sábado, outubro 08, 2005

INGERÊNCIAS DO VATICANO NA POLÍTICA ITALIANA

No jornal La Repubblica, de 30 de Setembro, um editorial de Eugénio Scalfari (fundador deste quotidiano), saiu com o título: “Por qual razão o Cardeal Ruini não se torna senador?”

Trata-se de um artigo, muito severo, sobre a ingerência, cada vez mais acentuada e frequente, da Igreja Católica nas decisões políticas italianas.

Depois de defender a missão da Igreja e o direito que esta tem de expressar e difundir a doutrina, princípios e pontos de vista do seu apostolado, a um certo ponto, Eugénio Scalfari escreve: “Se os seus bispos entram no âmago da política (o que lhes é vedado), prescrevendo a abstenção do voto num referendo, indicando os modos da articulação das leis, declarando a inconstitucionalidade de outras, censurando actos jurídicos como as escutas telefónicas dispostas pelos Procuradores da República, afixando cartazes de propaganda nas igrejas relativamente a participação ou abstenção de referendos e deixando ali esses cartazes mesmo no dia das votações (…) O melhor, então, é vê-los sentados nos bancos da Câmara ou do Senado”(...)

O Cardeal Camillo Ruini é o presidente da Conferência Episcopal Italiana e a personagem que mais se tem evidenciado no autoritarismo doutrinário. No que concerne ao referendo sobre a procriação medicamente assistida, de Fevereiro passado, decretou que não seria um bom católico quem fosse votar. Não se esforçou por explicar e rebater a doutrina da Igreja católica e confiar na firmeza desses princípios. Achou mais seguro impor a abstenção!...

Ultimamente, Romano Prodi, o líder da oposição e fervente católico, anunciou que, no caso de vitória nas próximas eleições, apresentaria uma lei que salvaguardasse os direitos das uniões de facto, heterossexuais e homossexuais: PACS - pacto civil de solidariedade.
Começando pelo “Oservatore Romano”, onde se lia, pouco elegantemente, que Romano Prodi, "para obter votos, não se importava de lacerar a família", seguiram-se-lhe os brados do clero conservador. Muito pouco apostólicos e intransigentemente impositivos. Vejamos.
Não se admitem matrimónios de série B; na constituição está clara a referência e defesa de uniões de pessoas de sexo diferente, portanto há um só matrimónio e sacro; a política deve pensar na verdadeira família; os católicos que votam estas leis cometem pecado mortal, etc., etc., etc.

Quando se alude à homossexualidade, a Igreja entra em paranóia. Mais correctamente, não a Igreja, mas os homens que a representam. O cristianismo, para eles, transfigurou-se em formulário de intransigências.

Compreensão, caridade, tolerância, diálogo, amor ao próximo, o respeito pelas convicções discordantes, todos estas concepções, onde é que a Igreja Católica as coloca?!

Penso que o “pacto civil de solidariedade” não é somente oportuno, mas também índice de grande civismo. Não tem nada que ver com matrimónios homossexuais nem com matrimónios de série B; apenas garantem direitos que espelham humanidade, abolindo discriminações e sem prejudicar, minimamente, o conceito de família.

Em toda esta polémica, o que mais me atingiu foi a indecorosa - além da falta de sentido da autoridade e independência de um estado laico - daqueles políticos que, servilmente e com um oportunismo despudorado, atacaram Romano Prodi e o centro-esquerda.
Aplaudiram o Cardeal Ruini, não por convicção, pois sabe-se de sobejo, e salvo raras excepções, que são uns consumados hipócritas; não com o escopo de alimentar um correcto diálogo com a Igreja, o que seria sempre aconselhável (um bom entendimento de “uma livre igreja num estado livre”); simplesmente, e como único fim, a captação dos votos católicos! Nauseantes!

Divertiu-me, sobremaneira, o fervor de Casini, Presidente da Câmara dos Deputados e aliado de Berlusconi, a defender a sacralidade da Família – a família como a entende a Igreja Católica, esclareça-se.
Ora bem, este senhor é divorciado, casado de novo e com prole da segunda mulher. Na minha opinião, e na opinião corrente, a sua situação é perfeitamente normal e correcta. Mas perante o conceito sacramental de família do Vaticano??...
É já um lugar-comum afirmá-lo, porém, a cara de grande parte da gente política é mesmo de lata! Autentiche facce di bronzo!!! (autênticas caras de bronze, expressão muito italiana).
Alda Maia