domingo, dezembro 14, 2008

MULTICULTURALIDADE

O termo globalização necessitou de um companheiro, o multiculturalismo, que com ele caminhasse de mãos dadas. Dir-se-iam gémeos: se não sob o ponto de vista semântico, pelo menos conotativo.
O mundo escancarou todas as portas, os mercados galoparam paralelamente a fortes correntes migratórias, as diversas culturas espalharam-se.

Há uma expressão de que muito se falou na semana passada, mas que se impõe a cada momento: "os direitos do homem", salvaguarda da sua dignidade.
Ora, é na pluralidade de culturas, dentro do mesmo país ou região, que vejo as maiores discrepâncias em relação a esses direitos.

As variadíssimas culturas são todas assimiláveis ou, melhor ainda, são todas aceitáveis? Por muito justas que sejam as versões que propõem uma total e harmoniosa interculturalidade, não creio seja assim tão fácil.

Não podemos negar que valores legais ou culturais de certos povos chocam com os valores, também fundamentais, da cultura do país que os acolhe, aqui na Europa, cultura esta que levou séculos a impor a dignidade e igualdade de todos os seres humanos
Quando em nome de uma convivência pacífica, tudo se legitima na cultura importada por estes novos cidadãos, há sempre uma parte que é sacrificada.

Concretizo a minha ideia. Sucedeu o episódio do casal francês muçulmano, de origem marroquina.
O marido recorreu ao tribunal, pedindo a anulação do casamento. Na noite de núpcias, descobriu que a mulher não era virgem, condição essencial, na lei islâmica, para a validade do casamento.
O tribunal de primeira instância, em Lille, deu-lhe razão e anulou-o.
Não aplicou a lei islâmica, a sharia, que não seria legítima. Foi buscar ao código civil uma norma: “um erro sobre as qualidades essenciais do cônjuge”, esquecendo que a virgindade, quer de um quer do outro, não é essencial nem conta absolutamente nada no código francês.

A este juiz pegar-lhe-ia por uma orelha e pô-lo-ia fora dos tribunais por imbecilidade e machismo primário.

O Tribunal da Relação de Douai repôs a dignidade da lei francesa: anulou a sentença e acentuou os valores de igualdade para todos os cidadãos.
Observemos que a sentença anulada quis interpretar o multiculturalismo à sua maneira, não reflectindo que oficializava a inferioridade da mulher.

Se um marido muçulmano quer repudiar a esposa, conforme os ditames do islamismo, o qual vê a mulher como ser inferior, que o faça privadamente, isto é, dentro dos regulamentos da própria religião.
O que me parece inadmissível é que pretenda reforçar essas normas, servindo-se do código civil de países europeus, não muçulmanos, que as não pode contemplar, pois todos os cidadãos são iguais perante a lei.
Mal de nós se o não fossem… quero dizer, supomos que a lei, na prática, é mesmo igual para todos!...

"O marido tem o direito ao repúdio (talak); a mulher não. Se esta deseja a dissolução do casamento, só o obterá com o consentimento do marido, o que normalmente não acontece. Tem uma alternativa, recorrendo a um tribunal islâmico oficial: este substitui-se ao marido, avalia as razões da mulher e pode consentir que se divorciem" - informações lidas no jornal La Repubblica
.
Não falemos da poligamia, muito presente nesta nossa Europa e que se finge não ver.

Conclusão: muitas mulheres muçulmanas tornaram-se cidadãs europeias e com plenos direitos, obviamente.
Se desejam emancipar-se e conduzir uma vida idêntica à das demais mulheres dos países onde vivem; se essa emancipação não lhes é consentida, porque fora dos cânones islâmicos e, portanto, há sempre um pai, um irmão, um marido que as controla, chegando a eliminá-las, quando estas mulheres “desonram” a família com as suas atitudes ocidentalizadas – muitos casos já se verificaram; se as leis do país que as deveria proteger vão atrás do respeito da cultura diversa (por amor de sossego!) e permitem que estas mulheres sejam humilhadas e os seus direitos espezinhados, em que palhaçada de democracia vivemos?

A palavra “desonra” – como consequência, o “delito de honra” com as suas atenuantes - aplicada às circunstâncias acima indicadas, recorda-me que não são muitas décadas que o “civilizado” mundo ocidental ultrapassou tais concepções, se é que em certas zonas foram mesmo ultrapassadas e não constituem ainda motivo para uma nova “Crónica de uma Morte Anunciada”!

Na Itália, só em 1981 foi ab-rogado o indecente art. 587 do código penal que consentia uma pena reduzida a três anos de prisão a “qualquer pessoa que provoca a morte do cônjuge, da filha ou da irmã, no acto em que descobre a ilegítima relação carnal e no estado de ira determinado pela ofensa à sua honra e da sua família”; a mesma pena, no caso de assassínio do protagonista da relação ilegítima.
Evidentemente que o "estado de ira" era pressuposto, não deveria ser demonstrado!...
Não podemos atirar pedras, portanto, às regras muçulmanas vigentes.

Francamente, eleger o órgão sexual das mulheres como relicário da honra de uma família é um modo bem picaresco de interpretar os altos valores que aquele termo envolve!

E para finalizar, em diversas etnias africanos e muçulmanos existe a prática da mutilação sexual das raparigas, ainda crianças.
Quanto sofrimento e quantas morreram pela brutalidade e falta de higiene de tal selvajaria!
Também esta é uma tradição, uma cultura. Devemos tolerá-la?
O que devemos, isso sim, é conduzir uma campanha, sem tréguas, para que seja taxativamente eliminada, cancelada nos países e nas mentes que concebem esta barbárie.
Alda M. Maia