domingo, janeiro 11, 2009

PLANTA INEXTIRPÁVEL

Achei divertida, e obviamente de actualidade, a crónica de Miguel Esteves Cardoso, no jornal Público de ontem.

"Porque será que os judeus, em geral, hesitam em chamar anti-semita a quem critica o Governo de Israel? Será que eles conhecem (ou se lembram de) verdadeiros anti-semitas? Que os mataram ou querem matar só por serem judeus ou israelitas? Haverá um anti-semitismo genuíno, feito de ódio racial ou religioso, que procura não tanto criticar alguns judeus, como matá-los todos e destruir Israel? Quem Sabe?
Podem ficar descansados os opositores do Governo israelita e de Israel em geral. (…) Os próprios israelitas são peritos em ofender-se uns aos outros (…). Sejam ardentemente anti-sionistas, pró-palestinianos e pró-árabes. Ninguém vai chamar-vos anti-semitas por causa disso. Só se insistirem muito. Desculpem lá o mau jeito.
Porque é fácil achar anti-semitismo do genuíno."
(…)

Transcrevi parte desta crónica, porque me ofereceu motivo para referir-me às reacções, atitudes, frases que se crêem inócuas, mas bem eloquentes, sobre o que se passa em Gaza.

Começo por acenar a um facto que se verificou em Roma.
Um sindicato de base, aderente á Confederação Comércio e Indústria, distribuiu um comunicado, protestando contra os ataques à Faixa de Gaza, no qual se aconselhava o boicote a todos os estabelecimentos comerciais pertencentes a judeus.
"Decidimos actuar um boicote das aquisições nas lojas do comércio de Roma que dizem respeito à comunidade judaica romana, (muito activa no comércio de vestuário em Roma, e não só) em sinal de protesto contra este massacre, reconhecido e condenado, e agora unanimemente, pelo inteiro panorama político internacional” – ponho fortes dúvidas na sinceridade da motivação invocada.

O lobo e o cordeiro de Esopo!
Todas as pessoas de religião hebraica, seja qual for a sua nacionalidade, obrigatoriamente devem ser responsáveis pelas acções do Estado israelita!...

Urge informar que, perante este comunicado indecente, a indignação foi geral. Autoridades, os maiores sindicatos e todas as facções políticas italianas manifestaram condenação e repúdio total.
Os autores que o difundiram quiseram fazer marcha atrás com explicações atabalhoadas, mas já era tarde para lavar a sujeira.

Não posso reprimir um duplo asco, em virtude deste facto ter-se verificado na Itália, país que promulgou as odiosas leis raciais de 1938 e, mercê dessas leis, era muito comum especificar-se que determinadas lojas eram arianas: não seria permitida a entrada de judeus.
Como é possível não ter consciência nem sentir vergonha pelo que se passou durante o regime fascista e comportar-se, agora, como se tal acontecimento histórico não lhes dissesse respeito?!

O vírus, qual planta daninha inextirpável, ficou. Todos os motivos são bons para exteriorizar o que sempre permaneceu latente.
Efectivamente, Esteves Cardoso tem razão: “é fácil achar anti-semitismo do genuíno”!

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Segundo caso, mas na Terra Lusa.
Sempre no Jornal Público, todos os domingos, no “espaço Público”, há um artigo de Frei Bento Domingues.
Gosto de o ler, pois parece-me um religioso que sabe abordar os diversos assuntos com uma mentalidade muito moderna e aberta.

Na semana passada, aludindo a Obama, escreveu: (…) Foram, sem dúvida, os menos poderosos que o elegeram. Serão, no entanto, os mais poderosos que, em nome das virtualidades da economia de mercado e do seu dinamismo, desviarão a atenção de Obama dos mais pobres das Américas, da África e da Palestina. Israel já fez o suficiente para mostrar que, mesmo com o fariseu Madoff na cadeia, os EUA devem continuar com fé em Israel, mesmo depois de todos os crimes contra a humanidade”. (o sublinhado a negrito é meu)

Já expressei a minha pouca simpatia por quem só considera as razões de uma parte. Paralelamente, sou defensora irredutível do respeito pela liberdade de expressão.

O que já não me merece o mínimo respeito é quando essa liberdade de expressão destila conceitos ou insinuações que me repugnam.
Mais repugnantes ainda, quando procedem de uma pessoa que julgamos bem formada: quer moral, quer intelectualmente.

Explico-me melhor.
É normal e correcto que Frei Bento Domingues exprima as suas convicções e simpatias. Já não é aceitável que exteriorize observações como as que sublinhei.

Madoff é cidadão americano. Ora, é como um normal cidadão que deve ser julgado e condenado pelas burlas que praticou.
Segundo Frei Bento Domingues, porém, visto que é de origem judaica, as suas vigarices devem, fatalmente, estar ligadas a todas as iniciativas dos dirigentes do Estado de Israel; logo, é triplamente execrável: judeu, vigarista, correligionário dos sionistas.

Na eventualidade de eu ter interpretado mal, advém uma pergunta: que entra o caso Madoff com a Palestina?
Se isto não é verdadeiro anti-semitismo, como o poderemos classificar?

Frei Bento Domingues deveria rever, com honestidade, a origem e história da praga do anti-semitismo. Ser-lhe-ia impossível evitar de pôr a Igreja, a que pertence, no banco de principal imputado. Sendo assim, e por uma questão de bom senso, talvez refreasse certas pulsões atávicas.

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A ONG americana, Human Rigts Watch, denuncia a explosão de projécteis de fósforo branco em Gaza. Oxalá que essa loucura não corresponda à verdade!
Alda M. Maia