SE ISTO É DEMOCRACIA
Se dentro de uma
democracia se podem aceitar incongruências ofensivas do sentido de justiça e de
equilíbrio com indiferença ou como factos democraticamente banais, significa
que a nossa concepção de sistema democrático é simplesmente miserável. Ou será
que ainda perdura um atavismo difícil de eliminar, dado um longo passado salazarista
em que o conformismo, paralelo ao medo, orientava as nossas vidas?
Tomamos conhecimento
de factos que nos desconcertam, simplesmente porque não vemos reacções
adequadas a um sistema democrático que deve exigir clareza absoluta e total
responsabilidade em todos os actos da vida pública.
Primeiro exemplo: o
documento que explica o arquivamento do “inquérito
à compra de dois submarinos aos alemães” e onde se lêem considerações
verdadeiramente desconcertantes.
Sobre este assunto,
li com muita atenção o óptimo serviço de Mariana Oliveira no jornal Público.
“O então ministro de
Estado e da Defesa Nacional, Paulo Portas, «excedeu
o mandato» que lhe foi conferido pelo Conselho de Ministros; as negociações
entre o Estado português e o consórcio alemão «decorreram de forma opaca»”
Paulo Portas «excedeu o mandato» e as negociações
decorreram de «forma opaca». Porém,
o nosso homem julga-se um inocente incompreendido e proclama-o sem
constrangimentos.
Juridicamente, é
inocente, não pode ser condenado. Todavia, moral e eticamente, como julgá-lo?
Condenado sem apelo, pois não creio que, após aturado exame a todos as facetas
deste inquérito, os procuradores tivessem expresso estes conceitos de ânimo
leve. Foram bem claros no que concerne o procedimento eticamente sujo do Sr.
Irrevogável.
Escolhi o exemplo
Paulo Portas, porque este senhor faz parte do actual Governo e continua impertérrito
na ideação de novos projectos para a sua carreira política.
Penso que deveriam
ser inadmissíveis carreiristas deste género numa democracia séria e
deveria haver um modo legal e circunstanciado, dentro do sistema, para
os afastar. Mas como não há, espera-se, como mínimo, que se faça presente qualquer
resquício de dignidade. Mas também esta é qualidade raríssima em tais
personagens.
Passados oito anos,
se neste inquérito os procuradores tivessem detectado “ilícitos criminais”,
estes já estariam prescritos, assim o afirmaram. A este ponto, a pergunta
impõe-se: é aceitável que ilícitos criminais contra o Estado, contra todos nós,
prescrevam em relativo pouco tempo? Mas mais ainda: e por que razão lógica, se
são crimes contra o Estado, devem prescrever?
Para quem é
incriminado, mas tem meios e pode ser defendido por bons advogados, bem sabemos
que existem mil formas de alongar os processos até que chegue a bem-aventurada
prescrição. Mas viva os emaranhamentos da Justiça e quem concebe leis
emaranhadas!
Perante este arquivamento
- excepto num limitado número de pessoas - não me apercebi que tivesse
provocado repulsa geral, sobretudo no que concerne a parte ética e moral. E foi aqui que se
me apresentou um conceito esmaecido, débil, desconjuntado sobre o que significa
viver democraticamente e o que isso deveria implicar: a exigência e confiança nas
respectivas instituições; a certeza que estas funcionam dentro de um exclusivo
empenho pelo bem comum, geridas por gente eficiente
e eticamente correcta. Pode haver excepções, mas são precisamente excepções.
Porém, verificamos o contrário: em vez de excepções, a corrupção e os atropelamentos à ética são uma quase normalidade que se aceita apaticamente.
É esta a democracia pela
qual nos dirigimos às urnas a fim de, convictamente, a concretizarmos com os
nossos votos? Não me parece.
Para terminar, mais
uma perplexidade que me deixa escandalizada. Onde é que o eterno jogral
madeirense vai encontrar todos aqueles milhões para, mesmo nos últimos dias do
seu interminável mandato de presidente, os “emprestar” a empresas falidas ou
prestes a sucumbir ou, então, financiar projectos de eficácia duvidosa, o “seu”
Jornal da Madeira e tantos outros esbanjamentos estranhos e sem justificação?
Está o nosso país a
arfar pelos enormes problemas financeiros, a dívida soberana altíssima,
praticamente trabalhamos o ano inteiro só para pagar os juros dessa dívida e o
Sr. Alberto Jardim procede alegremente como se gozasse de imunidade perene sobre
qualquer singularidade económico-financeira. Como é possível este silêncio
oficial?
Escandaliza-me mais
este silêncio do que as proezas daquele indivíduo.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home