segunda-feira, março 11, 2013

DEPOIS DA GRÉCIA, QUEM?

Depois da Grécia a Itália. Quem virá depois?”: este é o título do artigo, no jornal Pública de 4/03/2013, de João Carlos Espada (Professor universitário, IEP-UCP e Colégio da Europa, Varsóvia).

A análise do Professor Espada tem como ponto fulcral a forma dogmática como é tratada a política da moeda única e a gravidade das medidas de austeridade daí resultantes. Todavia, divaga sobre argumentos que, francamente, demonstram uma superficialidade inesperada num catedrático com a espessura académica de João Carlos Espada. Refiro-me ao que escreve sobre a Itália, obviamente.

Partindo do “tsunami eleitoral” italiano e comparando-o a resultados idênticos na Grécia, escreve: “Ambos remetem para o fracasso de governos suprapartidários, alegadamente nomeados a partir de Bruxelas”. Ambos revelam uma profunda revolta dos eleitorados contra políticas de austeridade apresentadas como inevitáveis”.
[…] No caso da Itália, como antes no da Grécia, uma mesma primeira mensagem parece incontornável: a recusa pelos eleitorados de governos que não tinham sido eleitos”.

No que concerne o chamado “governo técnico” italiano – o tal governo que não foi eleito - o professor Espada deveria ter-se informado melhor ou ter ponderado com mais acuidade e objectividade a decisão responsável e institucional do presidente da República italiana, Giorgio Napolitano. Não, certamente, para obedecer a Bruxelas, mas, acima de qualquer outra consideração, para evitar a catástrofe iminente da política económica do governo Berlusconi e o desprestígio em que este precipitara à Itália.

Não omita o grande mérito de Napolitano, quando nomeou o governo de Mário Monti, evitando eleições inoportunas naquele momento e mantendo democraticamente operante um Parlamento que controlaria a acção do “governo técnico”; tanto assim que a claque de Berlusconi retirou-lhe a confiança, quando isso convinha ao chefe.
Acrescentemos ainda que nenhum político aceitou fazer parte desse governo, embora convidados. Onde é que a democracia foi ofendida e os direitos do eleitorado atropelados?

O professor Espada explica que as eleições italianas, à semelhança do que sucedeu na Grécia, são portadoras de duas mensagens incontornáveis: “a recusa pelos eleitorados de governos que não tinham sido eleitos”; “a súbita erupção de novos grupos anti-sistema”.
Nem uma coisa nem outra, ilustre Professor.

O governo de Mário Monti, nos primeiros meses de mandato, voou alto nas sondagens e Monti era visto com respeito e apreço. Teve de impor medidas drásticas para tentar reparar os desastres do governo precedente; não soube explicar aos cidadãos a necessidade dessas medidas impopulares. Cometeu erros e esmoreceu perante iniciativas que poderiam ter sido uma forte expressão de mudança em confronto com o sólito tacticismo infrutífero dos partidos que se tinham demitido do contacto directo e atento com o eleitorado.

Os 10% que a “Escolha Cívica de Monti” obteve nas eleições eram quase previsíveis, e melhor fora se não tivesse entrado na campanha eleitoral. Uma posição neutra, à distância, teria sido bem mais sensata e oportuna.

 No caso da Grécia e da Itália, a resposta é evidente. Porque os governos que lá estavam não eram fundados num partido e, por isso, não podiam ter outro partido como oposição. Como alertei aqui na altura, isto criava o enorme risco de gerar uma oposição extraparlamentar. Foi o que aconteceu com Beppe Grillo, (Berlusconi percebeu isso mesmo quando, de súbito, retirou o apoio ao Governo de Monti).
Confesso a minha dificuldade em interpretar este parágrafo do artigo do Professor Espada, pelas contradições e inexactidões nele expressas.

A última asserção sobre a “sagacidade” de Berlusconi em ter compreendido o fenómeno Grillo e, daí, retirar o apoio ao Governo Monti, francamente, vai muito além do que é aceitável. Em que mundo vive o Professor Espada?

Em primeiro lugar, é de há vários anos que existem o blogue “beppegrillo” (um dos mais populares no mundo) e as pregações de Grillo contra tudo e contra todos. Irónica ou sarcasticamente, chamavam-lhe o movimento vaffa… - acrónimo, em italiano e com f reforçado, correspondente ao vernáculo português “vai levar no .. “. Uma espécie de refrão que Grillo endereçava à classe política e muito aplaudido na praça pública. Ora, tudo isto já sucedia muito antes do Governo de Mário Monti.

Em segundo lugar, os fins por que Berlusconi retirou o apoio a Monti são bem identificáveis e frequentemente comentados; alheios, em absoluto, ao fenómeno Grillo ou quejandos.
Desconcertante justificar Berlusconi, usando tais argumentos! Não lhe atribua finezas políticas que não se coadunam com o personagem.

A vitória do “Movimento Cinco Estrelas” nas últimas eleições – “o voto da Itália insatisfeita” - deriva de razões que só agora as vemos como óbvias: acima de tudo, o falhanço absoluto do modelo político de uma partidocracia míope e inoperante; em seguida, e bem mais importante, as consequências desastrosas das políticas de austeridade.
A propósito: dou mais um voto ao Governo Monti: tudo fez para não permitir a entrada da troika na Itália, declarando-o sem eufemismos.