segunda-feira, julho 11, 2011

ERA UMA VEZ… DEPOIS VEIO
A MUTAÇÃO DO CAPITALISMO

E no País, estamos todos furibundos contra a arrogância das agências de notação financeira; sentimo-nos irritados com a passividade da União Europeia; escandalizados pela subserviência, incompreensível, do Banco Central Europeu e Banco Europeu de Investimento que se submetem ao diktat das notações financeiras destas agências.
Que interesses se escondem sob o estado anómalo de sonolência e desorientação europeias?

Relativamente a esta situação de crises encadeadas, traduzo um artigo muito interessante (omitindo o primeiro parágrafo) que tem por título “A Mutação do Capitalismo” - autor: Giorgio Ruffolo. Merece ser lido com atenção.
O editorialista imagina a interceptação de uma aula de história económica contemporânea nos finais do século XXI, sobre a mutação do capitalismo no século XX:

«Por altura de três quartos do século vinte, os governos dos países anglo-saxões, Inglaterra e Estados Unidos, tomaram a decisão histórica de liberalizar os movimentos internacionais dos capitais. Nasceu a possibilidade de transferir capitais de um ponto ao outro do mundo em busca do máximo lucro.

Até então, no regime instaurado em Bretton Woods, esta possibilidade pressupunha limitações severas. Tais limites tornaram possível um pacto fundamental entre capital e trabalho, fulcro do compromisso entre capitalismo e democracia e que caracterizou a que foi chamada, por um grande historiador daqueles tempos, a “idade de ouro”: os capitalistas renunciavam à procura dos lucros máximos; os sindicatos à plena utilização dos seus poderes contratuais.
Ambas as partes subordinavam as próprias ambições ao vínculo do aumento da produtividade. Chamava-se política dos rendimentos e garantiu alguns decénios de crescimento sustentável, além de uma alta percentagem de emprego e da equilibrada distribuição dos réditos.

A liberalização dos movimentos de capital malogrou este pacto tácito com consequências económicas e sociais contraditórias.
Massas de capitais afluíram aos países pobres, aí suscitando processos imponentes de desenvolvimento sujeitos a imprevistos e devastantes deflúvios. Nos países ricos, pelo contrário, aquela decisão provocou uma autêntica mutação do capitalismo.

A procura do lucro máximo no tempo mínimo ampliou as actividades financeiras e especulativas, relativamente à produção real. Daí resultou uma diminuição do desenvolvimento e um desvio dos rendimentos do sector real ao financeiro, seguido de um aumento vertiginoso das desigualdades.

No plano mundial, verificou-se um outro processo impressionante. A poupança dos países pobres investidos pelo crescimento foi atraída pelos mercados financeiros dos países ricos que lhes garantiam segurança e rendimentos elevados. Em vez de alimentar os consumos baixos dos primeiros, financiou os consumos excessivos dos segundos, instaurando uma condição de desequilíbrio permanente das balanças de pagamento.

Mas os desequilíbrios não se produziram somente no espaço como também envolveram o tempo.
A acumulação financeira foi financiada cada vez mais pelos rendimentos futuros, sob forma de endividamento, isto é, vivendo à custa dos vindouros.
Este fenómeno assume características sistemáticas, de tal maneira que um economista definiu o novo capitalismo como o regime económico no qual as dívidas nunca se pagam, mas são sistematicamente renovadas.

Algum de vós perguntar-me-á: era sustentável um tal estado de coisas? A resposta é: não. Efectivamente, no início do século XXI, uma crise violenta, provocada pelo colapso das dívidas do sector imobiliário na América, convulsionou os mercados mundiais.

A outra grande crise que a antecipou fora debelada, graças (por assim dizer) à Segunda Guerra Mundial, como também - imediatamente antes e imediatamente depois desta - a uma decisiva transferência da condução privada à condução política da economia.

Pelo contrário, a nova e igualmente devastante crise foi superada brilhantemente, refinanciando os sujeitos que a tinham promovido: bancos e intermediários financeiros!
O custo foi pago pelos trabalhadores que ficaram sem emprego e pelos contribuintes. Isto deu lugar a pesados défices públicos, os quais foram vivamente contestados pelos “mercados” que os tinham suscitado e reprimidos com severas medidas de corte nas despesas sociais.

Depois de qualquer pausa de reflexão, o mecanismo da acumulação financeira recomeçou, embora deplorando algum atraso, exactamente nas mesmas formas e modalidades. Vós perguntar-me-eis…

A este ponto, a interceptação, infelizmente, interrompeu-se: devemos nós imaginar a pergunta. E, sobretudo, a resposta.»
Giorgio Ruffolo, jornal La Repubblica, 06/07/2011