SÓ AGORA ACONSELHAM
A MODERAR AS PALAVRAS?
Nesta crise do euro, alguns comentadores citaram a teia de Penélope. Penso que seja uma imagem acertada, pois encaixa perfeitamente no que observamos dia após dia.
A declarações de responsáveis - construtivas e claras sobre as medidas que urge pôr em acção, especificando bem quais são essas medidas - imediatamente surgem declarações opostas, eivadas de arrogância e intransigências, que as neutralizam. Normalmente, provenientes da Alemanha, Holanda e Finlândia: não é temerário supor que essas declarações de rejeição obedecem a uma imediação calculada.
Várias vezes aludi à minha antipatia por generalizações e opiniões indiscriminadas. Porém, no que concerne o comportamento e reacções de uma boa parte da imprensa e política alemães ante a crise do euro, sinto enorme dificuldade em compreender e aceitar a hostilidade e, digamo-lo, a desumanidade que revelam. A Grécia é o melhor exemplo.
Os sucessivos governos gregos tiveram culpas, obviamente, mas nada justifica o menosprezo como, actualmente, este país é tratado. Por outro lado, se observarmos a arrogância e autoritarismos do presidente do Banco Central alemão, torna-se difícil encontrar justificações para tanta soberba.
Existem representantes de altos cargos institucionais, cujas declarações assumem um enorme peso, que procuram dar o justo valor à expressão «União Europeia». Insistem na coesão dos 17 países da zona euro e que estes se devem esforçar por manter a moeda comum ao abrigo de ataques dos especuladores financeiros. No entanto, algumas destas personagens, em sequentes entrevistas que poderiam evitar, acrescentam dúvidas, indicam “possibilidades técnicas” que seriam desastrosas, enfim, os sins e os mas alternam-se, e a tela esfiapa-se. Mas por que não pesam as palavras ou evitam declarações que semeiam tempestades? Se não é má-fé, e penso que o não seja, onde está o bom senso destas pessoas?
A apologia do rigor, mas um rigor sem alma, equilíbrio e bom senso, é verdadeiramente o fruto de uma sã intenção? Não acredito.
Concordo que se deva exigir responsabilidades e reformas de instituições que resultem bem estruturadas, a fim de prosseguir e manter um correcto funcionamento da administração pública e a fuga a derrapagens financeiras ruinosas. Porém, hegemonias de quem quer que seja, empunhando o ceptro da virtude e superioridade económica, mas omitindo o respeito pela dignidade dos países mais débeis, repugnam.
Nestes casos, dá-se voz a populismos, nacionalismos e arrogâncias: tendências que sempre foram deletérias e catastróficas.
É incrível que a União Europeia e o Banco Central Europeu, em quatro anos e trinta vértices, ainda não tivessem conseguido criar uma barreira protectora da moeda comum! Poder-se-á perguntar: Cui prodest?
“A Versalhes de Berlim”: este é o título de um artigo de Massimo Riva, publicado no dia 18 deste mês. Obviamente, no jornal La Repubblica, jornal que leio diariamente.
Transcrevo algumas partes deste artigo. Será exagerado? Para o bem da Europa, oxalá que sim.
“É a terceira ou quarta vez, em pouco menos de um século, que a Europa é constrangida a repropor-se a mesma e ameaçadora interrogação: que fazer com a Alemanha? Nas primeiras vezes cometeram-se erros políticos letais que abriram as portas a enormes tragédias. Mas também hoje, apresenta-se particularmente elevado o perigo que o velho continente se encaminhe para uma vereda grávida de riscos fatais com consequências talvez menos cruentas, mas não menos dramáticas. […]
Nos parágrafos seguintes, o jornalista resume o que foram os erros do Tratado de Versalhes, as consequências que levaram ao Nazismo e à Segunda Guerra Mundial.
“Quando chegou o final das ruínas humanas e materiais daquele conflito, na América alguém pensou repropor o esquema de Versalhes, mas numa versão mais audaz. Felizmente, em vez do Plano Morgenthau (que pretendia uma Alemanha dedicada apenas à agricultura e pastoreio), dos Estados Unidos chegou o plano Marshall. Projecto que consentiu a toda a Europa (incluindo a Alemanha Ocidental) de aviar aquele renascimento económico célere que abriu à Europa uma longa era de crescente prosperidade, no silêncio das armas. De tal forma que permitiu aos Estados europeus pôr em marcha um projecto complexo de união económica e política que, após a suspirada reunificação das duas Alemanhas, atingiu um primeiro objectivo tangível: a moeda única à qual aderem 17 países.
Morto e sepultado, portanto, o funesto espírito de Versalhes? Pelo contrário, infelizmente. As tensões que se abriram nos mercados financeiros à volta do euro repropõem, em termos cada vez mais visíveis, o regresso de uma Europa dos vencidos e dos vencedores e na qual, a lição dos erros do passado parece não ter deixado qualquer vestígio. Porém, com uma novidade perturbante que inverte as posições tradicionais: desta vez, o comando das sanções passou das mãos europeias para as dos alemães.
É Berlim que dita aos outros países uma espécie de «lex germânica» fundada nos extraordinários favores que a moeda única ofereceu à economia alemã. Hoje, esta última pode permitir-se uma política comercial agressiva, em virtude de dois factores: primeiro, goza de um câmbio marcadamente subavaliado, devido à debilidade dos outros sócios do euro; segundo, é avantajada por um custo do dinheiro que se tornou irrisório, em virtude dos ataques dos mercenários da especulação contra os países frágeis da eurozona.
Uma visão alta das próprias responsabilidades na Europa deveria conduzir o Governo alemão a compensar estes privilégios com uma significativa expansão de procura interna. Mas, como em Munique em 1938, ninguém, até hoje, encontrou a coragem de avançar, com força, esta solicitação. Por conseguinte, tudo na mesma.
Berlim quer que sejam os outros países em dificuldade a suportar o peso integral do ajuste dos desequilíbrios. Numa espécie de Versalhes às avessas, desta vez é a Alemanha a impor «reparações» de uma onerosidade inaudita.
Já puseram a Grécia de joelhos, arriscam de o fazer amanhã com a Espanha e – que os deuses o não permitam – depois de amanhã com a Itália. Com resultados que – sem necessidade de incomodar de novo Keynes – fazem racionalmente temer alarmantes instabilidades socioeconómicas. Em seguida, políticas nos países sujeitos a esta terapia unilateral segundo o modelo, portanto, do que aconteceu à própria Alemanha nos anos vinte do século assado.
De um vértice europeu a outro, com o «intermezzo» de um Tribunal Constitucional alemão elevado a juiz supremo da Europa, está-se a escorregar para uma situação na qual a política imposta por Berlim – invertendo Von Clausewitz – cada dia se assemelha mais a uma guerra com outros meios.
Max escrevia que, quando se repetem, as tragédias da história tornam-se farsas. Será verdadeiro para os historiadores, mas para quem vive a tragédia é sempre uma tragédia.
Se não querem repetir a récita imbele dos Daladier e dos Chamberlain em Munique, compete aos líderes do resto da Europa impedir que a Alemanha, uma vez mais, faça mal a si mesma e aos outros”
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