segunda-feira, junho 08, 2015

GRAMÁTICA, ESSA DESCONHECIDA

Universidade de Pisa, notícia do dia 2 de Junho 2015: a Universidade, departamento de Jurisprudência, organiza cursos de gramática, porque os estudantes entram na universidade sem saber escrever”.
Uma professora de direito, cansada de ler textos onde predominavam erros gramaticais e deficiências nos conhecimentos mais basilares da própria língua, com a colaboração de um linguista, deu impulso à abertura de cursos onde se partirá das noções elementares: “iniciar-se-á um curso de escrita e de gramática da frase”.

Achei interessante, e fez-me sorrir, o esclarecimento e a opinião que deu o autor desta crónica (Paolo di Stefano - Corriere Della Sera, 2/06/2015):
“(…) um curso de escrita e de gramática da frase. Não a retórica ou o estilo, mas a gramática. Aquela que seria indispensável adquirir no percurso escolar entre o ensino básico e o secundário. Pelo contrário, é tranquilamente eludida ou descurada em nome de outras prioridades. Se não provocasse tristeza, poder-se-ia sorrir do paradoxo: todos a encher-se a boca com a necessidade de aprender o inglês e de afinar as competências informáticas, enquanto a verdadeira emergência é a língua italiana.”

Para concretizar essa falta de conhecimentos gramaticais, mas pelo lado cómico involuntário, encarregou-se o Secretário Federal do partido “Liga Norte”, Matteo Salvini.
Entrevistado ou participando em programas televisivos, Salvini levanta a voz e arrasa tudo e todos. O homem não conhece eufemismos, exprime-se com fluência e, para dar maior relevo aos seus argumentos, o insulto aos adversários sai-lhe com toda a naturalidade.

 Na semana passada, num programa de RAI2, falando dos migrantes, esclarece que a palavra migrante foi uma invenção da Presidente da Câmara dos Deputados. Em seguida, diz o ex-membro do Parlamento Europeu, hoje Secretário Federal da Liga Norte: “Migrante é um gerúndio e quando os migrantes entram na Itália são clandestinos”.

Confundiu o particípio presente com o gerúndio do verbo migrar. Uso o verbo confundir, no caso em que o Sr. Salvini saiba o que é um gerúndio e um particípio presente!...
No dia seguinte, a troça foi geral e praticamente todos os jornais noticiaram a calinada, publicando o vídeo onde Salvini “ensina” que migrante é um gerúndio.

E agora viremo-nos para outro lado, isto é, olhemos para dentro do nosso país. Isto não nos traz à ideia situações que retratam o que acabo de descrever, relativamente à faculdade de Direito da Universidade de Pisa (e em muitas outras universidades italianas, obviamente), ao que escreve Paolo di Stefano e às calinadas de senhores da política?
Certamente que sim. O conhecimento da gramática, também nesta parte mais ocidental da Europa, anda pelas ruas da amargura.

Actualmente temos uma gramática estupidamente complicada pela nova e desiluminada “Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário” (a famosa TLEBS), e por uma cacografia imposta por ignorantes. Descurada e depois traída por programas improvisados, onde a estrutura da língua portuguesa foi forçada a substituir os seus sólidos alicerces por frágeis estacas plantadas em terreno pantanoso.

Pobres professores de português! Mas merecerão a nossa solidariedade? Tenho dúvidas, sobretudo sobre uma certa percentagem não insignificante. Esta percentagem, melhor do que outros profissionais, conhece a nossa língua: por que aceita tudo o que conspurca a matéria que estudou, aprofundou e ensina, não se opondo a este descalabro de um património que nos dignifica e é de todos?

Mas a este ponto, o Sr. Ministro da Educação e Ciência quis lançar uma pequena bomba… ou tratar-se-á de fogo de vistas, visto que estamos em período de festa aos santos populares?
O Latim e o Grego, a partir do próximo ano lectivo, vão ser ensinados nas escolas básicas. Porém, atenção: serão as escolas que decidirão se o ensino das línguas clássicas deve ressurgir ou não e em que modalidade.

Francamente, percebi pouco sobre este projecto. Acho supérfluas tantas explicações, quando deveria ser anunciado, com toda a simplicidade, a introdução de uma nova e imprescindível matéria: “a introdução à Cultura e Línguas Clássicas”.
Jamais com “carácter opcional”, mas fazendo parte integrante das matérias obrigatórias. Em qual intensidade de aprendizagem, isso, então, é que se pode programar.

Oxalá que deste projecto nasça um plano em que os estudos clássicos vigorem e enriqueçam o nosso ensino e os nossos estudantes.
Parafraseando Paolo di Stefano: todos a vomitar sentenças sobre a importância da língua portuguesa, quando a verdadeira necessidade e emergência é um profundo e competente ensino da nossa língua em todas as suas cambiantes, sem trair as suas origens. Depois, sim, vangloriemo-nos do português, esta língua novilatina que sabemos falar e escrever correctamente.