segunda-feira, novembro 24, 2014

QUE ESTRONDO E QUAL RIBOMBO!

Mas parece que ainda não chega. O estardalhaço continua, torna atrás e repete-se, repete-se… e continuará a repetir-se, até que novas mais frescas ecoem com mais fragor neste nosso país caído em desgraça: desgraça económico-financeira e moral. Mas é esta última calamidade, a moral achincalhada e gravemente ferida, que mais incomoda.

O eco da notícia ribombante fez-se ouvir por essa Europa fora. Limito-me a transcrever o primeiro parágrafo, sobre essa mesma notícia, publicada no quotidiano La Stampa. Do que pude ler noutros jornais italianos – uma notícia banal, sem parangonas - La Stampa procurou traçar um retrato mais completo do sucedido e da personagem em causa:
“Apenas há uma semana, a fraude dos “vistos dourados”. Mas antes, a crise do Banco Espírito Santo. Agora, a detenção do ex-primeiro-ministro, José Sócrates, por fraude fiscal, corrupção e branqueamento de capitais. Não há trégua para Portugal que desde há meses é atormentado por um escândalo após outro.Este último, porém, corre o risco de ser uma autêntica bomba para o mundo político, já minado por escândalos precedentes”.
Uma boa síntese do que vão apregoando os comentadores nacionais; um triste retrato desta Terra Lusa dos “brandos costumes”!

Que a Justiça faça o seu dever, que prossiga no caminho que deve percorrer, que chegue a conclusões claras e justas e aplique a lei na sua genuinidade e imparcialidade totais, são princípios elementares que ninguém deve ignorar nem jamais contestar.

Posto isto, causou-me uma péssima impressão o modo espectacular como foi detido José Sócrates. Era necessária toda aquela teatralidade, visto o espectáculo quase espalhafatoso da detenção no aeroporto e posterior alarido nos meios de informação?
Existe a presunção de inocência; não deveria existir, igualmente, a presunção de salvaguarda da dignidade do ser humano?

A este propósito, as opiniões dividem-se. Há quem esteja de acordo, pois urge evitar a destruição de provas; há quem alvitre o contrário.
Creio, todavia, que enquanto se está em fase de apuramento de provas, isto é, da verdade, respeite-se a dignidade de quem quer que seja.
O crime é comprovado, aplica-se a pena adequada. Antes, porém, não recorramos a apedrejamentos extemporâneos medievalistas. Não me refiro ao caso em questão, mas à generalidade de casos similares.

Pensando na série de escândalos que desabou sobre o nosso país e na sacrossanta e oportuna intervenção da Justiça, veio-me à memória a famosa “questão moral”, expressão que o conhecido político italiano (já falecido), Enrico Berlinguer, tornou célebre.
Reli a não menos famosa entrevista que Berlinguer concedeu ao director de La Repubblica, em 1981, e onde surgiu o conceito de questão moral.
Na declaração de Jerónimo de Sousa, sábado passado, vi o eco do que dissera Berlinguer. “O poder económico capturou o poder político”. “Revela a profunda degradação política e institucional”, etc.

O que entendia Berlinguer por “questão moral”? Transcrevo as suas palavras:
“Os partidos de hoje são, acima de tudo, máquinas de poder e de clientela; com escasso ou mistificado conhecimento da vida e dos problemas da sociedade e da gente; ideias, ideais, programas poucos e vagos; sentimentos e paixões civis igual a zero.
Gerem interesses, os mais diversos, os mais contraditórios, por vezes também equívocos, sem alguma relação, todavia, com as exigências e as necessidades humanas emergentes. Ou então, distorcem-nos, sem procurar o bem comum.
A sua estrutura organizativa, agora, é a conformação deste modelo. Já não são organizadores do povo, formações que promovam a maturação civil e a iniciativa: são, sobretudo, federações de correntes, de camarilhas, cada um com um boss ou sub-boss.(...)
É necessário, portanto, defender as instituições da partidocracia que as invadiu." Isto foi dito em 28 de Julho, 1981! Algo mudou? 

Estamos em finais de 2014. Olhemos para o nosso país, analisemos o nosso mundo político: encontramos, hoje, um panorama diverso daquele descrito por Enrico Berlinguer? Referia-se à Península Itálica, obviamente, mas a praga, como é fácil verificar, alastrou-se até à Península Ibérica. Ainda não foi debelada, se é que não revigorou.