UM TRATADO SEM
TRANSPARÊNCIA:
DEMOCRATICAMENTE, É
ACEITÁVEL?
Transatlantic Trade
and Investment Partnership (TTIP): Acordo
de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento entre a União Europeia e
os Estados Unidos da América.
A crítica unânime e constante
a este acordo é a falta de transparência e o secretismo que se verifica à volta
das negociações entre Bruxelas e os Estados Unidos.
No nosso país, até
hoje, escassearam os artigos ou serviços jornalísticos que analisassem todos os
aspectos de um tratado que, se aprovado, mudará as nossas vidas futuras. Sendo
assim, alguém sabe exactamente, ou mesmo com alguma aproximação, o que é este
tratado transatlântico sobre comércio e investimentos?
Algum grupo político
se preocupou em envolver os cidadãos comuns, informando-os com objectividade
sobre este assunto tão importante para a nossa economia e, implicitamente, a
soberania dos países europeus?
Mas também é lícito
formular outra pergunta: a classe política esteve bem informada sobre este
assunto? Está bem ciente do que se trata?
O TTIP vem sendo
negociado desde 2013, porém, em grande segredo. Nas últimas semanas foram
apenas publicados os princípios gerais, mas silêncio absoluto sobre os
detalhes, e bem sabemos que é nos detalhes que se esconde o diabo. Por que
razão não tornar públicos esses aspectos da questão e indicar os
personagens, públicos ou privados, envolvidos nas contratações?
Em Portugal, apenas
as vantagens têm sido realçadas e não faltam arautos a descrevê-las e magnificá-las.
Tive ocasião de ler os encómios de Paulo Rangel, por exemplo, e a confiança de
Vital Moreira na harmonia entre as normas europeias e as norte-americanas.
Mas será assim tão
fácil estabelecer essa harmonia? Há informações que relevam o impasse das
negociações, precisamente porque os Estados Unidos criam dificuldades à
aceitação das normas rigorosas da UE sobre os produtos agro-alimentares e opõem
objecções ao respeito pelos produtos DOC, DOP e similares.
Teremos de beber
vinho do Porto provindo da Califórnia? Ou saborear queijo parmesão (Parmigiano-
Reggiano, DOP) produzido no Ohio?
As análises críticas e
comentários na imprensa europeia coincidem. Efectivamente, algo de anormal se
passa.
Anormal, por exemplo,
é o Parlamento Europeu não ter o direito de acesso ao texto em discussão nem de
intervenção nesse mesmo texto. Cabe-lhe apenas o direito de voto final. Isto é democrático?
Permito-me citar a
primeira parte do artigo de João Camargo (Público. 01/09/2014): “Tratado Transatlântico: o Império
Contra-Ataca”.
Concretiza
perfeitamente as perplexidades de quem deseja ser informado e entrar no âmago
das questões, questões estas que concernem, repito, as nossas vidas futuras.
“Imagina
um documento, desconhecido pela maior parte da população da União Europeia e
dos Estados Unidos, que substituía as leis nacionais e comunitárias de uma só
vez. Imagina que esse documento era discutido atrás de portas fechadas, com as
negociações entregues a burocratas não eleitos e representantes de empresas
multinacionais. Imagina que esse documento quebrava à partida a legislação
comunitária ao ser discutido em segredo. Imagina que o documento entrava em
vigor e tu nem sabias de nada. Era uma obra de ficção ao nível de Guerra das
Estrelas, com traições, acordos secretos e subversão das instituições.
Não
precisas imaginar mais. Esse documento chama-se Tratado de Parceria
Transatlântica de Comércio e Investimento (sigla TTIP)” (…)
O Nobel da Economia,
Joseph Stiglitz, sempre a propósito deste tema, diz o seguinte: “O que se quer obter com este acordo não é o
melhoramento do sistema de regras e de comércio positivo para os cidadãos
americanos e europeus, mas garantir campo livre a empresas protagonistas de
actividades económicas nocivas para o ambiente e para a saúde humana”.
Finalmente a nossa
imprensa despertou. Saltou para a arena o conhecimento de um mecanismo, no que
concerne os investimentos, que pôs em alarme os europeus responsáveis e
informados. É o chamado “Investor-State
Dispute Settlement”: a resolução de controvérsias entre o Estado e o
investidor, através de um Tribunal arbitral - privado, obviamente.
Tais controvérsias
resumem-se na preservação de lucros, actuais ou futuros, das empresas. Estas e as
multinacionais querem usufruir de total liberdade e desregulação onde, na
Europa, existem normas no respeito da saúde, do trabalho, da protecção do
ambiente, dos direitos sociais.
Há quem coloque as críticas
ou a defesa do TTIP como uma questão entre esquerda e conservadores. Pode ser
equacionada sob esse ponto de vista?
Demasiado esquemático.
Há pessoas equilibradas e responsáveis nos dois campos que sabem e querem ponderar, com acuidade e inteligência, o que deve ou não deve ser negociado.
Quanto à descrição dos
“tribunais”(?) arbitrais privados de protecção do investimento - reforçada com
exemplos que não deixam dúvidas -, fica-se com duas certezas: primeiro, estamos
perante uma verdadeira invalidação de órgãos de soberania nacional, qual o
sistema judiciário; segundo, é preciso muita ingenuidade ou desígnios pouco
claros para aconselhar ou exigir com tanta desenvoltura e inconsciência a
inclusão, tout court, do ISDS no
tratado comercial e de investimento entre a UE e os Estados Unidos.
Contra os capitais
ingentes das multinacionais ou grandes empresas e tribunais arbitrais formados
por consórcios de advogados hábeis e pagos principescamente, um Estado,
sobretudo com orçamentos débeis, pode ir ao encontro de penalidades incomportáveis; as PME correm o risco de desaparecerem ou serem fagocitadas
pelos grandes interesses, caso lhes façam concorrência: isto são exemplos que
apontam e que creio muito reais.
O Presidente da
Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, é decididamente contrário. Todavia, o
nosso secretário de Estado dos Assuntos Europeus é um dos catorze signatários
de uma carta que “exige à União Europeia que inclua no acordo «mecanismos de
protecção dos investidores»”.
Não resta dúvida que
os interesses do nosso país estão em boas mãos!...
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