sábado, julho 26, 2008

E TODAVIA...
APLAUDO O SENHOR BASTONÁRIO

A polémica acalmou-se. Talvez o período de férias tivesse contribuído para serenar os ânimos, mas a minha curiosidade continuou desperta.

Explico, desde já, por que aplaudo o Bastonário da Ordem dos Advogados: sempre me mereceram simpatia, e merecem, as pessoas que rompem com o nosso atávico comportamento subalterno e conformista, perante os poderes instalados.
Nem sempre posso estar de acordo com as opiniões que exprime, porém, não é dessas que desejo escrever, mas das acusações e denúncias que extravasou, alto e bom som.

Segui com redobrado interesse as várias peripécias. Resumem-se num esgrimir de acusações e um contra-ataque de senhorial desdém, o qual se pode traduzir deste modo: como se atreve este provinciano a importunar-nos, sobretudo a nós, classe elitista da Capital?!

Bem sei que a impetuosidade de António Marinho Pinto se assemelha à conhecida imagem do elefante numa loja de cristais. Há uma diferença, todavia: não escaqueirou cristais, mas demoliu os ícones da intocabilidade e abanou status quo que os bem pensantes consideram legítimos e naturais.
As reacções concentraram-se, então, no “populismo” do Sr. Bastonário.

Segui as suas performances delatoras através de transmissões televisivas. Li, na íntegra, a carta que enviou a todos os advogados.

Sintetizar no vocábulo “populismo” as acusações do Bastonário, isto, sim, que se demonstra genérico.
Não havendo argumentos sólidos que contradigam, em absoluto, as censuras que lançou em várias direcções, recorre-se ao estafado termo populismo. Adapta-se a todas as circunstâncias; neste caso, será a chave oportuna, a fim que nada mude.

Entretanto, para quem tem o hábito de reflectir, muitas interrogações tornam-se inevitáveis.
É populista pela forma como denunciou mazelas que, afinal, são facilmente detectáveis? Inventou situações, actos ou circunstâncias inexistentes?
Deveria usar tons de diplomacia hipócrita e hermética, para que a poeira do tacitamente estabelecido e conformadamente aceite não fosse levantada?

Resolveu partir a louça; mas já a partia antes de ser eleito bastonário.
Os que agora se escandalizam com o modo rude de quebrar o verniz que se pressupunha duradoiro, já se interrogaram sobre a razão por que este irreverente advogado e jornalista foi o mais votado em todas as eleições? Não significou um certo mal-estar dos advogados eleitores?

Mas como é um populista, pretende a simpatia do povo. Ora, o povo é uma massa de ignorantes, incapaz de pensar com o próprio cérebro; logo, tais acusações, forçosamente, devem ser genéricas.
Para que os letrados as tomem em consideração, necessita-se de nomes, filiação, data de nascimento; data, hora e local das prevaricações: doutra forma, não merecem credibilidade!

Mas deixemo-nos de ironias. Quem lê com atenção a carta – creio mais adequado chamar-lhe documento - que enviou a todos os colegas e quem recorda as suas intervenções televisivas, não fica com a ideia que formule acusações genéricas.
Pelo contrário, indica factos, localiza anomalias, fornece cifras (estonteantes!), insurge contra posturas arrogantes de certos magistrados, alude à escassez de polícia nas ruas, manifesta uma clara opinião sobre as defesas oficiosas: tudo isto deve ser catalogado como “acusações genéricas”?!
Gostaria de ver menos enfatuação e maior culto pelo equilíbrio e autocrítica.

O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça verberou como “inqualificáveis e reveladoras de falta de cultura” as críticas feitas aos juízes.
Não tenho nenhuma dificuldade em considerar de mau gosto a frase que comparava alguns magistrados aos agentes PIDE.

Abstraindo esta queda de estilo, o Presidente do STJ, o Conselho Superior da Magistratura ou os órgãos disciplinares competentes, defronte às acusações de atitudes pouco idóneas da parte de certos juízes, em vez de reacções desdenhosas ou exigirem que se faça denúncias formais – como alvitra o Dr. Luís Menezes Leitão – não seria o caso de procurar investigar, cautelosa e meticulosamente, o que se passa nos tribunais do nosso País?

Por que não colhem a oportunidade de apurar se este sublevador de águas estagnadas as agitou com razão de causa e, consequentemente, tais águas merecem que lhes sejam restituídas vida e limpidez?

Alguma vez perderam tempo a auscultar o estado de ânimo de quem deve recorrer à Justiça?
Pondo de lado os aspectos graves que enfermam o sistema judiciário português e aludindo apenas à acção dos magistrados, teriam ouvido, como eu já ouvi, exteriorizações preocupadas sobre a qualidade do juiz e, portanto, a consequente renúncia em busca de justiça: “Recorreria ao Tribunal, mas receio o tipo de juiz que deverá ocupar-se do processo”.
É deprimente tomar conhecimento de uma preocupação desta natureza! Mais deprimente será para todos aqueles juízes competentes, bem responsáveis e conscientes da alta função que exercem e penso constituam a maioria.

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Achei curioso e elucidativo um artigo, no Público de 17/07/2008, do supracitado Luís Menezes Leitão - Advogado e professor catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa.
Não omitindo os ganhos do Bastonário, todo o artigo é uma condenação severíssima deste “impertinente e irresponsável” personagem. Em nada se afastou dos demais críticos.
Foi o parágrafo, onde teceu os seus considerandos sobre as defesas oficiosas, que mais avivou a minha atenção.
O Sr. Professor Luís Menezes é taxativo: (…) “não se vê como é que o advogado estagiário poderá fazer o seu tirocínio, se não tiver a possibilidade de exercer a profissão ao longo do estágio de advocacia”.

Por uma repentina associação de ideias, as defesas oficiosas apresentaram-se-me como aquelas experiências que indústrias farmacêuticas põem em prática, pagando voluntários que sirvam de cobaias para novos medicamentos.

A fim de que os estagiários tenham “possibilidade de exercer a profissão ao longo do estágio”, obviamente devem ocupar-se das defesas oficiosas!
Infere-se, consequentemente, que um infeliz que não possa pagar um advogado, automaticamente servirá de cobaia para quem deva adquirir prática forense.

É sem a mínima hesitação que classifico este conceito como uma verdadeira indecência e dou plenamente razão ao Bastonário, quando defende outros princípios.
Se, como é óbvio e justo, o estagiário deve obter experiência, por que razão o patrono onde estagia o não envolve na preparação dos processos dos clientes que pagam honorários, o faz trabalhar e aplicar-se seriamente?

Por que razão as Faculdades de Direito não têm mecanismos que consintam aos recém-licenciados a consolidação das matérias que estudaram?

Que direito ou legitimidade assiste à Ordem dos Advogados submetê-los a novos exames e, em casos não raros, reprová-los desenvoltamente?
Não se poderia vislumbrar, em tais práticas, uma espécie de exautoração dos cursos de Jurisprudência? Ou dar-se-á o caso que nas Faculdades de Direito impera o facilitismo e, portanto, urge que intervenha o rigor dos doutos, insignes professores da Ordem?
Alda M. Maia