UM NINHO DE VÍBORAS
NA CASA DE DEUS
«O vento abala a casa de Deus, mas ela não cai. Quando a casa é construída sobre a rocha, vacila, mas permanece sólida», assim falou Bento XVI, recentemente, inspirando-se no Evangelho de S. Mateus.
Se a casa de Deus, simbólica e hierarquicamente, é a Sede da Igreja Católica, da Cúria Romana, residência do Sumo Pontífice, deveria primar por transparência e simplicidade; demonstrar que é um impoluto e inatacável local, à imagem de um Templo, onde não são tolerados quaisquer tipos de vendilhões, intrigas, venenos, rivalidades, lutas pelo poder. Infelizmente, porém, a quotidianidade do Estado da Cidade do Vaticano é precisamente o oposto de tudo isto.
O vento que sibila fortemente e, de há meses, abala a estabilidade do Vaticano não constitui novidade. Dir-se-ia que os homens da Cúria Romana são escolhidos mais pelos seus dotes de intrigantes de palácio do que virtuosas criaturas eleitas para administrar singelamente as coisas da Igreja e defender os valores do Evangelho.
Sintetizemos o que os meios de informação têm desenvolvido amplamente, sobretudo nestas últimas semanas: o Secretário de Estado do Vaticano, Tarcísio Bertone, é a figura central das guerras e guerrilhas que põem tudo contra todos e todos contra tudo.
Bertone entendeu e entende que deve ser o único com a última palavra no Governo da Santa Sé e da Igreja. Tudo lhe deve passar pelas mãos e prepara terreno para não ter de renunciar ao cargo que ocupa, no próximo Outono, por limite de idade.
De há uns tempos a esta parte, cartas e documentos que jamais deveriam extravasar dos arcanos curiais - segundo as normais tradições de absoluta falta de transparência vaticana - chegaram a vários jornais, começaram a ser publicados e constituem matéria de programas televisivos.
Num programa do Canal La7, intitulado “Gli Intocabili” (Os Intocáveis) – activo desde Novembro 2011, às quartas-feiras - a emissão de 25 de Janeiro ocupou-se do tema “A Conjura no Vaticano”, tendo como hóspede o director do jornal oficial do Vaticano, “O Observador Romano”, Giovanni Maria Vian.
O apresentador e responsável, o jornalista Gianluigi Nuzzi, desenvolveu quatro histórias baseadas em quatro desses documentos, anunciando: “histórias de corrupção, de conjura, de privilégios e encobrimentos”.
Quatro histórias que têm como motivo central a transferência, em Outubro 2011, de Monsenhor Carlo Maria Viganò para Washington com o cargo de Núncio Apostólico.
Viganò, em 2009 fora nomeado, por Bento XVI, Secretário-Geral do Governatorado da Cidade do Vaticano (uma espécie de ministério da economia), a fim de pôr em ordem as finanças descontroladas. Conseguiu-o, mas em cartas enviadas ao Papa e ao Secretário de Estado, denunciou “uma situação inimaginável de corrupção amplamente difusa; obras atribuídas sempre aos mesmos empresários e a preços duplos dos que se praticam fora do Vaticano”; furtos e desfalques, etc., etc.
Fatalmente, a honestidade de Monsenhor Viganò teve de pôr a nu um status quo de grande podridão; fatalmente, criou uma caterva de inimigos - aliás, já o previra, quando aceitou o cargo; e fatalmente, foi removido: “promovido” Núncio Apostólico em Washington!
Numa dessas cartas tornadas públicas, Viganò, amargurado, escreveu a Bento XVI: “Beatíssimo Padre, uma minha transferência provocaria desconcerto em todos os que acreditaram que fosse possível sanear tantas situações de corrupção e prevaricações, de há muito radicadas na gestão das diversas Direcções (do Governatorato)”.
Mas não foi ouvido.
Bertone, o senhor pode tudo, é indicado como o promotor dessa transferência. Bento XVI, talvez a fim de evitar fortes convulsões dentro da Cúria e transmitir uma péssima imagem da Igreja no mundo, assinou a transferência. Por essas mesmas razões, tem evitado tomar medidas drásticas que provoquem eco fora do Vaticano
Mas entretanto, as correntes pró e contra o Secretário de Estado entrechocam-se e não se poupam golpes rasteiros.
As explicações do Vaticano – Nota do Director da Sala de Imprensa da Santa Sé, Padre Federico Lombardi, a propósito de uma transmissão televisiva – não só demonstra certas incongruências, aludindo às acusações de Monsenhor Viganò, como não convence sobre as lutas de poder e outras anomalias dos homens da Santa Sé.
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O banco do Vaticano, “Instituto para as Obras de Religião” (IOR), é um manancial inesgotável de casos que brilham por falta de transparência. Naquele abençoado banco, o esterco do diabo beatificou-se e, como é óbvio, fecundou todo o tipo de escândalos financeiros, cada qual o mais obscuro: por exemplo, reciclagem de dinheiro e clientes que nada têm que ver com “as “Obras de Religião” ou clérigos, mas com a fuga de capitais ou evasão fiscal. As crónicas, nada edificantes, são vastíssimas acerca deste assunto.
Houve quem perguntasse se o Vaticano era a casa de Deus ou um ninho de corvos. A mim parece que, na Casa de Deus, mais que de corvos, há um ninho de víboras: chamam “corvos” aos delatores e difusores dos documentos que saem a jorros do Vaticano.
Bento XVI, embora não seja o alvo dessas polémicas, vê-se impotente. Nota-se a sua fragilidade, perante todas aquelas víboras que também fragilizam e ofendem a Casa de Deus.
Dada a sua idade, 85 anos, começou a uma luta pela sucessão. Que tristeza!
Muito mais haveria que dizer, mas, por hoje, fiquemo-nos por aqui e vejamos as consequências – ou não consequências - de toda esta ventania.
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