A CLASSE SOCIAL DOS LARÁPIOS HONRADOS
O bastonário da Ordem dos Advogados levantou o penso, pôs a faca na ferida e afundou-a, sem delicadezas nem respeito pelo género da mazela.
Num certo sentido, acho divertidos os argumentos de certas prudências e garantias de inocências ultrajadas: “Deve-se indicar os nomes”.
É uma questão de nomes ou um mal social já com profundas raízes?
O Dr. Marinho Pinto, denunciando o estado anormal das coisas, indicou factos, circunstâncias que ele não aprova. Não é o único: está em numerosíssima companhia!
Há certas desenvolturas que, se as não podemos classificar como corrupção, certamente que soam estridulamente desafinadas: quanto a ética, quanto a bom gosto, quanto a decência; se não escandalizam, pois há a habituação ao “così fan tutti" (todos fazem o mesmo), pelo menos enojam.
Alguma vez os carreiristas ou oportunistas da política, os ocupantes da administração pública - por “graça divina”, não por competência - reflectiram que a decência nos próprios actos é também uma mais valia?
Santa ingenuidade, a minha!
****
Seguindo a performance do Dr. António Marinho Pinto e lendo um pequeno editorial de uma jornalista italiana, uma maliciosa associação de ideias invadiu-me logo ao pensamento.
Título do artigo: “La classe sociale dei ladri” – A classe social dos ladrões – La Stampa, 31/01/2008.
(...) Não tem razão quem avalia a situação italiana (idem a portuguesa) através de certos consumos: paralelamente a tantos peritos que analisam as economias familiares com resultados alarmantes (em cinco anos, nenhum aumento nos intróitos dos trabalhadores dependentes), há outros, com árido cinismo, que apresentam um quadro oposto.
Visto de Roma, por exemplo, os restaurantes mais caros estão sempre cheios; se não se pensa antecipadamente, é difícil, depois, encontrar uma mesa livre.
As lojas de luxo (…) põem nas montras objectos cada vez mais caros e vendem-nos. As marcações de viagens de férias ou descobertas exóticas ficam sempre esgotadas.
(…) Ostras, caviar, champanhe e similares não sofreram alguma diminuição de vendas, segundo afirmam naquelas “boutiques” de géneros alimentares mais raros e onde o queijo gorgonzola é mais caro que o ouro.
Os stands de automóveis não acusam recessão de vendas, pelo contrário.
Então? Que história é essa de falar de italianos pobres? Como se explica?
Talvez se explique com o facto que, entre ricos e pobres, existe uma terceira (ou quarta, ou sexta) classe social: os ladrões. E nestes, incluem-se os trapaceiros, exploradores, vigaristas, autores de furtos de Estado (interessante esta expressão!), etc. Não são poucos. Perante as notícias de prisões repentinas, descobrimos que se contam às centenas.
Não são refinados. A riqueza ilegal não servirá, certamente, para comprar inatingíveis desenhos de Miguel Ângelo, mas para gozar dos prazeres físicos da vida: comer, beber, vestir, conduzir, viajar, aparecer, pavonear-se.”
Lietta Tornabuoni.
****
Neste nosso Portugal, entre ricos e pobres, não temos, absolutamente, uma outra classe a que se possa chamar classe de ladrões. Somos mais sofisticados: temos a classe dos larápios honrados.
Nos tais “autores de furtos de Estado”, por exemplo, a moral comum é que não se pratica crime. Existem, sim, pessoas finas, espertas que sabem driblar as regras, pois tudo o que concerne o Estado é área de rapina, terreno fértil de regadio ilegal. Logo, dão prova de destreza e inteligência empalmar tudo o que o que lhes for acessível e sempre buscando novas oportunidades: para si próprios ou para a família, amigos e compadres.
Mas são pessoas de bem: quem ousa duvidar?!...
Exagero meu? Não creio.
Alda M. Maia
O bastonário da Ordem dos Advogados levantou o penso, pôs a faca na ferida e afundou-a, sem delicadezas nem respeito pelo género da mazela.
Num certo sentido, acho divertidos os argumentos de certas prudências e garantias de inocências ultrajadas: “Deve-se indicar os nomes”.
É uma questão de nomes ou um mal social já com profundas raízes?
O Dr. Marinho Pinto, denunciando o estado anormal das coisas, indicou factos, circunstâncias que ele não aprova. Não é o único: está em numerosíssima companhia!
Há certas desenvolturas que, se as não podemos classificar como corrupção, certamente que soam estridulamente desafinadas: quanto a ética, quanto a bom gosto, quanto a decência; se não escandalizam, pois há a habituação ao “così fan tutti" (todos fazem o mesmo), pelo menos enojam.
Alguma vez os carreiristas ou oportunistas da política, os ocupantes da administração pública - por “graça divina”, não por competência - reflectiram que a decência nos próprios actos é também uma mais valia?
Santa ingenuidade, a minha!
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Seguindo a performance do Dr. António Marinho Pinto e lendo um pequeno editorial de uma jornalista italiana, uma maliciosa associação de ideias invadiu-me logo ao pensamento.
Título do artigo: “La classe sociale dei ladri” – A classe social dos ladrões – La Stampa, 31/01/2008.
(...) Não tem razão quem avalia a situação italiana (idem a portuguesa) através de certos consumos: paralelamente a tantos peritos que analisam as economias familiares com resultados alarmantes (em cinco anos, nenhum aumento nos intróitos dos trabalhadores dependentes), há outros, com árido cinismo, que apresentam um quadro oposto.
Visto de Roma, por exemplo, os restaurantes mais caros estão sempre cheios; se não se pensa antecipadamente, é difícil, depois, encontrar uma mesa livre.
As lojas de luxo (…) põem nas montras objectos cada vez mais caros e vendem-nos. As marcações de viagens de férias ou descobertas exóticas ficam sempre esgotadas.
(…) Ostras, caviar, champanhe e similares não sofreram alguma diminuição de vendas, segundo afirmam naquelas “boutiques” de géneros alimentares mais raros e onde o queijo gorgonzola é mais caro que o ouro.
Os stands de automóveis não acusam recessão de vendas, pelo contrário.
Então? Que história é essa de falar de italianos pobres? Como se explica?
Talvez se explique com o facto que, entre ricos e pobres, existe uma terceira (ou quarta, ou sexta) classe social: os ladrões. E nestes, incluem-se os trapaceiros, exploradores, vigaristas, autores de furtos de Estado (interessante esta expressão!), etc. Não são poucos. Perante as notícias de prisões repentinas, descobrimos que se contam às centenas.
Não são refinados. A riqueza ilegal não servirá, certamente, para comprar inatingíveis desenhos de Miguel Ângelo, mas para gozar dos prazeres físicos da vida: comer, beber, vestir, conduzir, viajar, aparecer, pavonear-se.”
Lietta Tornabuoni.
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Neste nosso Portugal, entre ricos e pobres, não temos, absolutamente, uma outra classe a que se possa chamar classe de ladrões. Somos mais sofisticados: temos a classe dos larápios honrados.
Nos tais “autores de furtos de Estado”, por exemplo, a moral comum é que não se pratica crime. Existem, sim, pessoas finas, espertas que sabem driblar as regras, pois tudo o que concerne o Estado é área de rapina, terreno fértil de regadio ilegal. Logo, dão prova de destreza e inteligência empalmar tudo o que o que lhes for acessível e sempre buscando novas oportunidades: para si próprios ou para a família, amigos e compadres.
Mas são pessoas de bem: quem ousa duvidar?!...
Exagero meu? Não creio.
Alda M. Maia
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