OMERTÁ MAFIOSA;
OMERTÁ NAS FAMÍLIAS
Creio que a palavra omertá já iniciou os primeiros passos para a sua adopção no vocabulário da língua portuguesa. Dado o significado e a larga extensão que pode abranger, enriquecê-lo-á.
È um termo de origem dialectal napolitana. Os dicionários definem-no como: Forma napolitana de umiltà (humildade) para a cega submissão às regras da «honrada» sociedade da Camorra.
Posto em prática, é uma regra férrea e facilmente traduzível: nada vi, nada ouvi, nada sei, não digo nada.
Acenando a Camorra, obviamente incluímos Máfia siciliana, a Ndrangheta na Calábria, Sacra Corona Unita na Apúlia.
A omertá é de rigor em todas estas organizações criminosas.
Infelizmente, é também de rigor sobre certas podridões, dentro das famílias normais.
****
A notícia chegou a Portugal. É uma nova versão do horror da cidade austríaca de Amstetten. Agora, é a cidade de Turim o palco das taras sexuais dentro das famílias, das torturas que ninguém vê, dos abusos incestuosos que ninguém denuncia: a omertá no seu pleno significado!
Quando lia e ouvia o que noticiavam sobre o tremendo caso Fritzl, paralelamente ao asco cresciam as perplexidades: como foi possível que, em 24 anos, ninguém se apercebesse de uma qualquer anormalidade em relação ao que se passava no subterrâneo daquela maldita casa?
Não creio na inocência das pessoas mais próximas. A indiferença, pelo menos, foi rainha.
Numa zona periférica de Turim sucedeu outro horror não menos asqueroso.
OMERTÁ NAS FAMÍLIAS
Creio que a palavra omertá já iniciou os primeiros passos para a sua adopção no vocabulário da língua portuguesa. Dado o significado e a larga extensão que pode abranger, enriquecê-lo-á.
È um termo de origem dialectal napolitana. Os dicionários definem-no como: Forma napolitana de umiltà (humildade) para a cega submissão às regras da «honrada» sociedade da Camorra.
Posto em prática, é uma regra férrea e facilmente traduzível: nada vi, nada ouvi, nada sei, não digo nada.
Acenando a Camorra, obviamente incluímos Máfia siciliana, a Ndrangheta na Calábria, Sacra Corona Unita na Apúlia.
A omertá é de rigor em todas estas organizações criminosas.
Infelizmente, é também de rigor sobre certas podridões, dentro das famílias normais.
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A notícia chegou a Portugal. É uma nova versão do horror da cidade austríaca de Amstetten. Agora, é a cidade de Turim o palco das taras sexuais dentro das famílias, das torturas que ninguém vê, dos abusos incestuosos que ninguém denuncia: a omertá no seu pleno significado!
Quando lia e ouvia o que noticiavam sobre o tremendo caso Fritzl, paralelamente ao asco cresciam as perplexidades: como foi possível que, em 24 anos, ninguém se apercebesse de uma qualquer anormalidade em relação ao que se passava no subterrâneo daquela maldita casa?
Não creio na inocência das pessoas mais próximas. A indiferença, pelo menos, foi rainha.
Numa zona periférica de Turim sucedeu outro horror não menos asqueroso.
Dos nove aos trinta e quatro anos, uma filha teve de suportar as continuas violações do pai, um vendedor de ferro velho.
Forçada a abandonar a escola aos doze anos, vivia absolutamente subjugada pela brutalidade do ambiente familiar.
Em 1994, tentou refugiar-se na casa de um tio. O “pai patrão” foi buscá-la, conduziu-a à polícia, a fim de que a filha denunciasse o tio por abusos sexuais. O tio negou e declarou que os abusos eram cometidos pelo pai da sobrinha.
Arquivaram a denúncia, porque uma perícia psiquiátrica classificou inatendível o depoimento da infeliz rapariga: “perturbação de personalidade dependente”!...
E o calvário prosseguiu por mais quinze anos.
Fugiu uma segunda vez para a casa de um irmão mais velho, casado. Este, um degenerado semelhante ao pai, estupra a irmã: exactamente como já fizera – e continuava a fazer - às próprias filhas de seis, oito, doze e vinte anos (esta última fugiu de casa e vive por conta própria).
Reduzida a um farrapo e sem perfeita consciência do que lhe acontecia, queixou-se ao pai do procedimento do irmão.
Para desviar as atenções dos seus próprios crimes, obrigou a filha a denunciá-lo à polícia.
A este ponto, a polícia e delegado do Ministério Público começaram a actuar com maior eficácia, predispondo interceptações telefónicas, além de microespias nas casas destas famílias.
A investigação durou meses. A verdade, finalmente, mostrou-se na sua inteira crueza: pai e filho foram presos. As vítimas estão confiadas a comunidades de recuperação.
Segundo declararam as autoridades investigativas, naquela família, por tradição, estava em vigor uma espécie de "jus primae noctis" do pai sobre as filhas – a mais velha estava prometida ao pai. Torpeza sobre torpeza!
Sobre este assunto, transcrevo parte de um excelente artigo de Lúcia Annunziata, no jornal La Stampa, de 27/03/2009
****
Fritzl Vizinho de Casa
(…) O Tribunal austríaco, com alguma superficialidade, aliviou a consciência com um processo veloz. Na Itália, pelo contrário, nunca foi levado às barras do tribunal – se bem recordo – um pai que abusa das filhas.
A razão é clara: o primeiro responsável (não culpável, que é o que comete a violência) é o silêncio de todos aqueles que estão em condições de saber, mas que olham para o outro lado.
