segunda-feira, junho 06, 2011

"O VOTO EM PORTUGAL
COM POUCA ESPERANÇA"

(Artigo do jornal La Repubblica de 05 / 06 / 2011)

Quem deverá gerir o plano de lágrimas e sangue e salvará Portugal? A resposta sairá, esta noite, das urnas das eleições legislativas.
Andam à volta de 9,6 milhões os portugueses chamados até às 20 de hoje, a fim de renovar o parlamento monocâmara de Lisboa e decidir quem guiará o novo governo.

A campanha eleitoral não deixou grandes espaços aos programas. Quem quer que seja o vencedor deverá acertar contas, nos próximos quatro anos, com as medidas de austeridade e as reformas “prometidas”, no mês passado, à UE, Banco Central Europeu e FMI em troca de apoio financeiro à economia portuguesa no limiar da bancarrota.

Com o índice de desemprego mais alto de há trinta anos a esta parte e no horizonte um futuro de sacrifícios e renúncias, o País poderia exprimir todo o seu descontentamento desertando as urnas, embora as sondagens da véspera, diferenciando-se do que aconteceu na Espanha, não punem o Governo cessante. O favorito é, sim, o líder da oposição e do Partido Social-Democrata - que em Portugal é de centro-direita (a) -, Pedro Passos Coelho; nas intenções de voto, a distância com o primeiro-ministro demissionário, o socialista José Sócrates, reduz-se a um ponto percentual: 36% contra 35%. (b)

Decisivo, portanto, para a formação de um governo moderado de coalizão, poderá contribuir o segundo partido nacional de centro-direita, o CDS de Paulo Portas, acreditado com um 12% de consensos.

As eleições políticas antecipadas foram fixadas pelo Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, após a demissão de Sócrates, posto em minoria no Parlamento, em inícios de Abril, no momento da apresentação do enésimo (o quarto) “aperto de cinto” antidéfice num ano. Um mês depois, Lisboa teve de negociar com a UE, BCE e FMI um plano de apoio financeiro de 78 mil milhões de euros. […]

(a) O esclarecimento que o “partido social-democrata” em Portugal é de centro-direita, fez-me sorrir, pois veio ao encontro do que sempre pensei. Considero uma espécie de abuso que um partido conservador se intitule social-democrata.

(b) Quer La Repubblica quer o Corriere Della Sera e outros jornais italianos aludiram a sondagens precedentes aos últimos dias de campanha eleitoral.
Há uma lei italiana - lei 28 / 2000 - que proíbe, “nos 15 dias precedentes à data de votação, a publicação de sondagens sobre o êxito das eleições e sobre orientações políticas e de voto dos eleitores, precisamente para evitar influências mediáticas sobre os indecisos de qualquer uma das partes”.

Não sei se houve alterações nesta lei. Se houve, mantiveram-se os pontos fulcrais. Sei, portanto, que nos últimos dias de campanhas eleitorais a imprensa italiana não publica sondagens.
Medida muito correcta, na minha opinião. Consequentemente, achei muito estranho que o nosso jornal “Público” de sexta-feira passada, último dia de campanha, publicasse a enésima sondagem em primeira página e com grande relevo.
Correcto? Não, decididamente incorrecto para quem se crê ou deveria ser equidistante, mesmo que em Portugal isto seja permitido.

Mas ainda não satisfeito, num editorial de sábado, dia 4, o "Público" acha anacrónico o dia de reflexão.
Ora, já que dedicam grande predilecção a sondagens, torna-se falta imperdoável desviar a atenção do cansaço dos cidadãos, ante a insistente propaganda política. Um dia de pausa, por consequência, é salutar e indispensável; jamais “um anacrónico silêncio”.

Cumpriu-se o acto eleitoral, as urnas determinaram quem deve conduzir o nosso País fora da bancarrota que nos ameaça. Fiquei satisfeita que se tivesse delineado uma maioria sólida.
Oxalá cultivem o bom senso, um grande sentido de responsabilidade e excluam, taxativamente, inoportunas tácticas de baixa política.

Aplaudi o discurso de Sócrates e apreciei a decisão que tomou. Não apreciei a pouca elegância dos vencedores para com os vencidos.
Em democracia, ora se ganha ora se perde, e não seria democracia se assim não fosse. A mesquinhez é que nunca deve fazer parte de qualquer programa ou tema oratório.