segunda-feira, março 20, 2017

UMA SENTENÇA QUE CRIMINALIZA A FILATELIA

Coleccionam-se selos, possuem-se colecções temáticas ou gerais de um certo valor e de grande interesse. Enfim, a paixão pela coleccionação de selos abrange milhões de pessoas. Na Itália, por exemplo, o valor das transacções comerciais filatélicas anda à volta de 120 milhões de euros por ano.

No dia 18/03/2017, o jornal La Stampa informou que a um comerciante filatélico dos arrabaldes de Turim “foi sequestrada a inteira provisão de correspondência em depósito”.
“Os carabineiros do Núcleo Tutela Património Cultural devem identificar os documentos, um por um, e estabelecer em qual arquivo colocá-los”.
Qual a razão?

Numa sentença do tribunal de Turim, o Sr. Dr. Juiz Roberto Arata, baseado no Decreto-lei que, grosso modo, estabelece o princípio que os documentos endereçados a uma qualquer entidade pública, incluindo entidades eclesiásticas, são bens culturais inalienáveis. Logo, os envelopes devidamente selados, desde 1840, e dentro dos quais esses documentos viajaram, embora descartáveis e atirados para o cesto dos papéis destinados ao lixo, permanecem inalienáveis

Precisamente para melhor esclarecer esta abstrusidade, um ministro dos Bens Culturais, com uma circular da Direcção-geral para os arquivos, esclarecia que os envelopes, contrariamente aos documentos que encerravam, não podem ser considerados documentos merecedores de tutela.

O tribunal de Turim, porém, mandou para as urtigas esta interpretação e defendeu que tudo o que é posto de lado, ou melhor, deitado fora, tem de ser destruído imediatamente; não o sendo, mas colocado igualmente no cesto do lixo, é sempre um bem público.
Pergunta-se: Neste caso, é um bem público porque os selos foram valorizados?
Se não valessem nada e os envelopes tivessem sido recolhidos apenas por atracção das figurinhas aí coladas, o Sr. Dr. Juiz dar-lhes-ia a mesma atenção, ordenando o sequestro? Acho que são perguntas aceitáveis.

Certamente que existem documentos necessariamente conservados nos envelopes de origem e estes sobrescritos, como é óbvio, têm a mesma oficialidade que os documentos que encerram. Todavia, se estes mesmos envelopes merecerem a atenção da justiça, devem existir provas que são objecto de um furto.

Conselho (irónico?) do jornal La Repubblica: “Restituí os selos ao Estado, se o envelope onde estão colados era dirigido a uma entidade pública”.
Quantas colecções, organizadas em boa-fé com paciência, paixão e altos investimentos, seriam lesadas? O Estado, em tais situações, não se sentiria um larápio do coleccionador desinformado deste autêntico disparate ou ambiguamente informado?
O bom senso tem muita dificuldade a compreender estas e outras situações similares. As perplexidades aumentam, perante uma sentença deste género.  

Transcrevo o que o senador Carlo Giovanardi, apaixonado filatelista, declarou sobre este facto:
“Uma burocracia obtusa e arrogante, juntamente com intervenções abruptas da Magistratura, restringem, vergonhosamente, os espaços de liberdade no nosso País, mesmo as que dizem respeito às mais inocentes paixões de milhões de cidadãos coleccionadores. Peço ao Ministro Franceschini (Ministro dos Bens e Actividades Culturais e de Turismo) que intervenha com urgência, a fim de evitar perquisições, sequestros e procedimentos penais aos quais, baseados na sentença de Turim, pode estar exposta qualquer pessoa que possua uma colecção da história postal”.
Perfeitamente de acordo, senador Giovanardi.