segunda-feira, outubro 08, 2012

“O MELHOR POVO DO MUNDO”

Sinto-me muito satisfeita de pertencer a este “melhor povo do mundo”. Povo de santos e poetas; de navegadores e bons arquitectos; de gente de trabalho e de considerável adaptabilidade às vicissitudes; povo de ases do futebol e de prestigiados intérpretes do fado… enfim, povo de tantas outras características que o identificam.

Existe um factor, todavia, que dificulta a preservação, consolidação e imposição, no mundo moderno, de todo este património e aquilo de que este mesmo povo seria capaz, se tivesse bons timoneiros.

Assim, somos o melhor povo do mundo – seja perdoado o exagero – com uma grande desvantagem: somos o povo de um país que se tornou estéril e que se vê incapaz de parturir autênticos servidores do Estado.
Como sucedâneo desta incapacidade, surgem os arremedos e os oportunistas.

Este mal parece ser comum a muitos países. Nesta nossa linda Terra, porém, assume, por vezes, o aspecto de uma calamidade. Quanta pequenez nos cabe votar e quantas esperanças traídas e arrasadas!

Pensei nesta desalentadora esterilidade, sexta-feira passada. Comemorou-se o 102.º aniversário da Implantação da República. Deveria ser uma festa de todo este “melhor povo do mundo”. Mas o espectáculo que nos ofereceram foi um palco e uma plateia ocupados apenas por alguns ilustres representantes da casta que maneja a coisa pública.

O Presidente da República, alérgico aos protestos e vaias, recomendou um recinto limitado. Covardia institucionalizada?
O Primeiro-Ministro, ausente, crendo-se indispensável em Bratislava e Malta, delegou esta”honra” no Ministro da Defesa, Pedro Aguiar-Branco.
Um espectáculo digno dos tais arremedos que o destino nos reservou.

É curioso que Passos Coelho sempre se esquivou a encontros similares com os seus homólogos do sul da Europa, promovidos, repetidas vezes, por Mário Monti. Ei-lo, agora, muito interessado na cimeira eslovaca e, de seguida, a de Malta.

Vejo a sua ausência na comemoração do cinco de Outubro como a atitude de um inconsequente que se estriba sob responsabilidades mais de espectáculo que de político que deveria ponderar bem as suas acções. Se assim não fosse, por que desertou os encontros precedentes a que acima me refiro e nos quais o nosso país deveria estar verdadeiramente interessado? Por que os evitou e a quem receava desagradar?

Deve-se um natural respeito ao primeiro-ministro do próprio país, obviamente. É muito difícil aceitar, portanto, titulares medíocres, inadequados e impreparados. Mais difícil ainda, quando se demonstram petulantes, mas sem aquele mínimo de cultura política, académica e histórica, além da escassez de uma experiencia de vida eticamente assimilada, necessárias para robustecer a noção de responsabilidade e a sageza indispensável para gerir assuntos de Estado. Gente com estas falhas jamais deveria ser eleita para altos cargos institucionais. Sonho o impossível? Talvez.

De novo, exprimo um pensamento que me assedia: não teremos, neste Portugal Continental e Insular, um Mário Monti que nos imponha na Europa e nos conduza, neste mar encapelado da dívida e do desequilíbrio financeiro, a um porto seguro? Existirá? Ai, Deus, e u é?
Certamente que não me apelo a um governo técnico, mas a um protótipo Monti.  

Que triste fado o nosso! Quando mais necessitaríamos de dirigentes dotados de grande intuito político e administrativo; quanto mais desesperadamente invocamos pessoas com rasgo, coragem, inteligência e dignidade que nos afastem do precipício, que verificamos? Um primeiro-ministro impreparado; um Ministro-Adjunto dos Assuntos Parlamentares inapresentável; um Paulo Portas que diz e não diz e vai tergiversando, ao arrepio da coerência e dignidade; um Presidente da República que mais se assemelha a um catequista que profere liçõezinhas do bem-fazer do que à mais alta instituição do Estado de quem se esperaria mensagens fortes, profundas, empolgantes e, por conseguinte, um ponto de referência firme, indiscutível e atento. 
Mas não dizem que a esperança é a última a morrer? Pois então, alimentemo-la, instantemente, com bom senso e convicções sadias.

Maria João Avilez, num artigo do jornal Público de ontem, alvitra um “compromisso histórico” entre os “três partidos democráticos”. Estou perfeitamente de acordo. E se bom senso e convicções sadias desabrocham na maioria desses partidos, que ponham de lado capelinhas ou confrarias e dediquem-se, uma vez por todas e denodadamente, ao país em agonia.

Esta expressão “compromisso histórico” (compromesso storico) nasceu na Itália, nos anos 70. Proposta por Enrico Berlinguer - secretário do PC - à Democracia Cristã, originou muitas resistências, de um lado e do outro.
Custou a vida a Aldo Moro, raptado e assassinado pelas Brigadas Vermelhas.
A ideia continha boas intenções, mas intragável para conservadorismos e extremismos da direita e da esquerda.