“PAGAR OS IMPOSTOS É BELÍSSIMO E CIVILIZADÍSSIMO”
Numa festa de amigos e devido a uma paragem cardíaca, sábado à noite faleceu uma grande figura da vida pública italiana, Tommaso Padoa-Schioppa: economista, grande europeísta, artífice da criação do euro
Os jornais foram exaustivos na descrição biográfica e da importância, quer na Europa, quer na política italiana, desta ilustre personagem.
Fiquei impressionada com a sua morte, pois era uma pessoa que sempre admirei, precisamente pelo seu europeísmo, pela sua bonomia, integridade e incontestável qualidade de autêntico homem de Estado.
.
Numa festa de amigos e devido a uma paragem cardíaca, sábado à noite faleceu uma grande figura da vida pública italiana, Tommaso Padoa-Schioppa: economista, grande europeísta, artífice da criação do euro
Os jornais foram exaustivos na descrição biográfica e da importância, quer na Europa, quer na política italiana, desta ilustre personagem.
Fiquei impressionada com a sua morte, pois era uma pessoa que sempre admirei, precisamente pelo seu europeísmo, pela sua bonomia, integridade e incontestável qualidade de autêntico homem de Estado.
.
Imediatamente recordei uma sua afirmação, muito serena, sobre os impostos - que toda a imprensa, ontem, pôs em relevo - durante uma entrevista de 2007“:
A polémica anti-impostos é irresponsável. Devemos ter a coragem de dizer que os impostos são uma coisa belíssima e civilizadíssima; um modo de contribuir, todos juntos, para os bens indispensáveis como a saúde, a segurança, a instrução e o ambiente”.
Impossível não dar-lhe razão, quando os impostos são indiscriminadamente proporcionados e justos.
Falando de Tommaso Padoa-Schioppa, não posso deixar de aludir aos habituais clichés, para mim extremamente antipáticos e injustos, sobre “os Italianos”.
Referindo-me ao Povo italiano, ao Pais Itália, considero-o um povo de excelentes qualidades, generoso e inventivo; uma pátria de homens (e mulheres) de grande valor. Os Padoa-Schioppa abundam naquele país.
E quando me falam de máfias, há um facto que supera essa realidade: a coragem de grande número de magistrados que cumprem o seu dever, correndo o perigo de serem assassinados; um apreciável número de valorosos juízes que já perderam a vida por esse mesmo motivo.
Tem apenas duas desgraças que tenta corrigir uma e suportar a outra.
A polémica anti-impostos é irresponsável. Devemos ter a coragem de dizer que os impostos são uma coisa belíssima e civilizadíssima; um modo de contribuir, todos juntos, para os bens indispensáveis como a saúde, a segurança, a instrução e o ambiente”.
Impossível não dar-lhe razão, quando os impostos são indiscriminadamente proporcionados e justos.
Falando de Tommaso Padoa-Schioppa, não posso deixar de aludir aos habituais clichés, para mim extremamente antipáticos e injustos, sobre “os Italianos”.
Referindo-me ao Povo italiano, ao Pais Itália, considero-o um povo de excelentes qualidades, generoso e inventivo; uma pátria de homens (e mulheres) de grande valor. Os Padoa-Schioppa abundam naquele país.
E quando me falam de máfias, há um facto que supera essa realidade: a coragem de grande número de magistrados que cumprem o seu dever, correndo o perigo de serem assassinados; um apreciável número de valorosos juízes que já perderam a vida por esse mesmo motivo.
Tem apenas duas desgraças que tenta corrigir uma e suportar a outra.
Primeiro, uma classe política que, de vez em quando, dá à luz certos abortos.
Segundo, um estado religioso, encastoado no seu território, cujos dirigentes entendem que a Itália continua a ser feudo do Vaticano ou um seu vassalo político. Todas as ocasiões são oportunas (inoportunas, na minha opinião) para se intromenter nas decisões políticas italianas.
Sempre me desagradou a complacência como, tacitamente, apoia um governo de centro-direita, apesar de conduzido por um primeiro-ministro moralmente execrável. Tenho muita dificuldade a compreender e explicar essa atitude.
