UMA GRÉCIA HUMILHADA
Ninguém quer ignorar as culpas das oligarquias gregas que, por décadas, governaram o país com métodos que estavam longe dos cânones de uma normal, transparente e verdadeira democracia.
Ninguém ignora que o poder destas mesmas oligarquias, mercê da despesa incontrolada, orçamentos falsificados, corrupção, uma generalizada evasão fiscal - ainda hoje activa - e fuga de capitais conduziram a Grécia ao estado calamitoso em que se encontra.
Quando falamos de crise, entendemo-la como uma crise económica ou, antes de qualquer outra consideração, uma crise política e moral? Propendo para estes dois últimos aspectos da questão. Mas prossigamos.
Conhecemos as causas que esmagam o povo grego. Sabemos quem são os principais responsáveis, quer na Grécia, quer na União Europeia, pois esta não desconhecia as trapaças orçamentais daquele país para entrar na zona euro.
Também sabemos, todavia, que a maldição caiu sobre os menos culpados ou inocentes, isto é, os cidadãos comuns, sobretudo da classe média.
É esta Grécia que eu vejo humilhada; insensível e vergonhosamente espezinhada, na sua dignidade e esperanças de um bem-estar normal num país normal.
Não tenho, portanto, a mínima compreensão nem quero aceitar a indiferença e prepotência de quem lhe impôs normas que a humilham e sufocam, sem a aliviar e, simultaneamente, corrigir-lhe erros despesistas e políticos, pois já havia normas disciplinadoras para isso. E pior ainda, quando era bem conhecido que, de há cinco anos, a Grécia está em recessão.
Não era difícil nem impossível tê-lo feito no momento oportuno, mas quiseram punir em vez de corrigir, ajudando, e deixaram passar o tempo até que surgisse a gangrena. Imposições nórdicas simplesmente desumanas.
“Dizem que a Europa unida perdeu poder de atracção, agora que os europeus não se contrapõem através de guerras. Mas é difícil chamar paz ao que estamos a viver.
Belicoso é o modo como se falam gregos e alemães, de há dois anos a esta parte. Belicoso é o clima de depressão e medo. Belicoso, sobretudo, é o tratamento reservado aos países endividados, chamados, não por acaso, com o acrónimo PIGS (suínos) e considerados como se fossem povos vencidos com as armas; a ostracizar, punir.
Os planos de austeridade, como a guerra de Clausewitz, transformaram-se na continuação da política com outros meios, e a Europa, associada a tais planos, sofre o mesmo destino, o que significa: a austeridade e belicosidade suplantam a política; suprimem-na”.
Estes são os primeiros parágrafos de um artigo de Bárbara Spinelli - “Se a Europa recordasse Keynes” - (jornal La Repubblica, 23/05/2012)
A autora prossegue, recordando o tratado de Versalhes de 1919, os factos subsequentes e as consequências que levaram Hitler ao poder.
No fim da Segunda Guerra Mundial, ao arrepio do tratado de Versalhes, a América e a Europa contrapuseram o nascimento do plano Marshall, o FMI e a União Europeia.
[…] Depois de 1945, a Alemanha reconstruiu uma democracia modelo, forjada pela introspecção da política da memória. Mas com o tempo, a memória tornou-se hemiplégica: como se apenas uma parte da história fosse conservada.
[…] Urge uma nova política da memória na Alemanha e, sem ser a última, a memória das dívidas bélicas alemãs, extintas em Londres pelo acordo de 1953, graças também à Grécia que renunciou às indemnizações.
Seria oportuno recordar o aviso de Keynes contra os absolutistas do contrato, levados a transformar os pactos (pacto orçamental, hoje) em «usura ininterrupta»”.
É precisamente contra esta “usura ininterrupta” que os PIGS (Portugal, Itália, Grécia, Espanha) lutam: usura imposta pelos mercados, aos quais ninguém ousa impor regras e, paralelamente, pelas pretensões de hegemonia do Banco Federal Alemão. Acrescentemos a insensibilidade e o egoísmo, arrogantemente ostentados, dos países ditos virtuosos, financiados a custo quase zero. Mas que bela União!
Só espero que a maioria dos países da União Europeia levante a voz e, com razoabilidade, imponham um Banco Central Europeu como uma instituição com poderes adequados a um verdadeiro banco central e não como tranquilizador da fobia alemã sobre a inflação – fobia, mania ou pretexto.
Não se compreende por que não possa assumir-se, em circunstâncias bem determinadas, como emprestador de último recurso.
“A fim de parar imediatamente o processo com o qual o pânico e o medo minam a estabilidade da zona euro, o BCE deveria anunciar que o diferencial entre as taxas de juro sobre as obrigações dos Estados com problemas de liquidez, mas solventes - Espanha, Itália, Portugal e Irlanda - e as alemãs não poderia superar um certo nível, digamos 300 pontos base.” – Paul De Grauwe – Professor na London School of Economics.*
Esta, sim, que seria uma medida urgente, importante e imposta sem os rituais “nãos, ses e mas” – neste caso indecentes – da Senhora Merkel.
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