NÁPOLES AFOGA NO LIXO
A CAMORRA ENGORDA
Quase se poderia dizer que a linda cidade de Nápoles está em estado de calamidade: o lixo submerge-a.
Em 1994, pela primeira vez, foi declarado o estado de emergência, relativamente à recolha do lixo, na cidade de Nápoles. Uma disfunção que envolve toda a região da Campânia.
A CAMORRA ENGORDA
Quase se poderia dizer que a linda cidade de Nápoles está em estado de calamidade: o lixo submerge-a.
Em 1994, pela primeira vez, foi declarado o estado de emergência, relativamente à recolha do lixo, na cidade de Nápoles. Uma disfunção que envolve toda a região da Campânia.
Desde então, nada melhorou. São 13 anos que o espectáculo se repete: montanhas de resíduos urbanos fora dos contentores, já superlotados, espalhados pelas ruas da cidade.
Nestes últimos dias, de grandes protestos e revoltas, vândalos divertiram-se a atear incêndios ao cúmulo de “monnezza” (forma dialectal de mondezza > imundície) e respectivos contentores – cena que também não é inédita – intoxicando ainda mais os habitantes, além do cheiro nauseabundo da putrefacção do lixo acumulado e não retirado – cerca de 1200 toneladas – devido à falta de centros de recolha, à desorganização, falta de recolha diferenciada, aterros sanitários saturados, enfim, um desastre.
Durante esses anos, houve governos e administrações autárquicas de todas as cores políticas, mas falhou o empenho, tenacidade, seriedade política de lutar pelo ambiente e pela saúde das populações a fim de resolver, definitivamente, o problema.
No entanto, do que está a acontecer, sobretudo entre os dirigentes autárquicos, ninguém é responsável. As acusações são reciprocas, como se o fenómeno lhes tivesse passado ao lado sem que disso se apercebessem. Um espectáculo deprimente.
Para a Camorra, o lixo é um dos negócios mais rentáveis da sua actividade criminosa: empresas camorristas ofereciam, e oferecem, preços imbatíveis para a recolha do lixo, descarregando-o, frequentemente, em qualquer campo ou terreno inculto. É fácil avaliar o dano ambiental e o perigo para a saúde pública. As estatísticas começam a alarmar.
Além disso, resíduos tóxicos, originários de indústrias do norte, são descarregados, ilegalmente, em lixeiras apenas cobertas com uma camada de terra.
****
Roberto Saviano, jovem napolitano de 28 anos, é jornalista e autor de um livro de grande sucesso: "Gomorra" – viagem no império económico e no sonho de domínio da Camorra.
Classificaram-no como o melhor livro do ano, além de ter obtido muitos outros prémios literários. Traduziram-no em 42 países; creio que ainda não foi editado em Portugal.
Desde que este livro saiu do prelo, Roberto Saviano começou a ser alvo de graves ameaças, provenientes do crime organizado que, alias, se auto-intitula “o Sistema”. Para um camorrista que se respeite, o termo camorra não faz parte da modernidade!...
Teve de afastar-se de Nápoles; mesmo a sua família, segundo li, lhe virou as costas: medo de represálias? Vive sob a protecção da polícia.
Acerca do lixo que sufoca a cidade de Nápoles, o título do artigo que ontem publicou em "La Repubblica" é muito eloquente: “Empresas, Políticos e Camorra: eis os Culpados da Peste”
É uma análise minuciosa e implacável sobre anomalias e conivências inaceitáveis. E não se salva ninguém.
(…) “Quando se deita qualquer coisa para o lixo, ali no balde da cozinha, ou se encerra no saco próprio, é necessário pensar que não se transformará em estrume, em “compost” ou matéria “fetosa”(?) que empanturrará ratos e gaivotas, mas transformar-se-á directamente em acções societárias, capitais, equipas de futebol, edifícios, fluxos financeiros, empresas, votos. E da emergência não se quer e não se pode sair, porque é um dos momentos em que mais se ganha” - o negrito é meu.
O final do artigo é muito amargo: “(…) Habituar-se a não ter o direito de viver na própria terra, de compreender o que está a acontecer, de decidir da própria vida. Habituar-se a já não possuir nada.”
Por último, transcrevo um comentário de um napolitano espirituoso - quanto a gente de espírito, os napolitanos são mestres.
“Quando era miúdo, a minha mãe dizia-me: leva lá abaixo o saco do lixo. Agora já não me preocupo com isso. A imundície sobe directamente a casa.”
Nestes últimos dias, de grandes protestos e revoltas, vândalos divertiram-se a atear incêndios ao cúmulo de “monnezza” (forma dialectal de mondezza > imundície) e respectivos contentores – cena que também não é inédita – intoxicando ainda mais os habitantes, além do cheiro nauseabundo da putrefacção do lixo acumulado e não retirado – cerca de 1200 toneladas – devido à falta de centros de recolha, à desorganização, falta de recolha diferenciada, aterros sanitários saturados, enfim, um desastre.