Sem diplomacias nem reticências, de uma maneira muito forte, explicá-lo-á um sacerdote de Génova, numa carta aberta ao presidente da Conferência Episcopal Italiana, Ângelo Bagnasco, a propósito do voto de confiança que foi superado por três votos - o governo conduziu bem o “mercado das vacas”, segundo a expressão mais usada.
O cardeal Bagnasco, ignorando esse mercado, achou por bem emitir o seu juízo: “Repetidamente os italianos exprimiram-se com um desejo de governabilidade. Esta vontade, este desejo expresso em modo claro e democrático, deve ser respeitado por todos com boa vontade e honestidade”
Segundo, um estado religioso, encastoado no seu território, cujos dirigentes entendem que a Itália continua a ser feudo do Vaticano ou um seu vassalo político. Todas as ocasiões são oportunas (inoportunas, na minha opinião) para se intromenter nas decisões políticas italianas.
Sempre me desagradou a complacência como, tacitamente, apoia um governo de centro-direita, apesar de conduzido por um primeiro-ministro moralmente execrável. Tenho muita dificuldade a compreender e explicar essa atitude.
Sem diplomacias nem reticências, de uma maneira muito forte, explicá-lo-á um sacerdote de Génova, numa carta aberta ao presidente da Conferência Episcopal Italiana, Ângelo Bagnasco, a propósito do voto de confiança que foi superado por três votos - o governo conduziu bem o “mercado das vacas”, segundo a expressão mais usada.
O cardeal Bagnasco, ignorando esse mercado, achou por bem emitir o seu juízo: “Repetidamente os italianos exprimiram-se com um desejo de governabilidade. Esta vontade, este desejo expresso em modo claro e democrático, deve ser respeitado por todos com boa vontade e honestidade”
.
Transcrevo alguns extractos dessa carta do padre Paolo Farinella. Será uma selecção difícil.
Senhor Cardeal
Esperávamos que não participasse no jantar governativo do mercado dos cardeais, que tivesse sido excluído pelo Secretário de Estado, cardeal Tarcísio Bertone, sobre o qual já abandonámos qualquer veleidade de conversão.
Transcrevo alguns extractos dessa carta do padre Paolo Farinella. Será uma selecção difícil.
Senhor Cardeal
Esperávamos que não participasse no jantar governativo do mercado dos cardeais, que tivesse sido excluído pelo Secretário de Estado, cardeal Tarcísio Bertone, sobre o qual já abandonámos qualquer veleidade de conversão.
Entre os dois, o Senhor surgia como um gigante, embora em miniatura, não obstante o seu silêncio ou, pior ainda, o seu falar por alusões sobre todo o caso Berlusconi. Depois, inesperadamente, o senhor rompe o silêncio para dizer, com linguagem curial, que “o País pede governabilidade”
Quem lhe disse que o País solicita a governabilidade deste governo, chefiado por um mafioso corrupto e corruptor que reduziu a nação a um farrapo sujo, como demonstra o mercado impudente de parlamentares, a fim de não afundar e salvar-se dos tribunais?
O Senhor sabe que Berlusconi é minoria no País, mas o Senhor, os seus colegas bispos e o Vaticano, obscenamente, contribuem para o manter de pé, porque vos convém e porque ele prometeu que fará tudo o que vós lhe pedireis.
Em vez de estar da parte dos justos, vós escolhestes de imergir-vos na sentina e de renegar a vossa própria moral, aquela que exige o prosseguimento do bem comum, que condena o latrocínio, a corrupção, a mentira, o perjúrio. (…) Para não censurar um homem que envenenou um País inteiro com a sua violência e a sua imoralidade. (…).
Emanou trinta e nove “leis privadas” e vós ficastes calados!
O Senhor não falou, quando o seu protegido se divertia com menores; (…) virou a cara para o outro lado, quando transformou os seus palacetes em sedes institucionais com decreto da presidência do conselho, destinando-os a lupanares com prostitutas a pagamento, meninas e senhoras (?!) que se ofereciam em troca de lugares no Parlamento ou na TV.
Ficou calado, quando (…) tomou de assalto o Parlamento, ultrajando a última margem de democracia, comprando e corrompendo deputados e senadores, prometendo encargos e distribuindo dinheiro.
