segunda-feira, janeiro 23, 2012

A DEMOCRACIA EM PORTUGAL

A propósito dos tempos difíceis que atravessamos, teme-se pela solidez das democracias na Europa. Aventam que são os momentos de crise que mais facilmente criam um clima favorável à mutilação das garantias democráticas.

Não creio que esta tese se possa aplicar a países onde a democracia tem profundas raízes e o sentimento democrático faz parte de uma convicta e ampla educação cívica, incluindo uma consciência política informada. Porém, há sempre nacionalismos à espreita, e o modo desastroso como esta crise europeia tem sido conduzida proporciona-lhes terrenos férteis.

No que concerne Portugal, é interessante e útil ler “O primeiro grande estudo sobre a percepção democrática em Portugal”, publicado pelo jornal Público, na quinta-feira passada, dia 19.

Apenas 56% dos portugueses considera a democracia o melhor sistema político. È maioria, mas uma mísera maioria!

Considerando os restantes 44% e exprimindo-me com total franqueza, só me inspiram piedade de mistura com um certo enfado, precisamente pela pobreza de cidadania que revelam: 16% não sabem responder; 10% ficam “indiferentes a qualquer forma de governo”; 15% desejam um governo autoritário.
São estes 15 por cento que me merecem desprezo total. É bom recordar, todavia, que ainda há herdeiros e saudosistas dos longos anos de salazarismo, o que é triste!

Quanto aos demais, penso que a ignorância seja a pior culpada; ignorância que a nossa democracia representativa, consequentemente os nossos representantes, nunca se preocuparam em esclarecer, informar, formar. Também a escola, neste ponto, deveria ter um papel muito mais incisivo.

Raciocinando sobre a organização e função dos nossos partidos políticos, a que conclusões poderemos chegar?
Procuram representar, efectivamente, os eleitores com acções de esclarecimento sobre as próprias ideias e programas de boa governação ou não passam de máquinas eleitorais cujo único fim é ocupar as instituições?
Os últimos exemplos, que não passam de uma péssima tradição consolidada, estão a demonstrá-lo.

O artigo de Pacheco Pereira, de anteontem, no Público – “A construção da Máfia portuguesa (2)” – é assustador. Exagerado? Não. Apenas descreveu a realidade.

Ponderemos o sistema eleitoral português. É verdadeira e inteiramente democrático? Não é; nunca me cansarei de apontar esta falha.

Transcrevo excertos de dois textos italianos.
“Enquanto forem as secretarias dos partidos a escolher por nós aqueles que devemos mandar para o Parlamento, nunca teremos uma política de boa qualidade (…)” – desconheço a fonte.

(…) Será o eleitor a exprimir, com o próprio voto, quem deverá representá-lo no Parlamento. Não seremos constrangidos a suportar a «violência política», de devermos aceitar «tudo ou nada», quando, no boletim de voto, pomos uma cruz numa lista de candidatos integralmente escolhidos por outrem: candidatos frequentemente desconhecidos, frequentemente sem experiência política, sem nenhuma ligação com o território que representam e por méritos muito discutíveis (…) – Andrea Morrone, catedrático na Universidade de Bolonha, professor de Direito Constitucional.

Assim se exprime, na Itália, quem luta - e são intelectuais, políticos eminentes e os partidos sérios - pela mudança da presente lei eleitoral que é um desastre - obra de Berlusconi. Nesta parte (a escolha dos que devem ser eleitos) é igual à nossa.

O que acima transcrevi aplico-o ao meu acto de eleitora portuguesa, pois é do nosso país que quero falar.
Seleccionados pelos partidos e, insisto, as competências não gozam de preferência nessa selecção, concluo: eu, eleitora, não posso indicar o ou os representantes cujas capacidades políticas e currículos académicos me poderiam convencer a dar-lhes o meu voto com satisfação e em plena consciência.
Apenas me é concedido votar um partido, logo, as suas conveniências partidárias; não, certamente, as conveniências gerais dos cidadãos. È Isto aceitável numa autêntica democracia?

Por que razão não vejo artigos de opinião sobre este assunto? Por que estão todos tão calados e não dão relevância a uma questão tão importante como esta? Também isto não fará parte da educação cívica do povo português e dos seus direitos?