segunda-feira, abril 07, 2014

“A OUTRA EUROPA”

“A Outra Europa com Tsipras” ou, ainda, “A Lista Tsipras” é uma lista eleitoral lançada por um grupo de intelectuais italianos, entre os quais Bárbara Spinelli, filha de Altiero Spinelli, um dos sonhadores e promotores da União Europeia.

Alexis Tsipras, como todos sabem, é um jovem político – 39 anos - da esquerda radical grega e líder do partido Syriza. Tornou-se muito popular na Europa e, pelos vistos, “seduziu a nova esquerda europeia” que o propõe como candidato à presidência da Comissão Europeia.

Ontem, no programa dominical “Em Meia Hora” de RAI 3 (horas 14,30), onde a conhecida jornalista Lucia Annunziata entrevista personagens públicas, sobretudo do mundo político, assisti precisamente a uma entrevista a Tsipras.

Em Janeiro passado já tinha lido o prefácio que Tsipras escrevera no livro “O Que Quer a Europa?” (What Does Europe Want?) dos autores Slavoj Zizek (filósofo esloveno) e Sreck Horvat (filósofo croato). Surpreendeu-me, pois esperava a consueta retórica extremista e deparei com uma análise do próprio país e da crise que o estrangulou muito semelhante à de tantos outros analistas objectivamente equilibrados.

Seguindo-o na entrevista de ontem, não resta dúvida que Alexis Tsipras, além da afabilidade como se exprime, possui o grande dom de saber comunicar e defender as suas ideias.  
Para quem não aprecia radicalismos, torna-se difícil subtrair-se aos argumentos que Tsipras sabe expor com uma certa objectividade, especificamente no que concerne a UE. Certamente que não se pode classificar como antieuropeu. Oxalá seja sincero.

O semanário alemão Der Spiegel definiu-o como o inimigo n.º 1 da Europa”. Comentário de Tsipras, na entrevista: Sinto-me muito honrado por merecer esse título, se isso significa ser perigoso para os banqueiros e para o grande capital”. 
E prossegue A nossa escolha de ter esta lista de uma “Outra Europa para a Itália” significa que estamos convencidos de conseguir mudar os equilíbrios nestas Eleições Europeias. Com estas eleições não se escolhem eurodeputados, mas escolhe-se a nossa vida.
Por um lado, existe o populismo, culpável de querer desagregar a União Europeia; pelo outro, existem as políticas de austeridade que só tem feito mal ao projecto europeu.
Não devemos perder esta ocasião. A política da austeridade e da desagregação social conduz a becos sem saída. Chegou o momento de dizer basta”.

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Do prefácio no livro atrás citado, traduzo alguns parágrafos cujas observações não se afastam do que tantos outros, sem radicalismos, testemunharam.

“Desde meados dos anos noventa, e durante quase todo o decénio de 2000, a Grécia estava em pleno crescimento. Esta expansão económica tinha duas características principais: um gigantesco acréscimo dos lucros não tributáveis para os ricos; um sobreendividamento e um aumento do desemprego para os pobres. O dinheiro público foi depredado em muitos modos diversos; o sistema económico limitou-se, essencialmente, a favorecer o consumo de bens importados dos países europeus ricos.
O modelo “dinheiro barato, mão-de-obra a baixo custo” foi apresentado pelas agências de rating como um exemplo a seguir por cada economia emergente dinâmica.”

"A realidade é que a crise da economia grega não é o que interessa à Europa nem ao FMI. O objectivo principal é fazer do programa imposto à Grécia o modelo para todas as economias europeias em crise.
Este programa põe um fim definitivo ao que, na Europa do pós-guerra, era conhecido como «contrato social».
Não importa se a Grécia, por fim, entra em falência ou afunda na miséria. O que conta é que, num país da zona euro, agora se discuta abertamente de salários à chinesa, de abolição do direito ao trabalho, da dissolução da segurança social e do Estado social, da completa privatização dos bens públicos.
Com o pretexto de combater a crise, o sonho neoliberalista das mentes mais perversas – que, depois dos anos noventa, teve de enfrentar uma forte resistência por parte das sociedades europeias – tornou-se, finalmente, realidade.

"A experiência dos anos precedentes leva-nos à seguinte conclusão: existe uma ética da política e uma ética da economia. Depois de 1989, a ética da economia começou a dominar a ética da política e da democracia. Tudo o que era de interesse para dois, cinco, dez grupos económicos potentes foi considerado como legítimo, embora se demonstrasse contrário aos direitos humanos mais elementares. Hoje, o nosso dever é repor a hegemonia dos princípios éticos políticos e sociais contra a lógica dos lucros.”

"O futuro não pertence ao neoliberalismo nem aos banqueiros nem a qualquer dúzia de potentes multinacionais. O futuro pertence aos povos e às sociedades. É o momento de abrir a estrada a uma Europa democrática, social e livre, porque esta é a única solução sustentável, realística e realizável para sair da crise actual."

Tudo o que acabo de transcrever não nos diz nada, a nós, portugueses?