segunda-feira, outubro 07, 2013

A HECATOMBE DE LAMPEDUSA
LAMPEDUSA CANDIDATA A NOBEL DA PAZ

Segundo o testemunho de alguns sobreviventes, as pessoas a bordo do trágico navio que se incendiou e naufragou a poucos metros da ilha de Lampedusa seriam cerca de 518: podemos bem avaliar as péssimas condições de alojamento desta pobre gente em embarcações com péssima segurança.
Sobreviveram 155, entre as quais 45 crianças; as vítimas recuperadas até hoje são 213.

Simone D’Ippolito, um dos primeiros socorristas que mergulhou, a fim de ainda poder salvar alguém, com a voz embargada pela comoção descreve todos os esforços de tantos voluntários como ele e aquilo que viu, sobretudo a 50 metros de profundidade:
“Havia corpos por todo o lado: entalados dentro do navio, mas também por cima e à volta. Vi pelo menos cem corpos, mas o que mais me atingiu foram aqueles corpos abraçados, antes de exalar o último suspiro. Talvez porque nenhum de nós quer morrer sozinho. Ainda tenho esta cena diante dos olhos e não consigo pensar noutra coisa”.

A generalidade destas vítimas não tem nome. Fotografaram-se os corpos, verificou-se o ADN. Com estes dados e a descrição da pessoa, atribui-se um número a cada féretro. Eis um exemplo: “morto n.º 14, negro, presumivelmente 18 anos”.
E assim serão sepultados se, entretanto, não houver familiares ou conhecidos que lhes dêem uma identidade.

Todas as circunstâncias e pormenores inerentes a esta última tragédia no Mediterrâneo, talvez porque se lhes deu todo o relevo que merecem, arrepiam e revoltam.
Quem segue com atenção estes fenómenos migratórios intui facilmente que, sobretudo somalis, eritreus, sírios, afegãos, enfim, cidadãos que fogem de guerras e de regimes ditatoriais cruéis e inimigos dos direitos humanos, enfrentam o desconhecido - onde quase sempre encontram bandidos que os exploram e escravizam - para chegarem à Europa. A Itália, em muitos casos, é um país de passagem; Lampedusa, o primeiro ancoradouro para chegar ao nosso Continente.

Quando se fala da Eritreia, descreve-se este país como uma das ditaduras mais ferozes da actualidade. “Serviço militar obrigatório e entendido a tempo indeterminado; os recrutas têm sido empregados em trabalhos forçados; o uso da tortura e outros maus-tratos é um fenómeno difuso”.
A maior parte das vítimas de Lampedusa provinha da Eritreia. Mas a Somália, com a sua infindável anarquia e o predomínio dos terroristas de al-Shabad, não lhe fica atrás.

O semanário italiano “L’Espresso” (espresso.repubblica.it) lançou um apelo - em versão italiana, espanhola, francesa e inglesa - a fim de propor Lampedusa como Prémio Nobel da Paz - “Candidatemos Lampedusa ao Nobel para a Paz” - e por cinco justas e excelentes razões.
Haverá tempo até Fevereiro de 2014 e entendem recolher o maior número possível de assinaturas que conduzam a um bom resultado.

Transcrevo essas incontestáveis razões:

1 - Lampedusa é hoje a porta mais importante do ingresso na Europa. Da outra margem do Mediterrâneo, empurrados pela fome, pela dor, perseguições raciais tribais ou religiosas, partem centenas de homens, mulheres e crianças que, para tentarem conquistar o direito à vida, metem em conta até mesmo a possibilidade de morrer. Ali, naquela ilha, desenvolve-se cada dia uma nobilíssima batalha em nome e por conta do mundo inteiro.

2 – A combatê-la é uma pequena comunidade – 6300 habitantes – que põe de lado a sua vida privada, esquecendo os seus interesses ligados a uma estação turística que dura poucas semanas por ano, para empenhar-se numa extraordinária competição de solidariedade. Homens, mulheres e crianças que interrompem o decorrer da sua vida normal para ajudar e hospedar os sobreviventes de dramáticas viagens da esperança. Um povo que nunca deixou de ser humano.

3 – Premiar uma ilha e os seus habitantes com um reconhecimento internacional altamente significativo serviria também para despertar a Europa do seu torpor, de um silêncio por vezes feito de egoísmo e indiferença e levá-la a ocupar-se do drama de populações inteiras de migrantes que não pode ser entregue à generosidade e altruísmo de um único país ou, na verdade, a um pequeno escolho no meio do mar.

4 – Premiar Lampedusa seria como gritar “alt” ao escandaloso tráfico de carne humana sobre o qual lucram, na origem, intermediários, transportadores marítimos e até mesmo pequenos rás locais, o que constitui, para muitos governos do Mediterrâneo, o sistema mais simples para fingir de resolver, ou pelo menos alentar e adiar no tempo, dramáticos problemas de fome e miséria.

5 – Premiar Lampedusa, enfim, significaria oferecer uma pequena mas intensa luz de esperança a quem é constrangido a abandonar a sua terra e a procurar na casa de outros o que nunca terá na própria casa. Quereria dizer que alguém, no mundo, está a pensar neles, nos danados da terra, nos mortos no mar.

Por estas razões, pedimos a todos para combater connosco uma batalha de civilização. Pelo menos será um sincero testemunho de proximidade e solidariedade.
O director
 Bruno Manfellotto