QUE DEUS TENHA PIEDADE
DOS VOLUNTÁRIOS DA IGNORÂNCIA
Antes de entrar no assunto, um
rápido comentário sobre o referendo italiano de ontem. Venceu o NÃO. Nada de
inesperado. Mas deixemos que a febre das conclusões se acalme e falemos de casos
nossos.
As crónicas do
Advogado Francisco Teixeira da Mota (Escrever Direito), publicadas todas as
sextas-feiras no jornal Público, nunca me passam inobservadas e leio-as sempre
com muita atenção; praticamente, considero-as informativas e, no que concerne
questões jurídicas, formativas.
“Título do que escreveu sexta-feira,
02 de Dezembro: “Viva a tacanhez! Viva a
carneirada!”
No primeiro
parágrafo, transcreve as palavras do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças,
pronunciadas na Assembleia da República, sobre o entediante caso da CGD.
O deputado do PSD, Leitão Amaro, sentiu-se
muito ofendido quando se viu alvo da seguinte expressão: … “Com a sua intervenção revela uma de duas
coisas: ou um profundo desconhecimento do funcionamento do Regime Geral das
Instituições de Crédito, ou uma
disfunção cognitiva temporária”.
Todos nós tivemos
conhecimento da revolta e tumulto dos deputados PSD contra o que imediatamente classificaram
como um grande insulto: “uma disfunção cognitiva temporária”.
Interpretei a
observação do Secretário de Estado como uma contestação ao presumível desconhecimento
do tema em causa ou um “lapso temporário de memória” sobre o mesmo assunto.
Ouvindo ou lendo as
notícias, com muita perplexidade, interrogava-me: Onde esta a gravidade da ofensa?
Embora os vocábulos “disfunção” e “cognitivo” sejam termos eruditos, não deixam
de ser normais num registo cuidado, o que, efectivamente, se deve esperar de um
deputado. Certamente que não é uma asserção lisonjeira, mas não justifica a
algazarra.
O autor da crónica ajuntou
pormenores que eu desconhecia, especificando-os. Baseia a sua repulsa, invocando,
e muito oportunamente, a liberdade de expressão; de seguida, dá lugar à
indignação perante uma iliteracia inaceitável.
Salientemos, então, a
atitude de uma deputada que, em modo “peixeiral”, gritava: “Abaixo a disfunção”; “Cognitivo és tu; “Não
aos temporários!
Isto tanto provoca
uma gargalhada, como um sentimento de pena e irritação. Vá ser ignorante lá
fora, isto é, fora da Assembleia da República!
Classificou estes e
outros actos como fruto da “tacanhez e
carneirada”. Indubitavelmente que não se afasta do ambiente que se respirou
no Parlamento. A “carneirada” inspira sempre desânimo; porém, e no mesmo grau
de intensidade, uma certa repulsa quando dizem respeito a deputados da Nação.
Notícia
de fim-de-semana.
Artur
Anselmo, presidente
da Academia das Ciências de Lisboa, “decidiu
apresentar, ainda este ano, um estudo para aperfeiçoar o Acordo Ortográfico
1990, sugerindo alterações e não o fim do acordo… Avisou que o Acordo é um
problema científico, não político”.
O Acordo foi aprovado
no Parlamento, mas, como vê, ali proliferam os voluntários da ignorância – sem
generalizar, obviamente
Senhor Presidente, o
problema foi e continua a ser estupidamente político, o que é inadmissível. É
um património do qual todos somos proprietários. Se deseja proteger e nobilitar
a nossa língua, arrume definitivamente com essa vergonha do Acordo Ortográfico
1990.
Não existe nenhuma
razão que justifique a mutilação da riqueza de um idioma de séculos. Deixe-o caminhar com as suas pernas. A
ciência linguística apenas intervenha para acompanhar as suas evoluções.
Esteja com a maioria
dos portugueses que amam a própria língua e que, bem ou aproximadamente,
conhecem os seus fundamentos. Soa-lhes muito ofensiva esta mania de acordos
ortográficos sem justificações honestamente explicáveis.
Repito, ouça a
maioria dos portugueses.
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