segunda-feira, março 04, 2013

QUE DESILUSÃO!!

Não sei se em mim predomina a desilusão se a raiva perante os resultados das eleições italianas. E depois de ouvir e ler tantas interpretações, depois de analisar tanta verbosidade – quer vazia de conteúdo, quer apresentando argumentos equilibrados e justos – a desilusão e raiva mantêm-se.

Desilusão pela queda do “Partido Democrático” (centro-esquerda), dado como provável vencedor pelas múltiplas sondagens, e o medíocre resultado da lista de Mário Monti; raiva pela ressurreição do repulsivo Berlusconi cuja gangrena na política italiana eu julgava superada.

A este ponto, surge uma perplexidade: as sondagens são pertinentes durante a campanha eleitoral? Qual a utilidade? São fiéis e atentas a uma verdadeira tendência de voto ou servem outros fins, embora os aceitemos como lícitos?
Emitidas a jacto contínuo nas eleições italianas, serviram de cantos de sereia para o partido de Bersani (PD): uma excessiva confiança na vitória que deveria ser mais ponderada, pois as urnas não são alheias a estas surpresas. Não obstante, entendo que deveria haver regras que estabelecessem um uso mais comedido e correcto das ditas sondagens.

Todos nos perguntamos por que se continua a votar o desacreditadíssimo Berlusconi, isto é, no “Povo da Liberdade”, partido de cortesãos, os quais, sem o patrão com os seus milhões, dispersar-se-iam ou regressariam a casa.

A resposta, em grande medida, encontra-se no monstruoso conflito de interesses que nunca foi resolvido. Cabe aos governos da oposição uma falta imperdoável e injustificável, precisamente por nunca terem legislado sobre esta gravíssima anomalia.
Há na Constituição o artigo 361 de 1957 que a poderia resolver, mas foi sempre ignorado por quem de direito. Referindo-se ao recurso a esse mesmo artigo, a revista MicroMega lançou um apelo contra a elegibilidade de Berlusconi. Em apenas dois dias já recolheu 70 mil adesões, salientando-se muitos nomes do mundo intelectual italiano. Oxalá atinjam o fim a que se propõem.

Em nenhum país do mundo é admissível a eleição de um primeiro-ministro que é proprietário de três canais televisivos generalistas, de jornais e outros meios de informação que são usados para validar e enaltecer o comportamento amoral, a autoglorificação e o arrogante atropelo da lei desse político fora de todas as regras de uma sã democracia. Aberrante!

A nível internacional, por vezes deselegantemente, tem predominado o slogan: “foram eleitos dois palhaços” - Beppe Grillo e Berlusconi.
Cito o que escreveu, a este propósito, Eugénio Scalfari – fundador do jornal La Repubblica - no seu editorial de ontem.
[…] São dois cómicos bastante diferentes um do outro: um deles mistura a bufonaria com o desprezo pela ética pública e, frequentemente, descamba para a criminalidade; o outro tem na mente a palingénese, isto é, uma mutação total das estruturas institucionais do nosso País e faz da ética pública a alavanca para chegar ao seu objectivo; porém, para recrutar o consenso necessário, usa a arte da bufonaria. (o sublinhado é meu)

Não é difícil adivinhar quem é que descamba para a criminalidade. Nestes últimos dias, finalmente, a magistratura apresentou as provas que põe Berlusconi a dever defender-se de sabotagem ao governo Prodi de 2006 a 2008, comprando parlamentares da coligação governativa para esse efeito.

Que na política haja vira-casacas que se deixam convencer pelas ideias ou argumentos de outrem, é fenómeno não invulgar. O que sucedeu com Berlusconi e a sua “Operação Liberdade” – assim a apelidou – a fim de derrubar o governo adversário a som de milhões de euros, é de tal modo repugnante, cívica e moralmente, que se dispensam outras considerações.

Berlusconi anuncia uma manifestação contra a magistratura no próximo dia 23. É admissível tal iniciativa num Estado de direito?! Espero que se verifiquem reacções adequadas à indecência de um acto deste género.

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Compreendo os eleitores do “Movimento 5 Stelle” (M5S). A “casta” da democracia representativa (os partidos), com todos os seus enormes e obscenos privilégios, inegável e consuetudinariamente lentos e míopes para absorver os anseios dos cidadãos, necessitava de um fortíssimo choque. Deu-lho estas eleições, isto é, a grande percentagem da “democracia participativa” de Grillo. Mas será mesmo participativa ou apenas cultiva a parálise governativa, alicerçando-se na intransigência, logo, sem propostas justas, equilibradamente democráticas e adequadas à realidade do país? Entraram no Parlamento: aguardemos.

Beppe Grillo é o homem das parangonas jornalísticas. Convém recordar, todavia, que atrás dele há uma eminência parda e que é co-fundador do Movimento. Chama-se Gianroberto Casaleggio.

Não gosto da linguagem nem das ideias arrasadores de Grillo: uso ilimitado do palavrão como ênfase oratória; intransigente; um pouco ditatorial no modo como pretende conduzir os seus eleitos e seguidores. Mas não sei se, no que concerne intransigência e decisões autoritárias,  é o guru Casaleggio que o aconselha nesse sentido. Descrevem-no como autoritário e vingativo.

Por último, 20% dos jovens que votaram pela primeira vez escolheram o “Movimento 5 Estrelas”.  Mais um sinal para ser meditado pela “casta”.