O Senhor não perde ocasião para falar de «princípios não negociáveis». Onde estava, quando todos estes princípios, sobre os quais se baseia a moralidade pública, foram espezinhados, escarnecidos, violentados por um homem que definir perverso é elogiá-lo?
Onde estava, quando ele inoculava o vírus do egoísmo individualista, destruindo o património solidário e cooperativo que é a força do nosso povo?
Onde estava, quando ele enaltecia a evasão fiscal, o desprezo pelas instituições e promulgava leis contra o direito internacional, contra os pobres imigrantes, imagem perfeita de Cristo Crucificado?
Onde estava, quando ele legislava contra os trabalhadores, aumentando os precários e os desempregados, a fim de manobrá-los contra o contrato nacional de trabalho?
Onde estava, quando ele transferia para as escolas católicas o dinheiro da evasão fiscal, da máfia, da prostituição, da droga e da reciclagem (ver «escudo fiscal»)? (1)
(…) A vossa prostituição de bispos e de pretensos garantes da moralidade de conveniência exclui-vos da assembleia da civilização e coloca-vos no inferno berlusconiano onde «tutti fuor cherci questi chercuti» (Divina Comédia, Inferno, VII) (2) que povoam o “pied à terre” berlusconiano e a sua corte, onde vós, bispos, vos contentais de ser servos, escravos e diáconos obsequentes. Como podeis falar do Reino?
Nós não aceitamos e responsabilizamos-vos pela queda ética da Itália, da ruína democrática e da corruptela berlusconista que vós apoiais e compartilhais.
Quem lhe disse que o País solicita a governabilidade deste governo, chefiado por um mafioso corrupto e corruptor que reduziu a nação a um farrapo sujo, como demonstra o mercado impudente de parlamentares, a fim de não afundar e salvar-se dos tribunais?
O Senhor sabe que Berlusconi é minoria no País, mas o Senhor, os seus colegas bispos e o Vaticano, obscenamente, contribuem para o manter de pé, porque vos convém e porque ele prometeu que fará tudo o que vós lhe pedireis.
Em vez de estar da parte dos justos, vós escolhestes de imergir-vos na sentina e de renegar a vossa própria moral, aquela que exige o prosseguimento do bem comum, que condena o latrocínio, a corrupção, a mentira, o perjúrio. (…) Para não censurar um homem que envenenou um País inteiro com a sua violência e a sua imoralidade. (…).
Emanou trinta e nove “leis privadas” e vós ficastes calados!
O Senhor não falou, quando o seu protegido se divertia com menores; (…) virou a cara para o outro lado, quando transformou os seus palacetes em sedes institucionais com decreto da presidência do conselho, destinando-os a lupanares com prostitutas a pagamento, meninas e senhoras (?!) que se ofereciam em troca de lugares no Parlamento ou na TV.
Ficou calado, quando (…) tomou de assalto o Parlamento, ultrajando a última margem de democracia, comprando e corrompendo deputados e senadores, prometendo encargos e distribuindo dinheiro.
O Senhor não perde ocasião para falar de «princípios não negociáveis». Onde estava, quando todos estes princípios, sobre os quais se baseia a moralidade pública, foram espezinhados, escarnecidos, violentados por um homem que definir perverso é elogiá-lo?
Onde estava, quando ele inoculava o vírus do egoísmo individualista, destruindo o património solidário e cooperativo que é a força do nosso povo?
Onde estava, quando ele enaltecia a evasão fiscal, o desprezo pelas instituições e promulgava leis contra o direito internacional, contra os pobres imigrantes, imagem perfeita de Cristo Crucificado?
Onde estava, quando ele legislava contra os trabalhadores, aumentando os precários e os desempregados, a fim de manobrá-los contra o contrato nacional de trabalho?
