“AS FÉRIAS DO ASSASSINO”
Tantos casos da semana que envolveram e condicionaram a minha atenção!
Na Itália, por exemplo, ontem e hoje (até ás 13h – hora portuguesa) votou-se um referendo que submetia os eleitores à ab-rogação ou não de quatro quesitos: energia nuclear; privatização da água; lucros sobre a água; “legítimo impedimento” (a sólita lei que permite a Berlusconi de escapar a prestar contas à justiça). Mas falarei disto noutra ocasião.
De novo, quero falar do ex-terrorista César Battisti, classificado, pelo jornal “Público, como “guerrilheiro e suspeito membro da organização radical Proletariado Armado pelo Comunismo”. Guerrilheiro de qual causa? Nem guerrilheiro nem suspeito, mas comprovadamente membro das brigadas terroristas.
O Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil negou à Itália a extradição deste plúrimo assassino, condenado a prisão perpétua por tribunais independentes de um país democrático e que jamais agiram fora das normas que a Constituição lhes impõe.
César Battisti nunca foi um perseguido político – uma tese supremamente ridícula e ultrajosa -, nunca foi um inocente, nunca mostrou arrependimento pelos quatro homicídios por que foi condenado. Preferiu uma vida de eterno fugitivo em vez de assumir responsabilidades.
Embora Berlusconi dê, presentemente, uma triste imagem da Itália, este país continua e será um Estado democrático e civilizado. Logo, alheio a praticas jurídicas que atropelem os direitos humanos.
São indecentes certas apreciações a propósito do caso Battisti, formuladas por gente que nada sabe do que foi o terrorismo das “Brigadas Vermelhas”, e é isto que me indigna.
Já aqui falei deste assunto, pois conheço-o bem. Pude seguir e testemunhar, in loco, esse período de chumbo que ensanguentou a Itália e que foi debelado pela união de todas as forças políticas (inclusive o forte partido comunista italiano); por uma magistratura que pagou um oneroso tributo de sangue; por um país que jamais recorreu a leis excepcionais. Outros países podem dizer o mesmo?
Deploro a atitude do Brasil. Deploro Lula da Silva que, pouco antes de cessar o seu mandato, negou essa extradição, agindo em contradição com o que o STF determinara. Deploro a atitude da Presidente Dilma Roussef que deveria manter silêncio, em vez de comentar, qual resposta à reacção indignada italiana, que “as decisões do STF não se discutem”. Se é assim, por que razão, há dois anos, Lula da Silva as ignorou?
Deploro a péssima informação dos meios de comunicação brasileiros (assim como na França). Se querem demonstrar seriedade profissional, que se informem e nunca se cansem de obter esclarecimentos. São facílimos de encontrar numa vastíssima documentação clara e irrefutável.
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O título deste post – “As Férias do Assassino” - pertence a um artigo de Cláudio Magris – um dos grandes da intelectualidade italiana e editorialista do Corriere Della Sera – publicado no dia 11 de Juno 2011.
Transcrevo parte desse artigo. Vindo de tão ilustre personagem, exprime idoneamente o sentimento geral italiano, perante o comportamento incorrecto de países que se pensava respeitassem certas normas.
«Portanto, César Battisti, o “killer” que assassinou quatro pessoas e tornou paralítica, para sempre, uma quinta – sem nunca demonstrar, ao contrário de outros colegas no crime, arrependimento pelos seus delitos ou piedade pelas suas vítimas e relativos familiares, exceptuando uma apressada declaração destas últimas horas – poderá, agora, gozar deliciosas férias em Copacabana e cultivar as suas amizades da alta.
A França – que, em tempos, recusou a extradição de Battisti para Itália – é talvez o melhor país do mundo, aquele que combina na medida mais feliz ou infeliz ordem e liberdade, os dois pólos da vida civil. Mas também a França é berço de qualquer presunçoso, frequentemente ignorante, conventículo intelectualóide que emite juízos ignorando os factos.
Neste caso, por pura ignorância e coquetismo, alguns autênticos e/ou pretensos intelectuais trocaram Battisti por um mártir da Resistência; como se nós declarássemos que o fascistóide anti-semita Papon é um herói da “Résistence”.
Com os terroristas de casa própria, quais os membros de «Action Directe», o governo francês usou o punho de ferro e não se verificaram grandes protestos.
As Brigadas Vermelhas – “estes miseráveis da política que desonraram uma cor para nós sagrada”, disse o Presidente Pertini – atingiram a Itália mais aberta e civilizada. Não assassinaram os corruptos, mafiosos ou golpistas (o que seria sempre um crime grave), mas os representantes da Itália melhor, uma Itália mais livre e democrática que poderia ter sido diversa do que é hoje: homens como o advogado Croce; o operário comunista Guido Rossa; jornalistas como Carlo Casalegno e Walter Tobagi; o professor Bachelet e muitos outros, entre os quais numerosos magistrados. […]
Agora Battisti poderá escrever em paz os seus livros policiais – ou melhor, "noir", soa mais fascinante – já que é um género onde se move com desenvoltura, dada a sua familiaridade com assassínios. […] »
(o negrito é meu)
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