domingo, outubro 07, 2007

O CONSELHO DA EUROPA E O CRIACIONISMO

Reatemos a conversa.
Novamente tenho tempo, ocasião, disposição e tantas ideias a atropelar-me o cérebro, isto é, os tais pensamentos vagabundos que giram à volta de vários assuntos sobre os quais me apetece divagar.
Quis escrever sobre tantos argumentos actuais, mas um artigo sobre uma decisão do Conselho da Europa impôs-se à minha atenção.

Já de há muito que a polémica criacionismo versus evolucionismo me interessava… e divertia. Escrevo: “divertia” (e diverte), pois que aquela quota de inteligência que me foi reservada recusa-se, muito simplesmente, a aceitar o criacionismo como um facto científico. Metaforicamente, pode ser considerado como acto de fé; cientificamente, não se pode aceitar.

Traduzo do jornal “L’Unità online” um artigo – 06/10/2007 - sobre a resolução, em sessão plenária, do Conselho da Europa. Vem ao encontro do que eu penso e diz tudo o que eu gostaria de escrever.

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Eis o artigo:

O CONSELHO DA EUROPA SOBRE O CRIACIONISMO: “NÃO O ENSINEM”

Os parlamentares dos 47 países do Conselho de Europa convidaram os próprios governos a “opor-se firmemente” ao ensino do “Criacionismo” (nega a evolução das espécies por meio da selecção natural) como disciplina científica, equivalente à teoria da evolução.

O Conselho de Europa, instituído em 5 de Maio de 1949, com o escopo de favorecer a criação de um espaço democrático e jurídico comum na Europa, tem, entre os seus fins institucionais, o de tutelar os direitos do homem e a democracia pluralista; o de garantir a supremacia do direito; o de estimular e encorajar a consciência da identidade cultural europeia e da sua diversidade.

Precisamente no respeito destes princípios, a Assembleia do Conselho da Europa declarou (resolução aprovada, na sessão plenária de quinta-feira, em Estrasburgo, com 48 votos a favor e 25 contrários): “Se não estamos atentos, o Criacionismo pode tornar-se numa ameaça para os direitos humanos”.

Ao apresentar o seu relatório, Anne Brasseur (Luxemburgo, ADLE), ex- ministro da Educação, declarou: “ Não se trata de opor a fé à ciência, mas evitar que a fé se oponha à ciência”.

Segundo os parlamentares, “o primeiro objectivo dos criacionistas hodiernos - a maior parte dos quais são, prevalentemente, cristãos e muçulmanos – é o ensino. Batem-se a fim de integrar as próprias teses nos programas científicos escolares. Todavia, o criacionismo não pode pretender ser admitido como disciplina científica”.

Os mesmos parlamentares afirmam que existe um “perigo real de uma grande confusão” entre convicção, fé e ciência, nas ideias das nossas crianças. “A teoria da evolução não tem nada que ver com a revelação divina, mas é fundada sobre os factos”

“O intelligent design, apresentado numa forma muito subtil, tenta acreditar a sua aproximação como científica. Ora, é precisamente nisto que está o perigo”.

Foi sublinhado que o criacionismo permaneceu, durante largo tempo, como um fenómeno exclusivamente americano. Hoje, as teses criacionistas dirigem-se para a Europa e a sua difusão interessa já um número, não negligenciável, de Estados membros do Conselho da Europa.
No relatório, há referências a exemplos na Bélgica, França, Alemanha, Grécia, Itália, Países Baixos, Polónia, Rússia, Sérvia, Espanha, Suécia, Suíça, Turquia e Reino Unido.

O ex-ministro da Instrução, Letizia Moratti, (Itália, governo Berlusconi) foi um dos mais estrénuos adversários do darwinismo. Com a circular n. 29 de 5/3/2004, nas “Indicações nacionais para os planos de estudo personalizados”, no segundo e terceiro ciclos (scuola secondaria di primo grado) fez desaparecer qualquer aceno à teoria da evolução de Darwin. Não foi um lapso ou esquecimento. No seu plano, Darwin deixaria, definitivamente, de ser estudado.
Além disso, baseando-se num acordo de 23/10/2003, entre o Ministro da Instrução e a Conferência Episcopal Italiana, procurou que fosse explicada a origem do homem, na aula de religião, onde os programas tresandam a criacionismo.
Felizmente, a mobilização de intelectuais e sindicatos conseguiu bloquear ambos os projectos.

O Criacionismo nasceu na América, nos primeiros anos do século XX, para contrastar a “desestabilizante” Teoria de Darwin. Mantém uma crença absoluta na interpretação literal da narração bíblica das origens: o mundo foi criado por Deus assim como é, em seis dias, cerca de seis mil anos; consequentemente, nega todos os modelos científicos da evoluçã, seja no que concerne o Universo, seja em relação aos seres vivos e ao homem.

www. unita.it - 06/10/2007
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Ainda bem que não vejo Portugal dentro da lista dos países contaminados pelo negativismo da teoria da evolução. Pelo menos, oficialmente!...

Recordo-me da grande polémica que a senhora ministra, Letizia Moratti – hoje Presidente da Câmara de Milão – desencadeou com a sua tentativa de eliminar Darwin dos programas de ensino. Aplaudi fortemente a reacção de intelectuais, cientistas e sindicatos dos professores. Mais aplaudi a batida em retirada da Sra. Moratti.
Mas quem te manda, a ti, sapateiro, tocar rabecão?!
Alda M. Maia