domingo, junho 06, 2010

QUO VADIS, ISRAEL?

Cego por uma convicção de invencibilidade e dominado pela obsessão da segurança, Israel tudo alicerça sobre estes dois factores e perdeu o sentido de orientação entre o que é justo e o que se torna inadmissível.

Deixo a palavra a David Grossman, num artigo publicado no jornal La Repubblica de 01 de Junho: “A Condenação das Marionetas” - uma análise objectiva e desapiedada. É leitura que recomendo.

Nenhuma explicação pode justificar ou mascarar o crime cometido por Israel e nenhum pretexto pode motivar a idiotice do seu governo e do seu exército.
Israel não enviou os seus soldados para matar civis a sangue frio. Praticamente, era a última coisa que desejaria tivesse acontecido.
Todavia, uma pequena organização turca, com uma ideologia fanática e religiosa, hostil a Israel, recrutou algumas centenas de pacifistas e conseguiu fazer cair o Estado hebraico numa ratoeira, precisamente porque sabia como teria reagido e até que ponto era condenado, como uma marioneta, a fazer o que fez.

Quanto deve sentir-se insegura, confusa, assustada uma nação para comportar-se como fez Israel!
Recorrendo a um uso exagerado da força, embora aspirasse a conter os limites da reacção dos presentes no navio, matou e feriu civis fora das próprias águas territoriais, comportando-se como um bando de piratas.

É claro que estas minhas palavras não exprimem, absolutamente, aquiescência às motivações, escondidas ou evidentes – por vezes malvadas – de alguns dos participantes dos barcos directos a Gaza.
Nem todos são pacifistas, animados de intenções humanitárias e certas declarações de alguns deles, relativamente à destruição do Estado de Israel, são infames. Porém, tudo isto, agora, é irrelevante: estas opiniões não prevêem, por aquilo que sabemos, a pena de morte.

A acção de ontem, levada a cabo por Israel, nada mais é que a continuação do prolongado e ignóbil bloqueio da Faixa de Gaza o qual, por sua vez, não passa de uma consecução natural da óptica agressiva e arrogante do governo israeliano, pronto a tornar impossível a vida de um milhão e meio de inocentes de Gaza, a fim de obter a libertação de um único soldado, por quanto querido e amado.

O bloqueio é também a continuação natural de uma linha política fossilizada e desajeitada que em cada encruzilhada decisional e sempre que sejam indispensáveis o cérebro, sensibilidade e criatividade, recorre a uma força enorme, exagerada, como se esta fosse a única escolha possível.

De qualquer maneira, todas estas estultices – incluída a operação absurda e letal de ontem à noite – parecem fazer parte de um processo de corrupção que se torna cada vez mais difuso em Israel.
Experimenta-se a sensação que as estruturas governativas estejam besuntadas, avariadas.
Talvez fruto da ânsia provocada pelas próprias acções, pelos próprios erros nos últimos decénios, pelo desespero de desfazer um nó cada vez mais intrincado, estas estruturas se tornem sempre mais fossilizadas, sempre mais refractárias aos desafios de uma realidade complexa, delicada, e que percam a frescura, a originalidade e a criatividade que, em tempos, as caracterizavam e caracterizavam todo o Israel.

O bloqueio da Faixa de Gaza faliu. É já um falimento de há quatro anos.
Não somente tal bloqueio é imoral como nem sequer é eficaz. Não faz que piorar a situação, como verificámos nestas horas, além de também prejudicar gravemente Israel.

Os crimes dos líderes do Hamas que mantêm como refém Gilad Shalit de há quatro anos a esta parte sem que lhe seja permitido, pelo menos, uma visita dos representantes da Cruz Vermelha, que lançaram milhares de
rokets contra centros habitados israelianos, devem ser enfrentados, usando vias legais com todos os meios jurídicos á disposição de um Estado.
O prolongado isolamento de uma população civil não é um destes meios.

Desejaria poder acreditar que o trauma pela acção irresponsável de ontem nos leve a reexaminar toda esta ideia do bloqueio e a libertar, finalmente, os palestinianos do seu sofrimento e Israel desta mancha.
Mas a nossa experiência, nesta região desgraçada, ensina-nos que sucederá o contrário: que os mecanismos da violência, da represália e o ciclo da vingança e do ódio ontem começaram a girar e ainda não podemos imaginar com qual força.

