A HECATOMBE DE LAMPEDUSA
LAMPEDUSA CANDIDATA
A NOBEL DA PAZ
Segundo o testemunho de alguns sobreviventes, as
pessoas a bordo do trágico navio que se incendiou e naufragou a poucos metros
da ilha de Lampedusa seriam cerca de 518: podemos bem avaliar as péssimas
condições de alojamento desta pobre gente em embarcações com péssima segurança.
Sobreviveram 155, entre as quais 45 crianças; as
vítimas recuperadas até hoje são 213.
Simone D’Ippolito, um dos primeiros socorristas que
mergulhou, a fim de ainda poder salvar alguém, com a voz embargada pela comoção
descreve todos os esforços de tantos voluntários como ele e aquilo que viu,
sobretudo a 50 metros de profundidade:
“Havia corpos por
todo o lado: entalados dentro do navio, mas também por cima e à volta. Vi pelo
menos cem corpos, mas o que mais me atingiu foram aqueles corpos abraçados,
antes de exalar o último suspiro. Talvez porque nenhum de nós quer morrer
sozinho. Ainda tenho esta cena diante dos olhos e não consigo pensar noutra
coisa”.
A generalidade destas vítimas não tem nome. Fotografaram-se
os corpos, verificou-se o ADN. Com estes dados e a descrição da pessoa,
atribui-se um número a cada féretro. Eis um exemplo: “morto n.º 14, negro, presumivelmente 18 anos”.
E assim serão sepultados se, entretanto, não houver
familiares ou conhecidos que lhes dêem uma identidade.
Todas as circunstâncias e pormenores inerentes a esta
última tragédia no Mediterrâneo, talvez porque se lhes deu todo o relevo que
merecem, arrepiam e revoltam.
Quem segue com atenção estes fenómenos migratórios
intui facilmente que, sobretudo somalis, eritreus, sírios, afegãos, enfim,
cidadãos que fogem de guerras e de regimes ditatoriais cruéis e inimigos dos
direitos humanos, enfrentam o desconhecido - onde quase sempre encontram
bandidos que os exploram e escravizam - para chegarem à Europa. A Itália, em
muitos casos, é um país de passagem; Lampedusa, o primeiro ancoradouro para
chegar ao nosso Continente.
Quando se fala da Eritreia, descreve-se este país como uma
das ditaduras mais ferozes da actualidade. “Serviço militar obrigatório e
entendido a tempo indeterminado; os recrutas têm sido empregados em trabalhos
forçados; o uso da tortura e outros maus-tratos é um fenómeno difuso”.
A maior parte das vítimas de Lampedusa provinha da
Eritreia. Mas a Somália, com a sua infindável anarquia e o predomínio dos
terroristas de al-Shabad, não lhe fica atrás.
O semanário italiano “L’Espresso” (espresso.repubblica.it) lançou um apelo - em
versão italiana, espanhola, francesa e inglesa - a fim de propor Lampedusa como
Prémio Nobel da Paz - “Candidatemos
Lampedusa ao Nobel para a Paz” - e por cinco justas e excelentes razões.
Haverá tempo até Fevereiro de 2014 e entendem recolher
o maior número possível de assinaturas que conduzam a um bom resultado.
Transcrevo essas incontestáveis razões:
1 -
Lampedusa é hoje a porta mais importante
do ingresso na Europa. Da outra margem do Mediterrâneo, empurrados pela fome,
pela dor, perseguições raciais tribais ou religiosas, partem centenas de
homens, mulheres e crianças que, para tentarem conquistar o direito à vida,
metem em conta até mesmo a possibilidade de morrer. Ali, naquela ilha,
desenvolve-se cada dia uma nobilíssima batalha em nome e por conta do mundo
inteiro.
2 –
A combatê-la é uma pequena comunidade – 6300 habitantes – que põe de lado a sua
vida privada, esquecendo os seus interesses ligados a uma estação turística que
dura poucas semanas por ano, para empenhar-se numa extraordinária competição de
solidariedade. Homens, mulheres e crianças que interrompem o decorrer da sua
vida normal para ajudar e hospedar os sobreviventes de dramáticas viagens da
esperança. Um povo que nunca deixou de ser humano.
3 –
Premiar uma ilha e os seus habitantes com um reconhecimento internacional
altamente significativo serviria também para despertar a Europa do seu torpor,
de um silêncio por vezes feito de egoísmo e indiferença e levá-la a ocupar-se
do drama de populações inteiras de migrantes que não pode ser entregue à
generosidade e altruísmo de um único país ou, na verdade, a um pequeno escolho
no meio do mar.
4 –
Premiar Lampedusa seria como gritar “alt” ao escandaloso tráfico de carne
humana sobre o qual lucram, na origem, intermediários, transportadores marítimos
e até mesmo pequenos rás locais, o que constitui, para muitos governos do
Mediterrâneo, o sistema mais simples para fingir de resolver, ou pelo menos alentar
e adiar no tempo, dramáticos problemas de fome e miséria.
5 –
Premiar Lampedusa, enfim, significaria oferecer uma pequena mas intensa luz de
esperança a quem é constrangido a abandonar a sua terra e a procurar na casa de
outros o que nunca terá na própria casa. Quereria dizer que alguém, no mundo,
está a pensar neles, nos danados da terra, nos mortos no mar.
Por estas razões,
pedimos a todos para combater connosco uma batalha de civilização. Pelo menos
será um sincero testemunho de proximidade e solidariedade.
O director
Bruno
Manfellotto
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