TAMBÉM ESTA FOI UMA PRIMAVERA
Já punha fortes dúvidas num despertar do bom senso e saída de um inexplicável torpor democrático que pusessem travão a tanta demagogia e à predominância de uma mediocridade arrogante, grosseira, deletéria.
Mas, este ano, efectuaram-se eleições em várias cidades importantes, levou-se a cabo um referendo, cujo resultado ultrapassou as melhores expectativas, e um vento primaveril varreu todas as dúvidas.
Não, não falo da Terra Lusa que, com o novo Governo, espero possa recolocar nos carris justos este nosso país descarrilado e a quem auguro um excelente trabalho. Falo do outro que também me merece atenção e afecto: a Itália.
Um cartaz muito expressivo, dedicado ao neo-eleito presidente da câmara de Milão, Giuliano Pisapia, deu-me a certeza que o alerta soou forte: “Pisapia, roubaste-me a tristeza”. A metáfora é felicíssima.
Apenas tive a certeza do êxito do referendo e, consequentemente, de mais uma valente bofetada a Berlusconi e acólitos, os quais recorreram a todos os meios para o sabotarem, a inspiração foi espontânea: abençoado referendo que me roubaste a tristeza!
Explodiu o fenómeno das primaveras democráticas, portanto, do entusiasmo de gente jovem que luta contra um status quo de acomodados em benesses por direito divino e das inércias políticas no empenho da resolução de questões fundamentais; contra os incontroláveis interesses económicos e financeiros sufocadores daquele mínimo de justiça social, da correcta administração de bens comuns a que um Estado democrático, sério, não pode nem deve abdicar.
Poder-se-á dizer que este fenómeno está a abalar o velho sistema dos partidos que se habituaram a dispor e dividir a coisa pública em feudos, reservando bons lugares aos maiorais, embora não esquecendo os motivos de democracia cumprida por que querem ser eleitos.
A partir de agora, esses mesmos partidos têm de rever, renovar, actualizar o modo como pensar a política, permitindo que esse ar fresco das várias primaveras democráticas a rejuvenesça e revolucione no melhor sentido.
E oxalá que, também em Portugal, a nossa juventude saia do indiferentismo – ou até mesmo da ignorância - e vá muito além das razões da “geração à rasca”. Haveria tanto por que entusiasmar-se e criar movimentos, multidões, com ideias novas, pugnando pela eliminação de tanto lastro inútil na governação do país!
Energia nuclear, privatização da água, lei igual para todos: foram estes os temas do referendo da semana passada na Itália, a fim de anular leis ordinárias com as quais grande parte da sociedade civil não concordava. Somente através de referendo se poderia travar a marcha de uma maioria súbdita dos interesses de um primeiro-ministro anómalo ou de outros interesses pouco claros.
De há bastantes meses, seja através das redes sociais, seja de movimentos vários, seja da actividade de alguns partidos, começaram a recolher assinaturas contra a privatização da água e da intenção de a transformar em mercadoria, obtendo um milhão e quatrocentas mil assinaturas.
Foi o fenómeno – chamemos-lhe assim – do “individualismo activo” que se tornou digno de nota. Não somente os tantãs de Facebook, Twitter, blogues – estas redes de informação transversal – funcionaram para atingir o escopo desejado. Os jovens envolveram as gerações mais velhas, andaram de porta a porta a esclarecer e a solicitar adesões.
Onde falhou a democracia representativa, agiu, e desta vez com amplo sucesso, a democracia directa.
Não é verdade - como escreveu Jorge Almeida Fernandes, no Público de 15 de Junho - que o partido do ex-magistrado Di Pietro aproveitou o choque Fukushima para “uma manobra ardilosa” acerca do referendo sobre a energia nuclear. Desde o princípio do ano, data insuspeita, que recolhia assinaturas para os quatro requisitos a que se deveria apor um sim ou um não. Pode-se dizer que foi ele o grande impulsionador deste referendo. Jorge Almeida Fernandes deveria ir beber as suas informações a fontes mais equilibradas – António Polito, do Corriere Della Sera, não é das mais objectivas.
Nos quatro boletins de voto, votei sim à revogação das quatro leis ordinárias em questão.
A energia nuclear nunca me convenceu. Quanto mais leio sobre este assunto, mais se robustecem as minhas convicções negativas.
Quanto às tais leis ad personam (pró-Berlusconi) essas apenas merecem desprezo, portanto, reprovadas incondicionadamente.
Não concebo que um bem comum essencial, como é a água, possa ser privatizado e se mercantilize, pois o privado quer lucro e a baixo custo, obviamente. Podemos submeter um património de todos, vital, a tais regras?
Espero que ao novo Governo português não venha a tentação de privatizar “Águas de Portugal”. Seria, isso sim, um neoliberalismo inoportuno e difícil de compreender.
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