Acima de qualquer outra consideração, esta operação louca revela até que ponto chegou Israel!
Não vale a pena desperdiçar palavras. Quem tem olhos para ver compreende.
Não restam dúvidas que, dentro de poucas horas, haverá quem se apressará a transformar o sentimento de culpa (natural e justificado) de muitos israelianos, em tonitruantes acusações a todo o mundo.

Com a vergonha, todavia, já teremos mais dificuldade para chegar a um acordo
.
David Grossman; La Repubblica de 01 Junho 2010

****

Não menos interessante o que escreveu um outro famoso escritor israeliano, Amos Oz, sempre no jorna La Repubblica, em 3 de Junho.

(…) Mas o Hamas não é somente uma organização terrorista. Hamas é uma ideia. Uma ideia desesperada e fanática, provinda da desolação e frustração de muitos palestinianos.
Nunca nenhuma ideia foi derrotada com a força: nem com o assédio, os bombardeamentos, os comandos da Marinha. Nenhuma ideia se arrasa com os carros armados.
Para derrotar uma ideia é necessário propor uma ideia melhor, mais cativante, mais aceitável
” (…)

(…) Qualquer iniciativa que preveja um uso da força, não como meio de prevenção, de autodefesa, mas para truncar os problemas e sufocar as ideias, conduzirá a novos desastres como o que fomos procurar em águas internacionais, no alto mar, defronte à beira-mar de Gaza.

*****

Que mais se poderia escrever senão compartilhar estas opiniões, tanto mais que provêm de quem se encontra imerso em todos estes problemas?
Alda M. Maia

4 Comments:

At 7:13 da tarde, Blogger a d´almeida nunes said...

Uma autêntica armadilha mortal.

E é como bem diz o articulista: nenhuma ideia se derrota pela força.

Mas os Israelitas estão descomandados? É que, de facto, parece impossível como é que se deixaram cair neste logro e reagiram da forma brutal como a informação nos tem chegado?

Sou desde sempre um defensor do direito dos Judeus a uma Pátria. Mas a questão dos limites territoriais dessa pátria e do direito à legítima defesa começam a ser postos em causa com demasiada frequência e intolerância.

Como a História do Homem nos confunde tendo em conta os efeitos do Tempo!...

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No próximo fim-de-semana, os radioamadores de Leiria vão estar no ar em contest para participar nas comemorações do dia da Freguesia de Leiria.
Estaremos no Castelo de Leiria de Sexta para Sábado, toda a noite. Parece que nos vão entregar as chaves do Castelo e tudo!...
Não quererá particpar, Alda?

Um abraço
António

 
At 5:27 da tarde, Blogger Alda M. Maia said...

Como está, António?

A culpa nunca está só numa parte, mas a este ponto, todas as complicações que se verificam são produzidas por os extremismos que não se convencem que dois Estados podem conviver sem que um deles tenha mais direitos que o outro.

Quando será que palestinianos e israelitas começam a ganhar juízo, se entendem e mandam para o diabo as nações que atiçam a fogueira.

Contest de Leiria. Gostaria, sim, senhor, mas a minha estação rádio não está montada.
E se, entretanto, arranjar uma boleia? Nunca se sabe!
Um grande abraço
Alda

 
At 12:07 da manhã, Blogger Manuela Araújo said...

Querida D. Alda

Gostei muito de ler esses textos esclarecedores que aqui partilhou.

Gostaria muito de ver em breve o fim do bloqueio a Gaza, mas como foi dito no primeiro texto, as desculpas esfarrapadas lá apareceram.

É uma situação insustentável e degradante, não só para as vítimas que estão sujeitas ao bloqueio, como para Israel e também para a comunidade internacional que não consegue pôr cobro a esta demonstração estúpida de força.

Um grande beijinho

 
At 6:39 da tarde, Blogger Alda M. Maia said...

Muito bem-vinda a estas paragens, linda Senhora

Sabe o que penso de tudo isto, assim como tanta outra gente? Que Israel resolveu ser o pior inimigo de si mesmo e que desbaratou um grande capital de simpatia.
Em fim de contas, demonstra aspectos tão fundamentalistas como os inimigos que desejam a sua destruição.

O cerco de Gaza é simplesmente odioso e não conduz a nada, excepto um grande sofrimento daquela população. Oxalá que comecem a pôr um pouco de ordem nas ideias atabalhoadas com que se movem.

Um beijinho
Alda

 

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