Penso no silêncio do resto das famílias, dos vizinhos, dos assistentes sociais, dos professores, mas, sobretudo, das outras mulheres destes homens violentos.
As mães, as tias, as primas que não podem não saber, aperceber-se ou reconhecer os sinais – nos lençóis, nos vómitos, nos alheamentos, nas depressões – desta imundície que se acumula em casa.
Porém, quando algum monstro chega aos tribunais, como no caso Fritzl, este outro universo feminino que viu e calou, nunca aparece. Ilibadas com um outro sociologismo de salão: «vítimas».
Estas mulheres - assim dizem - são vítimas, elas também, da mesma dependência dos monstros.
Pelo contrário, é este o ponto donde partir, a fim de que se desmantele a omertá que permite este crime: o silêncio das mulheres cúmplices.
É verdadeiramente vítima quem vê a violência e cala-se? É verdadeiramente vítima quem se presta a um dos mais odiosos crimes do mundo, a tortura?
Precisamente em nome da dignidade das mulheres, entendo que se deva, em casos como este, tirar-lhes qualquer justificação e levá-las a tribunal, exactamente como os monstros que pretendem encobrir.
Forçada a abandonar a escola aos doze anos, vivia absolutamente subjugada pela brutalidade do ambiente familiar.
Em 1994, tentou refugiar-se na casa de um tio. O “pai patrão” foi buscá-la, conduziu-a à polícia, a fim de que a filha denunciasse o tio por abusos sexuais. O tio negou e declarou que os abusos eram cometidos pelo pai da sobrinha.
Arquivaram a denúncia, porque uma perícia psiquiátrica classificou inatendível o depoimento da infeliz rapariga: “perturbação de personalidade dependente”!...
E o calvário prosseguiu por mais quinze anos.
Fugiu uma segunda vez para a casa de um irmão mais velho, casado. Este, um degenerado semelhante ao pai, estupra a irmã: exactamente como já fizera – e continuava a fazer - às próprias filhas de seis, oito, doze e vinte anos (esta última fugiu de casa e vive por conta própria).
Reduzida a um farrapo e sem perfeita consciência do que lhe acontecia, queixou-se ao pai do procedimento do irmão.
Para desviar as atenções dos seus próprios crimes, obrigou a filha a denunciá-lo à polícia.
A este ponto, a polícia e delegado do Ministério Público começaram a actuar com maior eficácia, predispondo interceptações telefónicas, além de microespias nas casas destas famílias.
A investigação durou meses. A verdade, finalmente, mostrou-se na sua inteira crueza: pai e filho foram presos. As vítimas estão confiadas a comunidades de recuperação.
Segundo declararam as autoridades investigativas, naquela família, por tradição, estava em vigor uma espécie de "jus primae noctis" do pai sobre as filhas – a mais velha estava prometida ao pai. Torpeza sobre torpeza!
Sobre este assunto, transcrevo parte de um excelente artigo de Lúcia Annunziata, no jornal La Stampa, de 27/03/2009
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Fritzl Vizinho de Casa
(…) O Tribunal austríaco, com alguma superficialidade, aliviou a consciência com um processo veloz. Na Itália, pelo contrário, nunca foi levado às barras do tribunal – se bem recordo – um pai que abusa das filhas.
A razão é clara: o primeiro responsável (não culpável, que é o que comete a violência) é o silêncio de todos aqueles que estão em condições de saber, mas que olham para o outro lado.
Penso no silêncio do resto das famílias, dos vizinhos, dos assistentes sociais, dos professores, mas, sobretudo, das outras mulheres destes homens violentos.
As mães, as tias, as primas que não podem não saber, aperceber-se ou reconhecer os sinais – nos lençóis, nos vómitos, nos alheamentos, nas depressões – desta imundície que se acumula em casa.
Porém, quando algum monstro chega aos tribunais, como no caso Fritzl, este outro universo feminino que viu e calou, nunca aparece. Ilibadas com um outro sociologismo de salão: «vítimas».
Estas mulheres - assim dizem - são vítimas, elas também, da mesma dependência dos monstros.
Pelo contrário, é este o ponto donde partir, a fim de que se desmantele a omertá que permite este crime: o silêncio das mulheres cúmplices.
É verdadeiramente vítima quem vê a violência e cala-se? É verdadeiramente vítima quem se presta a um dos mais odiosos crimes do mundo, a tortura?
Precisamente em nome da dignidade das mulheres, entendo que se deva, em casos como este, tirar-lhes qualquer justificação e levá-las a tribunal, exactamente como os monstros que pretendem encobrir.
Este envolvimento penal pode ser o momento de ruptura da cadeia. (…)
Não se pode dizer mais nem melhor.
Não se pode dizer mais nem melhor.
Alda M. Maia
1 Comments:
Ora aqui está, finalmente, algo que vem de encontro à minha incredulidade em todos estes casos. É, exactamente a "ingenuidade", a "ignorância" dessas esposas mas, sobretudo dessas mães que nada vêem, que nada sabem, de que nada desconfiam.
Pretendem elas enganar quem? A justiça, claramente, pois, na minha opinião não enganam mais ninguém. São cúmplices e tão responsáveis como o criminoso. Se por outra razão o não forem são-no pelo "comodismo" da omissão.
Não consigo acreditar que uma mãe não se aperceba que algo se passa com a sua filha ou filho, se conseguir admitir que não desconfie de nada em relação ao marido.
Que "famílias" são estas?
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