domingo, dezembro 06, 2009

DEMOCRACIA E LEGALIDADE

“Hoje em dia, é tacitamente aceite, ou quase, que as democracias vivem no imediato e não forjam medidas para o futuro, para as necessidades e problemas do futuro” – Giovanni Sartori.

Ouvindo parte do debate de sexta-feira passada na Assembleia da República, partindo do que Giovanni Sartori aponta como uma critica, pensei nos nossos problemas e necessidades imediatas, os quais pesam toneladas na suportação do hoje e apresentam negrumes nas incertezas do amanhã.

Assim, o que esperaria dos nossos representantes seria um empenho unânime sobre o que aflige a economia portuguesa, além da existência de um alto índice de desemprego. È normal que expressem essa diligência dentro das mais acesas discussões, das razões mais contrastantes, das argumentações mais variegados.

Afinal, o que se verificou e qual foi esse único e exclusivo empenho?
Toda a oposição, em vez de encalçar o Governo no que crêem não ser justo ou que deve ser de primária importância, entendeu dar lugar a diatribes sobre as escutas telefónicas do Primeiro-Ministro e ao pedido, inquisitorial, de esclarecimentos acerca da “espionagem política” – frase retórica e inoportuna que o ministro da Economia, Vieira da Silva, poderia ter evitado.

Quanto ardor e quanto azedume, numa questão que depende de uma autoridade soberana, independente, qual é a magistratura!
Quando é que despirão as vestes de campanha eleitoral?

No que diz respeito a frases infelizes – sempre concernentes ao processo “Face Oculta” – houve afirmações que me deixaram boquiaberta.

No programa “Prós e Contras”, o professor de Direito Penal, Paulo Pinto Albuquerque, asseriu que essas famosas escutas deveriam ser reveladas: “não por relevância penal, mas por relevância social”.

Decididamente, não aproveitei nada do tanto que li sobre a função do poder judiciário!

A este órgão de soberania cabe-lhe a “relevância penal” e, sobre essa relevância - somente sobre essa - apurar a verdade e aplicar a lei ou também se deve preocupar com problemas sociais?!
Ainda pensei ter confundido a especialização do professor Albuquerque, pensando-o professor de Filosofia do Direito, por exemplo (neste momento, veio-me à ideia Norberto Bobbio). Mas não. É mesmo professor de Direito Penal.

Também ouvi falar que, sempre nas mui citadas escutas, se aventou um possível “crime contra o Estado de direito”. Crime ou crimes?
O Estado de Direito – se também, aqui, não assimilei mal – é toda a estrutura de uma democracia: “liberdade individual, cultura legal, separação de poderes, Constituição”.
Será que temos epónimos de Che Guevara no executivo?

Moral da história: não seria recomendável, aos eleitos do povo, que saibam pensar, sempre, duas ou as vezes necessárias e usando o bom senso, antes de lançar às plateias conceitos reboantes?
Se disso não serão capazes, mudem de actividade. O País apenas necessita de serenidade e firme determinação, da parte de todas as forças políticas, em procurar a solução dos problemas que o apoquentam.

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Democracia e Legalidade
: este foi o tema de uma consistente polémica entre uma grande editorialista italiana (Bárbara Spinelli) e um político, ex-magistrado (Luciano Violante).

O político (centro-esquerda), em resposta a um artigo da editorialista, a qual desenvolvia o princípio que não pode haver alternativa entre democracia e legalidade, pois são sinónimos, Violante defende o seguinte:
“Nas democracias ocidentais, quem é investido pela soberania popular (princípio democrático) tem um estatuto particular.
Enquanto todos os cidadãos são iguais perante a lei (princípio de legalidade), os eleitos para os mais altos cargos do Estado podem ser isentos da responsabilidade penal ou, em modo absoluto, por determinados crimes e a tempo, no período que exercem um específico cargo político”.

E mais uma vez, conhecendo bem os problemas judiciários de Berlusconi e a sua tese funambulesca que, sendo ele o supremo (?) eleito do povo, não pode ser perturbado com processos penais, fiquei desconcertada.

A ambiguidade de Luciano Violante não me surpreende. Aspira à Presidência da República (assim me parece) e estende a mão à maioria berlusconiana. Todavia, acho inaceitável e aberrante a sua concepção de legalidade.

Na minha maneira de ver a política, entendo que os seus representantes devem cultivar uma única ideia de isenção: estar acima de qualquer suspeita sobre a própria integridade. Se têm problemas com a justiça, que os resolvam, antes de pretenderem entrar na arte de administrar a coisa pública.

A senhora Bárbara Spinelli não deixou Violante sem resposta - resposta esta que aplaudo fragorosamente:
O que critiquei, no meu artigo de 29 de Novembro, é a presumível antinomia entre o princípio democrático e o princípio de legalidade.
A antinomia não existe, pelo simples facto que a democracia, a Constituição prescreve-o claramente no artigo 3, tendo como ponto fixo a igualdade dos cidadãos perante a lei. Separar os dois princípios destrói, seja a democracia, seja a legalidade
”.
Alda M. Maia