ESTADO SOCIAL: CAUSA
PRIMÁRIA
DOS DESARRANJOS
ORÇAMENTAIS?
Atentando bem no que
se diz e escreve nestes tempos de crise, parece que isto a que se chama Estado
social quase deva soar como uma blasfémia. Como se atrevem estes partidos da
direita e da esquerda, designadamente estes últimos, a insistir num assunto que
mais não é que tema propagandístico?
“Esta esquerda, que promete abundância, está condenada na exacta medida
em que o velho Ocidente, prisioneiro dos
seus mitos igualitários, mas economicamente decadente, se revela
absolutamente incapaz de satisfazer as aspirações apregoadas na bandeira
socialista”. – M. Fátima Bonifácio; Público, 18 / 04 / 2014.
E mais escreve a
ilustre Historiadora: “O futuro do Estado
social reside na sua «morte e transfiguração». Genericamente, as decrépitas
economias europeias tornaram-se incapazes de gerar excedentes que permitam
sustentar, nos moldes actualmente vigentes, a escola pública, a Saúde pública,
a Segurança social e as diversas e dispendiosíssimas prestações sociais
destinadas a garantir a “coesão social””.
(…) Na impossibilidade de proceder a uma
efectiva reforma do Estado – despedindo 100 ou 150.000 pessoas – resta a
solução de diminuir os gastos que ele acarreta, quer privatizando parcial ou
totalmente algumas das suas clássicas
funções sociais, quer poupando em ordenados. (…)” - O sublinhado é meu.
Desconhecia que o
“velho Ocidente” fosse vítima dos seus mitos igualitários. Sempre pensei que neste
velho Ocidente predominasse a democracia, nos moldes e causas que a determinam,
onde a igualdade dos seus cidadãos fosse um dos princípios irrenunciáveis.
Apresentar este princípio como um “mito igualitário”, sinceramente, desconcerta.
Ninguém ignora que
igualdade de oportunidades nem sempre significa igualdade de sucesso e bem-estar:
uns partem com vantagens que outros não têm; há circunstâncias adversas ou
favoráveis; inteligências e capacidades de iniciativa variam de indivíduo a
indivíduo. Economicamente, portanto, as desigualdades são inegáveis e
inevitáveis. E aqui intervém o Estado social.
A este ponto,
dir-se-ia que a definição de Estado – Estado democrático, obviamente – é
menosprezável. Recordemo-la, então, na sua melhor síntese:
“O Estado é a
organização de um grupo social estavelmente instalado num determinado
território mediante um ordenamento jurídico, servido por um corpo de
funcionários e definido e garantido por um poder jurídico, autónomo e
centralizado, que tende a realizar o bem
comum”.
Quando um Estado tende
a realizar o bem comum, melhor dizendo, quando se concretiza nas suas
instituições para administrar a coisa pública e realizar o bem comum, que outro
nome dar-lhe senão Estado social?
Se não cuida da
escola pública, se não se ocupa da Saúde pública e da Segurança social, qual é,
então, o papel verdadeiramente humano de um Estado? Por que não defendê-lo?
Concordo com o facto
de termos de aguentar sacrifícios, por muito árduos que se apresentem, até
equilibrarmos as nossas contas públicas. Só lamento que não haja um diálogo
honesto e inequívoco, numa linguagem clara e acessível, entre as forças
governativas e o cidadão português.
Que a transparência,
e insisto neste conceito, constitua a base desse diálogo e que de todas as
medidas – duras ou que toquem mesmo a insuportabilidade - se dê uma
justificação que todos nós entendamos. E sendo assim, certamente que as
aceitaremos.
De discursos vazios,
obscuros e arrogantes estamos saturados. Deu-se um mandato a este Governo,
exigimos lealdade e absoluto respeito e empenhamento pelo bem geral do país.
Paralelamente,
sugestões como as que a Dra. Fátima Bonifácio alvitra, não hesito em
classificá-las como indecentes, isto é: “privatizando, total ou parcialmente,
algumas das clássicas funções sociais do Estado”. Mas quais funções? A escola pública em primeiro lugar, não é
verdade?
Esta tendência actual
de denegrir ou desclassificar a escola pública é simplesmente repugnante num
Estado democrático e de gente séria.
Todos sabemos que a
educação, em todos os seus aspectos e graus, é fulcral para o progresso de um
país. Logo, é a escola pública - uma boa escola pública, acima de tudo - que
deve merecer a máxima atenção e garantia, pois o direito de aprender é inalienável
e sacrossanto para qualquer cidadão.
Honra e mérito às
escolas privadas, indubitavelmente, mas é para uma escola pública eficiente e
digna que servem os nossos impostos.
Equilíbrio
orçamental, eis as medidas padrão: agravamento dos impostos, privatizações, cortes e
mais cortes nos salários e pensões. Parece que só conhecem estes caminhos. Não haverá outros?
Alguém ouviu falar no
combate aos desperdícios e abusos, dentro das funções sociais do Estado?
Alguém ouviu falar de
um acurado controlo na aquisição de bens e serviços, em aumento constante na
despesa pública?
Alguém ouviu falar na
transparência dos ajustes directos, sempre em relação à aquisição desses bens e
serviços?
Alguém ouviu falar na
moderação e indicação de um tecto para os elevados salários dos dirigentes da
função pública ou das empresas públicas, exactamente como fizeram na Itália,
onde tais dirigentes não podem ganhar mais que o Presidente da República?
Alguém ouviu falar… quantas
e quantas outras iniciativas que ajudariam a diminuir o défice! Mas fiquemo-nos
por aqui
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home