eu tivesse de exercer o professorado, nos tempos de hoje, procuraria outra profissão. As crianças, ao fim e ao cabo, não têm culpa: os grandes responsáveis são os pais; certos professores que pensam mais no fim do mês que preparar-se - pedagógica e didacticamente - e exigir o respeito devido. Ao mesmo tempo, as autoridades, ao longo de todos estes anos, com a mania do politicamente estúpido, tudo fizeram para os desautorizar, não acha?
Quanto ao seu desafio … meteu-me numa boa alhada! Procurarei desenvencilhar-me.
Um grande abraço e um beijinho á sua filha
Alda
No início da mensagem anterior, falta uma palavra. Escapou-se, fugiu.
Reponho-a e reformulo o começo: SEMPRE bem-vinda a este espaço, Maria Celeste.
Assim é que está como deve ser.
Aquela excomunhão foi muito mais abrangente, foi a excomunhão de TODAS as mulheres! Qual de nós queria ter uma filha, mãe aos nove anos de idade? E com filhos de um amante nosso? Lamento, também, que não tenha havido espontaneamente uma resposta adequada, para alertar estes senhores da igreja que se mantenham quietinhos no lugar deles. Será que ainda não estão satisfeitos com os atentados contra a humanidade que a igreja um dia encabeçou?
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