Onde estava, quando ele transferia para as escolas católicas o dinheiro da evasão fiscal, da máfia, da prostituição, da droga e da reciclagem (ver «escudo fiscal»)? (1)
(…) A vossa prostituição de bispos e de pretensos garantes da moralidade de conveniência exclui-vos da assembleia da civilização e coloca-vos no inferno berlusconiano onde «tutti fuor cherci questi chercuti» (Divina Comédia, Inferno, VII) (2) que povoam o “pied à terre” berlusconiano e a sua corte, onde vós, bispos, vos contentais de ser servos, escravos e diáconos obsequentes. Como podeis falar do Reino?
Nós não aceitamos e responsabilizamos-vos pela queda ética da Itália, da ruína democrática e da corruptela berlusconista que vós apoiais e compartilhais.
Por este motivo, não tendes a autoridade de falar de ética e muito menos de Deus e o Evangelho que vós renegastes para sentar-vos à mesa com o corruptor mais imoral que jamais existiu. (…)
Em nome de Deus, bispos e cardeais, regressai ao Evangelho e ao vosso Povo do qual vos separastes por interesses gananciosos, pecando e delinquindo com quem, da delinquência fez um sistema de poder e de governo.
Vós já não podeis celebrar a Eucaristia com boa e recta consciência
Génova, 17 de Dezembro 2010
Paolo Farinella, padre - San Torpete, Génova
*****
Uma carta aberta muito, mas muito forte. Não consta que tenha havido reacções judiciárias ou penalidades eclesiásticas.
Alda M. Maia
(1) Escudo Fiscal – regresso (quase gratuito) de dinheiro dos paraísos fiscais de mafiosos e de quem foge ao fisco.
(2) [que género de pecadores são estes, e se estes tonsurados, que estão à nossa esquerda, foram todos clérigos. / Todos quantos foram cegos… Canto V, círculo do Inferno]
Em nome de Deus, bispos e cardeais, regressai ao Evangelho e ao vosso Povo do qual vos separastes por interesses gananciosos, pecando e delinquindo com quem, da delinquência fez um sistema de poder e de governo.
Vós já não podeis celebrar a Eucaristia com boa e recta consciência
Génova, 17 de Dezembro 2010
Paolo Farinella, padre - San Torpete, Génova
*****
Uma carta aberta muito, mas muito forte. Não consta que tenha havido reacções judiciárias ou penalidades eclesiásticas.
Alda M. Maia
(1) Escudo Fiscal – regresso (quase gratuito) de dinheiro dos paraísos fiscais de mafiosos e de quem foge ao fisco.
(2) [que género de pecadores são estes, e se estes tonsurados, que estão à nossa esquerda, foram todos clérigos. / Todos quantos foram cegos… Canto V, círculo do Inferno]
2 Comments:
Viva, Alda
Até se fica sem fôlego ao ler esta carta do padre Paolo Farinella. Tanta objectividade no seu Manifesto Anti-Cardiais e Bispos não é para todos.
Muito menos para atingir um ponto extremamente débil da corporação a que pertence. E as suas delicadas e íntimas ligações às instituições do Poder.
Tommaso Padoa-Schioppa
Não o conhecia, mas a sua opinião acerca dos impostos são de relevar. E tem que se lamentar que não haja mais consenso nesta matéria e que a sua utilização para o Bem Público não seja mais facilmente constatável, com mais rigor.
Deixo-lhe, nesta oportunidade, os meus mais cordiais votos de Felicidade, até pelo simbolismo da quadra que atravessamos.
António
Como está, António?
Ontem não acendi o computador; só hoje tomei conhecimento do seu comentário que agradeço.
Dá gosto saber que existe quem nos leia com atenção, exactamente como faz o António. E como estamos em matérias italianas, agradeço-lhe naquela língua: MILLE GRAZIE. E se digo "un milione di grtazie", também o merece.
O padre Farinella, efectivamente, não tem mesmo papas na língua.
Os homens do Vaticano não se apercebem, ou preferem ignorar, que grande parte do rebanho que pretendem guiar não está em sintonia com estas tácticas de pretensos pastores de almas.
Acredite, às vezes irritam-me.
Sobre Padoa-Schioppa, se o conhecesse, estimá-lo-ia.
Também aqui exprimo-lhe votos de Boas Festas. Todavia, reservo-me de lhos exprimir mais directamente no seu blogue.
Um grande abraço a toda a Família.
Alda
Enviar um comentário
<< Home