QUANTAS AFINIDADES
COM PORTUGAL?
O artigo abaixo
traduzido (traduzido do italiano) é da autoria do escritor espanhol Javier Cercas.
Lendo-o com atenção,
quantas afinidades encontraremos com a nossa situação económica e política?
Encontrei bastantes; no que concerne, por exemplo, as observações sobre a
degenerescência dos partidos políticos, quantas similitudes! Mas parece que é
um vírus maligno que alastrou por vários países europeus.
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“O
MILAGRE E O DESASTRE, AS DUAS FACES DA ESPANHA”
A
primeira coisa a dizer sobre a crise económica espanhola é que não é espanhola:
é europeia. A segunda, não é uma crise económica: é política.
A
Europa deve decidir, de uma vez por todas, se verdadeiramente quer ser uma
Europa unida ou quer regressar à sua história de sempre. E é necessário decidir
sem esquecer-se de um dado de facto, isto é, que a Europa é a única utopia
razoável que nós, europeus, fomos capazes de imaginar.
De
utopias políticas atrozes – paraísos teóricos transformados em infernos
práticos – inventámo-las em grande quantidade; de utopias razoáveis, apenas
esta.
Todavia,
mesmo que seja um epifenómeno, uma pequena crise dentro da grande crise
europeia, a crise espanhola apresenta características específicas.
No
momento actual, a Espanha tem mitos problemas, mas se devesse isolar o
principal, diria que são os partidos políticos; melhor dizendo: o domínio quase
absoluto que os partidos políticos exercem na vida pública.
É
uma coisa que vem de longe. Em meados dos anos setenta do século passado,
quando iniciava a transição da ditadura à democracia, os partidos quase não
existiam; existiam apenas formações frágeis e áridas de há quase meio século de
clandestinidade.
E
uma das maiores preocupações dos nossos “pais fundadores” foi a de criar
partidos fortes.
Era
uma escolha não somente sensata, mas indispensável: os partidos são o único
canal verosímil das preocupações e aspirações das pessoas, pois não existe uma
verdadeira democracia sem partidos. A questão foi que, em meados de 1980,
quando a democracia se estava a alicerçar e se punha em movimento um ciclo de
prosperidade que por mais de vinte anos pareceu não ter fim, os partidos
desbordaram, tomando o controlo da justiça, das caixas económicas, dos órgãos
de vigilância dos mercados e do Tribunal de Contas. Os partidos acabaram por
colonizar tudo.
Mas
o problema é que os partidos são, contemporaneamente, o problema e a solução:
só os partidos podem transformar esta “partidocracia” numa democracia real. Bem
sabemos que é muito difícil, mas os partidos espanhóis devem saber que está em
jogo, simplesmente, a confiança das pessoas na democracia.
Alguém
se recorda do milagre espanhol? Há alguns anos, a imprensa estrangeira criou
esta expressão.
A
ideia era mais ou menos a seguinte: a Espanha saiu de quarenta anos de
ditadura, construíra uma democracia e tinha dado início a uma idade de ouro,
propiciada por uma explosão de talento, energia e criatividade que tinham sido
reprimidas por longo tempo.
Desde
meados de 1990, a Espanha era uma das locomotivas da Europa; por 15 anos teve
uma taxa de crescimento à volta de 4% do PIB e em 2006 superou a Itália como
rendimento pró-capite.
O
milagre também era político: após trinta anos de democracia - o período mais
longo de liberdade na história moderna do país – certos sectores da esquerda
europeia viam Zapatero como o protótipo de uma esquerda finalmente renovada,
uma espécie de cruzamento entre Péricles e madre Teresa de Calcutá.
E
que dizer do resto? Tínhamos Nadal e o Barça, Adriá e Almodóvar; até mesmo o
juiz Garzon que distribuía justiça em todo o mundo como um Batman com a toga.
Mas agora é tudo o contrário. Agora, o milagre espanhol acabou e o que resta é
uma catástrofe.
Descobriu-se
que o “boom” económico era um fantasma criado pela dupla ilusão da construção e
do consumo. Hoje, a construção esgotou-se e o consumo afundou; o
crescimento também parou.
Também
Zapatero, agora, é um fantasma do passado e a Espanha é um país apenas
definível como democrático, incapaz de enfrentar a sua história.
Como
se ainda não bastasse, Nadal perde no primeiro turno em Wimbledon; o Barça foi
humilhado pelo Bayern; Ferran Adriá entrou num longo período de férias e o
último filme de Almodóvar é “ Os Amantes passageiros”.
É
caso para dizer que estas duas versões da Espanha são falsas? São-no. Não
porque não contenham muitas verdades, mas porque misturam verdades e mentiras:
não éramos assim tão maravilhosos antes e não somos assim tão horrendos hoje.
Seja
como for, os últimos trinta e tal anos foram, sob todos os pontos de vista e
não graças a um milagre, mas ao esforço de todos, os melhores da história
moderna da Espanha.
Não
é triunfalismo, é uma obviedade. Nos meados de 1970 a Espanha era um país do
terceiro mundo submetido a uma ditadura abjecta; hoje, é um país democrático
que realizou, finalmente, o sonho de há dois séculos e meio de todos os
progressistas espanhóis: integrar-se
na Europa; o que significa que a Espanha tem muito mais esperanças de o
conseguir agora do que há trinta anos.
Como
procurei explicar, se o conseguir ou não, depende, em grande parte, dos
partidos políticos. Mas, sobretudo, e não nos iludamos, dependerá de nós
mesmos.
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Publicado no dia 14
de Agosto 2013 no jornal La Repubblica
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