Durante esses anos, houve governos e administrações autárquicas de todas as cores políticas, mas falhou o empenho, tenacidade, seriedade política de lutar pelo ambiente e pela saúde das populações a fim de resolver, definitivamente, o problema.
No entanto, do que está a acontecer, sobretudo entre os dirigentes autárquicos, ninguém é responsável. As acusações são reciprocas, como se o fenómeno lhes tivesse passado ao lado sem que disso se apercebessem. Um espectáculo deprimente.
Para a Camorra, o lixo é um dos negócios mais rentáveis da sua actividade criminosa: empresas camorristas ofereciam, e oferecem, preços imbatíveis para a recolha do lixo, descarregando-o, frequentemente, em qualquer campo ou terreno inculto. É fácil avaliar o dano ambiental e o perigo para a saúde pública. As estatísticas começam a alarmar.
Além disso, resíduos tóxicos, originários de indústrias do norte, são descarregados, ilegalmente, em lixeiras apenas cobertas com uma camada de terra.
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Roberto Saviano, jovem napolitano de 28 anos, é jornalista e autor de um livro de grande sucesso: "Gomorra" – viagem no império económico e no sonho de domínio da Camorra.
Classificaram-no como o melhor livro do ano, além de ter obtido muitos outros prémios literários. Traduziram-no em 42 países; creio que ainda não foi editado em Portugal.
Desde que este livro saiu do prelo, Roberto Saviano começou a ser alvo de graves ameaças, provenientes do crime organizado que, alias, se auto-intitula “o Sistema”. Para um camorrista que se respeite, o termo camorra não faz parte da modernidade!...
Teve de afastar-se de Nápoles; mesmo a sua família, segundo li, lhe virou as costas: medo de represálias? Vive sob a protecção da polícia.
Acerca do lixo que sufoca a cidade de Nápoles, o título do artigo que ontem publicou em "La Repubblica" é muito eloquente: “Empresas, Políticos e Camorra: eis os Culpados da Peste”
É uma análise minuciosa e implacável sobre anomalias e conivências inaceitáveis. E não se salva ninguém.
(…) “Quando se deita qualquer coisa para o lixo, ali no balde da cozinha, ou se encerra no saco próprio, é necessário pensar que não se transformará em estrume, em “compost” ou matéria “fetosa”(?) que empanturrará ratos e gaivotas, mas transformar-se-á directamente em acções societárias, capitais, equipas de futebol, edifícios, fluxos financeiros, empresas, votos. E da emergência não se quer e não se pode sair, porque é um dos momentos em que mais se ganha” - o negrito é meu.
O final do artigo é muito amargo: “(…) Habituar-se a não ter o direito de viver na própria terra, de compreender o que está a acontecer, de decidir da própria vida. Habituar-se a já não possuir nada.”
Por último, transcrevo um comentário de um napolitano espirituoso - quanto a gente de espírito, os napolitanos são mestres.
“Quando era miúdo, a minha mãe dizia-me: leva lá abaixo o saco do lixo. Agora já não me preocupo com isso. A imundície sobe directamente a casa.”
Alda M. Maia
4 Comments:
Esta lixeira colossal em que se está a transformar o Planeta!
O problema é que os responsáveis pela gestão da coisa pública deviam ser responsabilizados pelos erros grosseiros e pelas omissões no exercício das suas funções.
Mas quem faz as leis e deve zelar pelo seu cumprimento? Os mesmos?
Um Bom Ano de 2008, Alda, apesar de toda a minha descrença em que tal seja possível.
António
É pessimista sobre um 2008 sereno? Falando-lhe com franqueza, também eu acredito pouco. Mas como somos nós a fazê-lo bom, mau ou aceitável, mãos à obra e não nos cansemos de refilar contra a imbecilidade de certos idiotas que comandam.
Confrange-me a situação de Nápoles. É uma cidade tâo linda!Quem me dera ter poderes de mago Merlino! Pegaria pelas orelhas os responsáveis, arrancá-los-ia das poltronas e convencê-los-ia a ocupar-se, por exemplo, de agricultura biológica. Evitaria menos danos à administração pública.
Um abraço a toda a Família e obrigada pela sua visita.
Alda
Humor também é preciso!
Que imagem a Itália dá!
Como é possível?
António Cândido
Mas quem se vê por estas paragens!! E eu que ignorava a existência destes dois blogues!Surpresa das surpresas.
Como é possível esta imagem da Itália?! Se ouvisse o os debates políticos, onde participantes de todas as áreas políticas, culpados em igual proporção, pretenderem "lavar as mãos" sobre responsabilidades, confesso-lhe que não sei qual é o espectácula mais deprimente: as montanhas de lixo ou os politiqueiros sem vergonha.
Os habitantes napolitanos também têm responsabilidades. Pelo menos, denunciar e protestar oportunamente e não explodir (muitas vezes instigados pela camorra) somente em situações extremas.
Alda
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