"FOTOGRAFAR PARA TESTEMUNHAR"
Aylan, a foto do menino sírio que comoveu o mundo
A fotojornalista
turca, Nilufer Demir, quando viu
aquela criancinha deitado na areia, compreendeu imediatamente que estava morta
e já nada mais se poderia fazer. Decidiu fotografá-la, reflectindo: “Fotografar
para testemunhar. È o único modo para fazer ouvir o grito daquele corpo”.
A fotojornalista teve
uma apreciável intuição. Efectivamente, o grito foi enorme e ecoou por toda a Europa
e resto do mundo. Aturdiu consciências até agora ensonadas. Abalou indiferenças
instaladas em piedades hipócritas. Abriu os corações a uma atenção verdadeiramente solidária e humana sobre a imane tragédia que, de há anos, ensanguenta o Médio Oriente,
sobretudo na Síria. A Alemanha e Áustria, nestes últimos dias, têm demonstrado esses corações abertos. Oxalá que os actos de grande solidariedade da sociedade civil daqueles dois países não
sejam apenas o fruto das emoções, mas decisões concretas e duradouras.
Muitas jornais e
outras publicações lutaram contra os escrúpulos de publicar estas imagens de
morte, ademais, tendo como objectivo, tremendamente chocante, uma criança de
tenra idade. Vi uma série dessas imagens. Escolhi uma, a mais demolidora de
quaisquer sentimentos banais.
Observei-a, procurei
varrer do pensamento todas as sensações de tragédia que se impunham e
substituí-as pela poesia inspirada na ternura que advinha da imagem de um
menino - assim me forcei a imaginar - cansado de brincar na praia, adormecera.
Não se apercebia da proximidade da água. Surgiu um agente da guarda costeira
turca – como se vê numa das fotografias – tomou o pequenino Aylan nos seus braços, ainda
adormecido, e livrou-o do perigo.
Infelizmente essa
poesia apagou-se em poucos segundos. À tragédia de Aylan seguia-se a do seu
irmãozinho de cinco anos, Galip, e de
sua mãe, Rihan, de 35.
O sólito drama de
pequenos barcos superlotados que não resistem às ondas mais violentas. Os
ocupantes levantam-se desordenadamente, o barco vira-se e o mar engole os mais
frágeis para, depois, os depositar na areia.
Abdullah
Kurdi, pai de Aylan
e Gali e único sobrevivente da família, nos seus desabafos e explicações
angustiadas, não se cansava de repetir: “Os
meus filhinhos escorregaram-me das mãos. Estava muito escuro e todos gritavam.
Por este motivo, a minha mulher e os meus filhos não ouviram a minha voz. A
nado, procurei atingir a costa com a esperança de encontrar a minha família com
vida...”
Chegara à praia, mas
encontraram-no prostrado na areia, quase inconsciente, e conduziram-no ao hospital.
O sonho de percorrer
os poucos quilómetros que separam o ponto de partida, a praia turca Bodrum, da
ilha grega de Cós (destino que tanto desejava alcançar), esvaíra-se da maneira
mais pungente.
Quotidianamente,
assistimos a tragédias contínuas: similares ou ainda piores, quer no mar Mediterrâneo,
quer na via balcânica. Até quando?
Se a Europa, EUA, Rússia e Estados árabes de boa vontade metessem de parte ambiguidades políticas, conquista de zonas de
influência e outros desígnios que nada têm que ver com o lado humano, em
conjunto e com honesta determinação, já teriam varrido falsos califados de patológicos
adoradores da sanguinolência e da destruição. Já teriam posto em prática
verdadeiros apoios económicos e éticos àqueles povos, vítimas daqueles bárbaros
e que, desesperadamente, procuram a salvação na nossa Europa. Até quando?
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