segunda-feira, setembro 05, 2011

AS FALSAS SOBERANIAS

Certamente que são oportunos e aconselháveis certos encontros e conversações do nosso Primeiro-Ministro com os chefes daqueles governos que se autoproclamaram instituição número um da UE e, portanto, são eles quem faz o bom ou o mau tempo dentro da União. Refiro-me, obviamente, a Berlim e Paris. Os outros membros assistem!...

Já não me agrada o modo quase subserviente como se procura entrar nas boas graças de um deles, Angela Merkel, a “Senhora mais potente do mundo”, segundo as conhecidas listas da revista Forbes.

Passos Coelho poderia ter evitado certas opiniões de alinhamento – sobre eurobonds, por exemplo - que mais se assemelham ao papaguear da liçãozinha de um aluno bem comportado que a um aturado raciocínio sobre este assunto.
Imediatamente lhe fez eco o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, repetindo a opinião da chanceler alemã: as obrigações europeias (eurobonds) “são uma transferência de soberania”. Mas qual soberania?
Um pedido de ajuda, não gratuita, que parte de uma grave contingência e é apresentado com lealdade e ponderação, jamais deve prescindir da dignidade de quem dela necessita.

Quanto às “euro-obrigações” – títulos de dívida pública europeus - tal como foram propostas e defendidas por insignes europeístas (Mário Monti e Jean-Claud Juncker, por exemplo), significariam, acima de tudo, mais um escudo contra arremetidas de especulações financeiras bem orquestradas, além de criar situações de coesão e maior equidade nas taxas de juros, que diminuições de soberania de quem quer que seja. Ademais, não entrariam no mercado sem uma estrutura de regras bem claras e condições severas.

Em vez de ponderarem seriamente a questão, a relutância dos governos de França e Alemanha, sobretudo este último, tresandam a exclusivos e cegos interesses nacionais, quando, neste momento, do que mais necessita o euro é de uma “injecção de confiança” e de iniciativas enérgicas contra os ataques a que o submetem.

Se corresponde à verdade o que escreveu Wall Street Journal, deveria ser obrigatório, a todos os políticos de boa vontade, a leitura do relatório privado de 54 páginas de Alan Brazil, “o estratega mais importante” da sólita banca das indecências financeiras, Goldman Sachs, e que foi enviado aos melhores clientes deste banco.
Muito elucidativo quanto às sugestões sobre “uma estratégia de especulação da rebaixa, como ganhar com o desastre global e apostar na queda do euro”.
O mais estranho de tudo isto é a informação que Goldman Sachs é consultor do Governo espanhol. Será verdade?

Mas voltemos à Senhora Merkel. É assim tão potente como a apresentam? Será mesmo um líder que mereça amplo respeito e admiração, dentro e fora de casa? Dentro do próprio país, não me parece.

Vejamos o que nos informa um artigo amplo e bem estruturado de Andrea Tarquini, no jornal La Repubblica de quarta-feira passada, sobre o clima político que se respira na Alemanha:”A Última Trincheira de Angela Merkel”.

A maioria dos eleitores alemães deixou de acreditar na liderança do seu governo federal: 75% desaprova-o quanto à resposta que deu à crise do euro; 55% já nada espera das capacidades de A. Merkel para salvar a Alemanha e a Europa da crise; não lhe perdoaram ter-se posto ao lado da China e Rússia, na ONU, sobre o caso Líbia.
Eleitores da sua área política perguntam: “Que fizeram do europeísmo e da fidelidade ao Ocidente, os valores constitutivos da nossa democracia nascida das ruínas?”

Helmut Kohl critica o governo sem reservas: “Perdeu a bússola. Já não é um Grande atendível. Arriscamos a nossa fiabilidade perante a Europa e o resto do mundo”

O outro Helmut (também ex-chanceler) Helmut Schmidt, numa entrevista ao jornal Die Zeit e também publicada em La Repubblica, aplaude e reforça as críticas de Kohl.
Por causa dos erros da Merkel, a Alemanha está a perder a confiança dos europeus. É necessário que o mundo confie nos alemães e, actualmente, não é este o caso. Nem em Paris nem em Londres nem noutras capitais europeias. Os nossos vizinhos, neste momento, já não podem fiar-se dos alemães incondicionadamente. Enfrentam enigmas, interrogam-se sobre o que pretendem os alemães. Estes deram à Europa e ao mundo a impressão que a paz e o acordo dentro da CDU-CSU ou as eleições regionais são mais importantes do que a certeza que a integração europeia deve prosseguir.”

Líderes carismáticos ou péssimos, talvez esta malfadada crise nos ofereça duas lições de elementar bom senso: avaliar com mais atenção quem elegemos. Mas seremos capazes disso?
Pretender a máxima transparência sobre como e onde se aplicam os dinheiros públicos. Será utopia, mas tentemos.