segunda-feira, agosto 26, 2013

“UMA NOVA CORTINA DE FERRO”

Um título inspirado num artigo que li, que não recordo onde, mas que achei pertinente para este texto.
A velha “cortina de ferro” desapareceu, mas a crise financeira europeia criou uma nova cortina entre a Europa central e os países “periféricos”: devemos chamar-lhe “cortina de ferro 2” ou cortina de abeto?

Escrevi o vocábulo “periféricos” entre aspas, pois bem conhecemos as conotações de apoucamento por que são designados estes países do Sul da Europa. E quem deu avio a tal classificação que até mesmo o FMI aplicou o termo periphery com todo a desenvoltura e sem o mínimo respeito pela dignidade de Grécia, Espanha, Portugal Itália? A resposta não é difícil.

O jornal Público de ontem apresentou um amplo serviço sobre as próximas eleições da Alemanha. Li-o com toda a atenção. Recordei, acto contínuo, um artigo que conservei do sociólogo italiano Luciano Gallino, publicado no dia 22 deste mês: “As Dívidas da Alemanha, a Austeridade da Merkel”.
Luciano Gallino não é homem de parte, mas um prestigiado sociólogo, estudioso da “relação entre as novas tecnologias e formação, das transformações do mercado do trabalho”, etc., etc. Com estas notas quero significar que o que este docente de sociologia escreve merece a máxima atenção e credibilidade.

Partindo de uma entrevista de Angela Merkel ao quotidiano Frankfurter Allgemeine (também publicada no jornal La Repubblica em 18 deste mês), o professor Gallino interpretou as respostas da Senhora Merkel sob dois aspectos.  
Primeiro: “Além de ser um manifesto eleitoral, podem resumir-se deste modo: nós trabalhamos duramente, sabemos desempenhar a nossa profissão e administramos cuidadosamente o dinheiro público e privado; quase todos os outros na União Europeia trabalham pouco, são uns incapazes e vivem acima das suas possibilidades.
Segundo: “uma calorosa defesa das políticas de austeridade e das reformas que a Chanceler impôs aos países da UE, a fim de que ajustem os orçamentos públicos e reduzam as dívidas”.

À mensagem implícita de Angela Merkel: “Os países da União estão cheios de dívidas e nós não. Cabe-nos ensinar-lhes como sair delas”, Luciano Gallino exprimiu observações que os representantes dos demais países da zona euro, em Bruxelas, esquecem pôr na mesa, quando são tratados, com sobranceria, como alunos “que fazem os trabalhos de casa”. Quão infeliz é esta expressão!

Que se exija o máximo rigor nos gastos públicos, respeitando seriamente as regras estabelecidas no PEC (défice orçamental não superior a 3% do PIB e 60% da dívida pública), estamos plenamente de acordo; o que não se admite são as claras humilhações dos países mais fortes àqueles que pretendem considerar de série B, os tais periféricos.
Economicamente, hoje serão fortes, mas com o sacrifício de quem, exigindo a imponderada austeridade? E antes, como era a Alemanha? Vejamos o que escreve o prof. Gallino.

A Alemanha, se olha bem para a sua história, não tem qualquer autoridade para ministrar lições em tema de dívidas. Há dois anos, um docente alemão de história económica, Albrecht Ritscl, numa entrevista a “Spiegel Online”, definiu a Alemanha como o devedor mais incumpridor do século XX.”

A seguir enumera as ocasiões em que o país da Senhora Merkel não pagou nem cumpriu o que deveria ser cumprido, após as catástrofes da 1.ª e 2.ª Guerras Mundiais, com prejuízo, sobretudo, para os Estados Unidos.
São factos bem conhecidos da primeira metade do século passado.

Há, todavia, um particular que qualquer cidadão alemão dos nossos dias não deveria esquecer, sobretudo quando olha com desdém para quem não se aproxima dos “200 mil milhões de euros de excedentes das suas exportações sobre as importações - 80 dos quais gerados dentro da UE.”

Não foram só as dívidas que não pagaram - umas voluntariamente; a maior parte perdoadas. Ninguém alude ao que “quase nada pagaram para restituir aos países europeus ocupados, entre 1940 e 1944, os recursos económicos ingentes que a Alemanha nazi lhes arrebatara com a força”.

Quantas obras de arte os maiorais nazis, autênticos larápios, fizeram desaparecer, além de outras riquezas!
Por todos estes danos, como diz o prof. Gallino, não pagaram quase nada.

Concluindo. Assusta-me a nossa dívida pública de 131,4%; ademais, as altas taxas de juro que contribuem para a asfixia económica e o drama consequente do desemprego.
Como se pode aceitar e compreender a insistência de Angela Merkel em impor à Europa uma intransigente austeridade quando, cinicamente, sabe que spreads, capitais e quejandos são um autêntico Nilo que apenas fertiliza a economia do seu país?

Detesto a política daquela senhora e considero-a uma vergonha para os seus predecessores, os quais foram, indiscutivelmente, grandes europeus e excelentes homens de Estado.