“UMA NOVA CORTINA DE
FERRO”
Um título inspirado
num artigo que li, que não recordo onde, mas que achei pertinente para este
texto.
A velha “cortina de
ferro” desapareceu, mas a crise financeira europeia criou uma nova cortina entre a
Europa central e os países “periféricos”: devemos chamar-lhe “cortina de ferro
2” ou cortina de abeto?
Escrevi o vocábulo “periféricos”
entre aspas, pois bem conhecemos as conotações de apoucamento por que são
designados estes países do Sul da Europa. E quem deu avio a tal classificação
que até mesmo o FMI aplicou o termo periphery
com todo a desenvoltura e sem o mínimo respeito pela dignidade de Grécia,
Espanha, Portugal Itália? A resposta não é difícil.
O jornal Público de
ontem apresentou um amplo serviço sobre as próximas eleições da Alemanha. Li-o
com toda a atenção. Recordei, acto contínuo, um artigo que conservei do
sociólogo italiano Luciano Gallino,
publicado no dia 22 deste mês: “As
Dívidas da Alemanha, a Austeridade da Merkel”.
Luciano Gallino não é
homem de parte, mas um prestigiado sociólogo, estudioso da “relação entre as
novas tecnologias e formação, das transformações do mercado do trabalho”, etc.,
etc. Com estas notas quero significar que o que este docente de sociologia
escreve merece a máxima atenção e credibilidade.
Partindo de uma
entrevista de Angela Merkel ao quotidiano Frankfurter Allgemeine (também publicada
no jornal La Repubblica em 18 deste mês), o professor Gallino interpretou as
respostas da Senhora Merkel sob dois aspectos.
Primeiro:
“Além de ser um manifesto eleitoral, podem resumir-se deste modo: nós
trabalhamos duramente, sabemos desempenhar a nossa profissão e administramos
cuidadosamente o dinheiro público e privado; quase todos os outros na União
Europeia trabalham pouco, são uns incapazes e vivem acima das suas
possibilidades.
Segundo: “uma calorosa defesa das
políticas de austeridade e das reformas que a Chanceler impôs aos países da UE,
a fim de que ajustem os orçamentos públicos e reduzam as dívidas”.
À mensagem implícita de
Angela Merkel: “Os países da União
estão cheios de dívidas e nós não. Cabe-nos ensinar-lhes como sair delas”, Luciano Gallino exprimiu observações
que os representantes dos demais países da zona euro, em Bruxelas, esquecem pôr
na mesa, quando são tratados, com sobranceria, como alunos “que fazem os
trabalhos de casa”. Quão infeliz é esta expressão!
Que se exija o máximo
rigor nos gastos públicos, respeitando seriamente as regras estabelecidas no
PEC (défice orçamental não superior a 3% do PIB e 60% da dívida pública),
estamos plenamente de acordo; o que não se admite são as claras
humilhações dos países mais fortes àqueles que pretendem considerar de série B,
os tais periféricos.
Economicamente, hoje serão
fortes, mas com o sacrifício de quem, exigindo a imponderada austeridade? E antes,
como era a Alemanha? Vejamos o que escreve o prof. Gallino.
“A Alemanha, se olha bem para a sua história, não tem qualquer
autoridade para ministrar lições em tema de dívidas. Há dois anos, um docente
alemão de história económica, Albrecht Ritscl, numa entrevista a “Spiegel
Online”, definiu a Alemanha como o devedor mais incumpridor do século XX.”
A seguir enumera as
ocasiões em que o país da Senhora Merkel não pagou nem cumpriu o que deveria
ser cumprido, após as catástrofes da 1.ª e 2.ª Guerras Mundiais, com prejuízo,
sobretudo, para os Estados Unidos.
São factos bem
conhecidos da primeira metade do século passado.
Há, todavia, um
particular que qualquer cidadão alemão dos nossos dias não deveria esquecer, sobretudo
quando olha com desdém para quem não se aproxima dos “200 mil milhões de euros
de excedentes das suas exportações sobre as importações - 80 dos quais gerados
dentro da UE.”
Não foram só as
dívidas que não pagaram - umas voluntariamente; a maior parte perdoadas.
Ninguém alude ao que “quase nada pagaram
para restituir aos países europeus ocupados, entre 1940 e 1944, os recursos económicos
ingentes que a Alemanha nazi lhes arrebatara com a força”.
Quantas obras de arte
os maiorais nazis, autênticos larápios, fizeram desaparecer, além de outras
riquezas!
Por todos estes
danos, como diz o prof. Gallino, não pagaram quase nada.
Concluindo. Assusta-me
a nossa dívida pública de 131,4%; ademais, as altas taxas de juro que contribuem
para a asfixia económica e o drama consequente do desemprego.
Como se pode aceitar
e compreender a insistência de Angela Merkel em impor à Europa uma
intransigente austeridade quando, cinicamente, sabe que spreads, capitais e
quejandos são um autêntico Nilo que apenas fertiliza a economia do seu país?
Detesto a política daquela
senhora e considero-a uma vergonha para os seus predecessores, os quais foram,
indiscutivelmente, grandes europeus e excelentes homens de Estado.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home