domingo, março 04, 2012

INVESTIR NA CULTURA COMPENSA

Nos últimos meses do governo Berlusconi, o seu ministro de Economia e Finanças, Giulio Tremonti, num Conselho de ministros, vendo-se assediado pelos colegas de Governo, a fim de conceder mais financiamentos à justiça, escola, ambiente e cultura, respondeu com uma frase que ecoou em todo o país: “A gente não come cultura”.
Os jornais apresentaram-na em várias versões: “a cultura não dá de comer; a cultura não se come; com a cultura não se come” - Tremonti negou tê-la proferido, mas não passou de um frouxo desmentido que não convenceu ninguém.

Seja qual for a versão literal, todas exprimem o mesmo conceito, isto é, não percamos tempo com financiamentos a bens culturais e apoios ao desenvolvimento da cultura, em todas as suas formas, pois é uma espécie de luxo que não concorre para o desenvolvimento económico e financeiro do país; são “despesas improdutivas”.
Seriamente?!

Por certo que esse conceito verifica-se com frequência, mas apenas naquele grande grupo de ignorantes que um malfadado destino encaminha para a administração da coisa pública e que existem em todas as latitudes.

Corta aqui, corta ali; espreme aqui, espreme acolá; aumenta-se os impostos a quem sempre pagou - do combate, sério e persistente, a quem os evade, ninguém ouve falar. Estas e similares são as normas sem imaginação de quem é forçado a equilibrar as contas públicas. Pensemos no nosso país.

Bem sabemos que algumas destas medidas são inevitáveis, pois a crise que estrangula o presente impõe-nas. Todavia, parece que os cérebros de quem as deve aplicar ficam bloqueados, seguem apenas o caminho mais fácil, demonstrando incapacidade para alargar, criar e contemplar iniciativas ou ideias que também abarquem o futuro. E esta tacanhez leva-os a cortes em instituições que deveriam merecer grande atenção, isto é, a cultura e todo o seu mundo de largos horizontes.

Ninguém deve ignorar, tal a evidência, que o futuro e prosperidade de um país dependem da educação e cultura dos seus habitantes.
E também nunca é de mais acentuar que o período fundamental, a fim de que essa instrução ganhe bases sólidas, situa-se nos primeiros anos do ensino básico.
É isso o que acontece em Portugal? Esforçamo-nos atentamente para que o ensino elementar seja ministrado com rigor, eficácia e competência? Tenho muitas dúvidas, salvo as devidas excepções.

Pelo que pude avaliar no ensino de português, conheci e conheço alunos que já frequentam o ensino secundário e que não sabem distinguir uma oração coordenada de uma subordinada; que não têm a mínima noção do que é uma conjunção e a sua função na frase, etc., etc., etc.
O ensino da gramática, nas suas bases imprescindíveis, parece que se tornou obsoleto. Sendo assim, a pergunta torna-se obrigatória: como se pode pretender que o aluno escreva correctamente e saiba interpretar o que lê?

Bem, mas em compensação, esses mesmos alunos dissertam sobre os "actos da fala ou linguístico" O que é, por exemplo, um acto ilocutório assertivo, directivo, compromissivo, expressivo, declarativo.
Sabem o que é a holonímia e meronímia, hiperónimos e hipónimos… e por aí adiante.

Conhecimentos justos que não se põem em discussão. Porém, ao conjugar um verbo de tema a, no presente do conjuntivo / 2.ª pessoa plural, corre-se o risco de ouvirmos: “espero que vocês comeis”. Ah! É bom relembrar que o pronome pessoal vós é proibido – e cai-se na dupla asneira!
Não se usa em Lisboa e estes provincianos do resto de Portugal devem adaptar-se. A colonização linguística está em marcha… para quem se deixa colonizar, obviamente.
E assim acontece no ensino e na prática da nossa língua, o nosso português de Portugal, a matriz das outras variedades da língua portuguesa!

Mas continuemos no tema do qual me afastei. Ao contrário do que afirmou o Dr. Tremonti, a cultura dá de comer. A cultura proporciona postos de trabalho. É através da cultura científica, humanística e artística que se inova, se explora, se progride e se cria um mundo altamente civilizado.

Para finalizar, recordo um serviço jornalístico (de Federico Rampini) sobre a Coreia do Sul. Quanto invejei aquele país! A superfície do seu território é quase igual à nossa; número de habitantes é quatro vezes superior. Rendimento per capite, 31.700 dólares; taxa de desemprego, 3,4%.

Os colossos industriais sul-coreanos – aliás, bem conhecidos - distinguem-se pelo financiamento incondicionado às inovações.
Um dirigente da Samsung declarou que “o mercado enfrenta-se, apostando nos talentos; salva-se quem sabe inovar e temos isso no ADN”.

Não é só no campo industrial que a Coreia do Sul faz maravilhas, mas também na ciência médica e nas tecnologias biogenéticas.
Soube ultrapassar duas crises: a do sudoeste asiático de 1997 e a que proveio da América, em 2008.

Indicam-na como um exemplo que a Europa deveria seguir: mais despesa pública; mais investimento; mais consumos privados; favorecer as start-up (as novas pequenas empresas); uma dívida pública baixa; desvalorização até 30%.
A este ponto, Ângela Merkel desmaiaria com os berros da Bundesbank!

O que me impressiona, todavia, é a causa que explica todo este sucesso tecnológico e científico: o investimento na instrução.
Tem raízes antigas. Numa pequena cidade a 160 km de Seul, existem onze institutos de estudos confucianos que “transmitem os valores fundamentais de Confúcio: a instrução; a harmonia das comunidades (o sentido cívico); o respeito pelos anciãos; a lealdade para com o Estado”.