segunda-feira, janeiro 05, 2015

SE ISTO É DEMOCRACIA

Se dentro de uma democracia se podem aceitar incongruências ofensivas do sentido de justiça e de equilíbrio com indiferença ou como factos democraticamente banais, significa que a nossa concepção de sistema democrático é simplesmente miserável. Ou será que ainda perdura um atavismo difícil de eliminar, dado um longo passado salazarista em que o conformismo, paralelo ao medo, orientava as nossas vidas?

Tomamos conhecimento de factos que nos desconcertam, simplesmente porque não vemos reacções adequadas a um sistema democrático que deve exigir clareza absoluta e total responsabilidade em todos os actos da vida pública.

Primeiro exemplo: o documento que explica o arquivamento do “inquérito à compra de dois submarinos aos alemães” e onde se lêem considerações verdadeiramente desconcertantes.
Sobre este assunto, li com muita atenção o óptimo serviço de Mariana Oliveira no jornal Público.
“O então ministro de Estado e da Defesa Nacional, Paulo Portas, «excedeu o mandato» que lhe foi conferido pelo Conselho de Ministros; as negociações entre o Estado português e o consórcio alemão «decorreram de forma opaca»”

Paulo Portas «excedeu o mandato» e as negociações decorreram de «forma opaca». Porém, o nosso homem julga-se um inocente incompreendido e proclama-o sem constrangimentos.
Juridicamente, é inocente, não pode ser condenado. Todavia, moral e eticamente, como julgá-lo? Condenado sem apelo, pois não creio que, após aturado exame a todos as facetas deste inquérito, os procuradores tivessem expresso estes conceitos de ânimo leve. Foram bem claros no que concerne o procedimento eticamente sujo do Sr. Irrevogável.

Escolhi o exemplo Paulo Portas, porque este senhor faz parte do actual Governo e continua impertérrito na ideação de novos projectos para a sua carreira política.
Penso que deveriam ser inadmissíveis carreiristas deste género numa democracia séria e deveria haver um modo legal e circunstanciado, dentro do sistema, para os afastar. Mas como não há, espera-se, como mínimo, que se faça presente qualquer resquício de dignidade. Mas também esta é qualidade raríssima em tais personagens. 

Passados oito anos, se neste inquérito os procuradores tivessem detectado “ilícitos criminais”, estes já estariam prescritos, assim o afirmaram. A este ponto, a pergunta impõe-se: é aceitável que ilícitos criminais contra o Estado, contra todos nós, prescrevam em relativo pouco tempo? Mas mais ainda: e por que razão lógica, se são crimes contra o Estado, devem prescrever?
Para quem é incriminado, mas tem meios e pode ser defendido por bons advogados, bem sabemos que existem mil formas de alongar os processos até que chegue a bem-aventurada prescrição. Mas viva os emaranhamentos da Justiça e quem concebe leis emaranhadas!

Perante este arquivamento - excepto num limitado número de pessoas - não me apercebi que tivesse provocado repulsa geral, sobretudo no que concerne a parte ética e moral. E foi aqui que se me apresentou um conceito esmaecido, débil, desconjuntado sobre o que significa viver democraticamente e o que isso deveria implicar: a exigência e confiança nas respectivas instituições; a certeza que estas funcionam dentro de um exclusivo empenho pelo bem comum, geridas por gente eficiente e eticamente correcta. Pode haver excepções, mas são precisamente excepções. Porém, verificamos o contrário: em vez de excepções, a corrupção e os atropelamentos à ética são uma quase normalidade que se aceita apaticamente.
É esta a democracia pela qual nos dirigimos às urnas a fim de, convictamente, a concretizarmos com os nossos votos? Não me parece.

Para terminar, mais uma perplexidade que me deixa escandalizada. Onde é que o eterno jogral madeirense vai encontrar todos aqueles milhões para, mesmo nos últimos dias do seu interminável mandato de presidente, os “emprestar” a empresas falidas ou prestes a sucumbir ou, então, financiar projectos de eficácia duvidosa, o “seu” Jornal da Madeira e tantos outros esbanjamentos estranhos e sem justificação?    

Está o nosso país a arfar pelos enormes problemas financeiros, a dívida soberana altíssima, praticamente trabalhamos o ano inteiro só para pagar os juros dessa dívida e o Sr. Alberto Jardim procede alegremente como se gozasse de imunidade perene sobre qualquer singularidade económico-financeira. Como é possível este silêncio oficial?
Escandaliza-me mais este silêncio do que as proezas daquele indivíduo.