segunda-feira, setembro 03, 2012

O CARDEAL CARLO MARIA MARTINI
"O HOMEM DO DIÁLOGO"



Homem do diálogo; Homem da esperança; Um mendicante com a púrpura; Um homem de Deus; Um filósofo do diálogo com o hebraísmo; Um homem da paz: estes e muitos outros títulos afins sobressaem nos meios de comunicação italianos, desde sexta-feira passada, data do falecimento de um grande e insuperável homem da Igreja que sempre admirei: O Cardeal Carlo Maria Martini.

 “[…] As suas palavras eram simples, mas severas; compreensíveis, mas profundas; elementares, mas arcanas e, sobretudo, referidas sempre às coisas e às situações; jamais ditas por si mesmas para impressionar o auditório.” (Vito Mancuso).

Efectivamente, quando lemos o que escrevia ou tomamos conhecimento dos seus diálogos com personalidades do mundo cultural – crentes ou não crentes – fica-se fascinado, precisamente, por essa linguagem e pelo seu conteúdo.

Arcebispo de Milão de 1979 a 2002. Viveu em Jerusalém de 2002 até 2008. Grande estudioso da Bíblia e o biblista mais acreditado no mundo. Autor de uma vasta obra, traduzida em várias línguas, o Cardeal Martini sobressai pela sua vasta cultura e pela forma como se distanciava de certos fundamentalismos da Igreja Católica. “O cristianismo de Martini foi sempre considerado um cristianismo aberto, sofrido, dialogante”.
Não houve tema, e dos mais delicados,  que não lhe merecesse uma atenção caracterizada por grande humanidade e modernidade. 

Mas prefiro não dissertar sobre esta grande figura. A tanto não me atrevo. Limitar-me-ei a transcrever excertos do que o Cardeal Martini disse e escreveu.

A igreja está cansada, na Europa da prosperidade e na América. A nossa cultura envelheceu, as nossas Igrejas são grandes, as nossas casas religiosas estão vazias, o aparato burocrático da Igreja aumenta, os nossos vestuários são pomposos”.
 […] Aconselho o Papa e os bispos a procurarem doze pessoas excepcionais para lugares directivos. Homens que estejam perto dos mais pobres, que se rodeiem de jovens e que experimentem coisas novas.
[…] A Igreja está atrasada 200 anos. Por que razão não se mexe? Temos medo? Medo em vez de coragem? No entanto, a fé é o fundamento da Igreja. A fé, a confiança, a coragem. Eu sou velho e doente e dependo da ajuda dos outros. […] – da última entrevista (08/08/2012) publicada no Corriere della Sera.

Em diálogo com Eugénio Scalfari, escritor e jornalista:

 Praticar o bem, ajudar o próximo é, certamente, um aspecto importante, mas não é a essência da caridade. É necessário escutar os outros, compreendê-los, incluí-los no nosso afecto, reconhecê-los, romper a solidão deles e ser os seus companheiros. Em conclusão, amá-los. A caridade não é esmola. A caridade predicada por Jesus é plena participação na sorte dos outros. Comunhão dos espíritos, luta contra a injustiça.

[...] Também eu procuro o sentido da vida. A fé dá-me este sentido, mas não elimina a dúvida. A dúvida atormenta frequentemente a minha fé. É um dom, a fé, mas é também uma conquista que se pode perder cada dia e cada dia se pode conquistar. […] Os que não enfrentam esta ralação têm uma fé pouco intensa. Frequentemente, põem-na de lado e não vivem a sua essência.

Quando Scalfari lhe recordou uma sua afirmação que dera lugar a polémicas: “É um erro afirmar que Deus é católico”, o Cardeal Martini respondeu-lhe: - “Sim, disse-o. Deus é o padre de todas as gentes, portanto, apor-Lhe o adjectivo católico é limitante”.

No fim do encontro, Scalfari agradeceu e despediu-se com estas palavras: - Sinto-me muito perto de si, mas não creio em Deus e afirmo-o com plena tranquilidade de espírito.
Resposta de Martini: - Eu sei, mas não estou preocupado consigo. Às vezes os descrentes estão mais perto de nós do que tantos devotos fingidos. O senhor não o sabe, mas Deus, sim”.

Prestou sempre grande atenção aos assuntos europeus. Convidado a falar no Parlamento Europeu em 1997, eis as suas palavras… e quão prescientes!

“A Europa encontra-se numa encruzilhada importante, talvez decisiva, para a sua história. De um lado abre-se a estrada de uma integração mais estreita. As linhas para realizá-la são muitas e, em parte, estão incluídas na sua história.
Do outro, a estrada que pode abrir-se é também a de uma paragem do processo de unificação ou de uma sua redução, mas apenas em alguns aspectos e não completamente respeitosos dos valores sobre os quais se deve fundar uma União verdadeira.
A escolha, portanto, parece ser entre uma unidade mais estreita, capaz de envolver um maior número de povos e nações, e um compasso de espera que poderia conduzir à desagregação do edifício europeu ou à identificação de tal edifício com uma única parte do Continente”.

Hoje realizou-se o seu funeral. Milhares e milhares de pessoas estiveram presentes, dentro e fora da linda Catedral de Milão e onde será sepultado.
Representantes das mais variadas religiões, desde muçulmanos, judeus, budistas, protestantes, prestaram homenagem aos seus restos mortais.
Mais uma prova do diálogo e do seu respeito e amor pelos “outros”.