segunda-feira, dezembro 27, 2010

NOTAS SOLTAS

Iniciemos com uma asserção de D. Januário Torgal Ferreira, em conversa com Ana Paula Correia, do Jornal de Notícias, sobre prendas de Natal.
Ao Presidente da República ofereceria uma enciclopédia de cultura geral”.

Se D. Januário me permite, sugerir-lhe-ia de enriquecer essa oferta com o “Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa”, de Rebelo Gonçalves, pois se o Presidente da República alguma vez o tivesse consultado, usaria mais cautela nos assuntos linguísticos que nos dizem respeito.

O Sr. Prof. Cavaco Silva foi um dos impulsionadores da "obra-prima" já ratificada: «Acordo Ortográfico 90».
Continua a pugnar pela defesa da nossa língua, e muito bem. Todavia, parece que esta nossa língua – insisto: esta nossa língua – não entra muito nos variados ramos dos seus profundos saberes.
Apenas uma observação, Sr. Presidente: a palavra “equitativo” não se pronuncia ekitativo, mas ekuitativo (veja, no dicionário, a representação fonética kwi)

Console-se, Sr. Presidente, pois está em boa companhia. Na Assembleia da República, por vezes, as regras da concordância andam aos boléus, juntamente com algumas calinadas que este nosso português de Portugal vai aguentando.
Também me coube ouvir, sempre na AR, o uso de vocábulos rebuscados que nada vinham a propósito com o sentido do que se desejava comunicar.

E agora, fora do areópago político, a calinada absolutamente imperdoável e, paralelamente, dotada de involuntária comicidade, denunciou-a Francisco Miguel Valadas, no jornal Público de segunda-feira passada, dia 20, acerca dos autores do Acordo Ortográfico.
(…) os autores escreveram “insersão” em vez de inserção, no título do ponto 7.1 da Nota Explicativa. Este erro foi mencionado por Maria Helena Mira Mateus, num parecer datado 28.10.2005 e recebido em 31.10.2005 pelo Instituto Camões. Lamentavelmente, este erro manteve-se numa edição de Janeiro de 2009 da Imprensa Nacional – Casa da Moeda”.

Esta “insersão” na Nota Explicativa de um “doutíssimo” acordo ortográfico provoca ou não uma certa vontade de rir? Sim, mas também uma grande tristeza.

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Por honestidade de pensamento, não esqueçamos que nas referidas calinadas – seja-me perdoado o termo que escolhi - todos podemos tropeçar em qualquer momento.
O nosso idioma (todas as línguas cultas, aliás) está recheado de múltiplas ratoeiras. Por muito que tentemos conhecê-la e praticá-la com a máxima correcção, os deslizes, por vezes, sucedem.

Compreendem-se e absolvem-se nas pessoas normais e que não assumem atitudes doutorais de infalibilidade em tal matéria.
Tornam-se incompreensíveis, pelo contrário, em quem usa a própria língua como matéria-prima exclusiva da sua actividade: escritores e jornalistas, por exemplo. Acrescentemos, também, em quem ocupa altos cargos representativos de um país.
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Num livro de Lobo Antunes – não recordo qual – vi a palavra “vossemecê” escrita vossemessê. O erro repetiu-se por três ou quatro vezes, o que já não pode ser catalogado como gralha tipográfica.

Há calinadas, porém, que provocam sorrisos divertidos, mas não desprezativos.
Recordo o pai de um meu aluno da terceira classe – o terceiro ano da nomenclatura pós-25 de Abril.
Exercia a profissão de barbeiro e gostava de alardear as tais “palavras caras” com toda a prosápia de barbeiro instruído.
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A barbearia situava-se perto da escola (estrada Famalicão-Guimarães), em frente da paragem dos autocarros (naquele tempo chamavam-se camionetas).
Enquanto esperava o transporte que me levaria de regresso a casa, frequente e involuntariamente assistia à conversa deste artista da barba e cabelos com os habituais clientes ou conhecidos, à porta do estabelecimento.
Também frequentemente, tinha de fazer um esforço enorme para não rir das pomposas calinadas com que pretendia impressionar o interlocutor. E esta vontade de rir tornava-se num suplício, quando me lançava uma mirada significativa: “Estás a ver como eu sei falar bem”. E a camioneta que não chegava!...

Um dia, o filho faltou á escola e o pai mandou um bilhete empolado e prolixo, cheio de erros ortográficos e sintácticos, justificando a ausência da criança.
Não recordo o texto completo, mas a colocação e escolha dos termos nunca as esqueci. Faço um pequeno resumo, com a sintaxe correcta para melhor compreensão.

Senhora Professora: Tenho o obséquio de lhe dizer que o meu filho teve de ficar deitado no leito da cama por uma insípida constipação e uma principal dor de cabeça... etc., etc.

Como não podia deixar de ser, este bilhete, provindo de um conhecido petulante, foi causa de grande hilaridade entre os professores.
Comentário de uma colega: Alda, temos de encaixilhar isto.
A mensagem não foi encaixilhada, obviamente, mas conservei-a por muito tempo.
Alda M. Maia