HÁ MUITAS EVIDÊNCIAS
O artigo de opinião de Vasco Pulido Valente, no jornal “Público” de sábado, 27 de Agosto, ocupa-se de “A Evidência”: uma evidência que denuncia a frustração do “Estado social”.
Pulido Valente escreve: “E se tudo isto não for, no fundo, uma crise, mas for o colapso definitivo do que se chama o Estado Social ou, com mais pedantismo e menos propriedade, o «modelo social europeu», com que vivemos, ou tentámos viver, neste último meio século?"
Depois de referir-se às grandes despesas com o SNS e aos enormes gastos com os remédios, prossegue: “Quem os paga? E onde se arranja o dinheiro para os pagar? E quem paga o ensino e as pensões? Para não falar da infinidade de subsídios de vária espécie a que o cidadão normal se acha com direito…
[…] Não é o «capitalismo selvagem» que a persegue através de mercados malévolos. É a realidade. As sociedades da social-democracia, que um conjunto especial de circunstâncias por um momento permitiu, não voltam. Chegou a altura de perceber claramente esta evidência.”
Parece que o Senhor Pulido Valente, ao escrever este artigo, limitou muito os horizontes de observação, pois haveria tantas outras evidências que agigantaram e prolongaram no tempo esta desgraçada crise.
Primeiro, esqueceu certos precedentes que fizeram deflagrar “capitalismos selvagens” e os tais “mercados malévolos”.
Comecemos pelo principal: Reagan e a sua revolução de “Estado mínimo”, quando aviou um sistema financeiro sem regras, uma desregulamentação que se tornou num “verdadeiro artigo de fé, o ponto n.º 1 do capitalismo”. Menos impostos, maiores gastos com armamentos, menos gastos com despesas sociais, pois a segurança social “cria um espírito de assistidos que favorece a preguiça e irresponsabilidade”, uma grande dívida pública.
Este famoso reaganomics significou, nos anos oitenta, êxito, dinamismo e prosperidade? Certamente, mas que herança deixou? Um neoliberalismo sem freios que escavou um grande fosso entre os poucos ricos e os muitos pobres; uma subserviência da política aos interesses económicos, incapaz de reagir, hoje, às tempestades provocadas pelos mercados financeiros.
Segundo, esqueceu a mediocridade da política ocidental e dos péssimos líderes que as governam, insistentemente denunciada por vozes competentes, idóneas.
“A governar hoje as nossas existências não é a política, com a sua capacidade de domínio inteligente sobre os interesses. Não existe o soberano eleito com um mandato a prazo. Soberanos são poderes não eleitos, como os especuladores da bolsa e as agências de rating que contorcem as nossas vidas e são os novos tribunais da democracia.
Ou são poderes que poderiam representar-nos – a UE, o seu Banco Central – mas que não têm uma verdadeira autoridade, porque os velhos Estados-nação lha negam”. – Bárbara Spinelli ("Os Soberanos da Crise")
E nessa ordem de ideias, não é admissível que um título soberano (sempre a infeliz Grécia!) deva pagar cerca de 40% de taxas de juro. Fico indignada - aliás, horrorizada – quando leio estas informações e verifico a displicência como tudo isto é tido como transacções naturais.
Como pode um país entrar numa retoma de crescimento e, consequentemente, criar postos de trabalho, cujo PIB nem sequer consegue pagar os juros da sua dívida soberana?! Bárbaro e desumano.
Relativamente ao Estado social no nosso País – bem como ao de outros países europeus - não se pode negar que houve excessos de gratuitidade onde se poderia dispensar e pouca fiscalização no modo como a segurança social tem funcionado; que houve superabundância de subsídios, não raramente injustificados. Isto, sim, é uma evidência.
Todavia, alguma vez manifestámos interesse em saber como tudo se processa e quais entradas devem sustentar o serviço nacional de saúde? Alguma vez procurámos conhecer a multiplicidade de instituições, úteis e inúteis, cujas despesas devem ser saldadas pelas receitas do Estado? Alguém procurou informar-nos?
Não penso seja a crise a fazer colapsar o modelo social europeu em que vivemos ou este a origem da crise. É um modelo de grande civismo e humanidade. Basta saber aplicá-lo com acuidade, justiça e equilíbrio.
As evidências de tantas realidades negativas são várias. Só as não vê quem não procura a verdade. E cabe à política a pior culpa.
“Na crise que atravessamos, a linguagem da verdade é uma arma fundamental. Se a política está a falir, é porque, voluntariamente, ignorou esta arma durante anos”.
E nós, cidadãos, limitamo-nos a viver como se nada nos dissesse respeito e tudo nos devesse passar ao lado.
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