domingo, setembro 21, 2014

POR ESTA NÃO ESPERAVA!

Comecei a ler um artigo de Maurizio Ricci (La Repubblica- 20/09/2014) e quando entrei no segundo parágrafo, a atenção reduplicou: ia muito além das análises que ultimamente lemos sobre ao “modelo alemão”, sobretudo na esfera económica e organizativa.

Mudei completamente de ideias sobre o que desejaria escrever esta semana. Este artigo merece ser traduzido e transcrito.

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O Mito da austeridade afunda o crescimento alemão
“Enfastiados de ouvir enaltecer o milagre alemão? Cansados de ouvir dizer, frequentemente em alemão, que é necessário agir como a Alemanha? Aquilo de que se necessita, então, é assistir, sentando-se na primeira fila, a uma conferência de Marcel Fratzscher.

O presidente do DIW, Instituto Alemão de Investigação Económica, um dos  mais conceituados think-tank da Europa, normalmente inicia as suas conferências pedindo ao público para nomear um país que, de 2000 aos nossos dias, cresceu menos da média europeia.
Certamente Itália ou Portugal? Sim, mas a surpresa de Fratzscher é que o país a que se refere é a Alemanha. E o quadro que traça lança uma luz inquietante sobre o futuro próximo daquela que, até hoje, não é apenas a mais potente, mas também a única locomotiva possível de uma retoma europeia.

A Ilusão Alemanha” é o título que Fratszcher deu ao seu livro. Porque, como explica “Der Spiegel”, a Alemanha é uma nação “que se desmorona lentamente”: “A indústria vende maquinarias e automóveis de alta qualidade em todo o mundo – escreve o mais reputado semanário alemão -  mas se o reboco começa a despegar-se numa escola elementar, os pais devem fazer uma colecta, a fim de pagar um trolha. Em duas palavras: “Empresas e famílias sentam-se sobre um património de milhões de milhões, mas metade das pontes das auto-estradas alemãs tem uma necessidade urgente de consertos”.

É o efeito envenenado da austeridade que atinge os seus profetas. Efectivamente, o magnificado modelo alemão corre o risco de gripar-se por falta de um lubrificante fundamental da economia: os investimentos.
A doença do gigante europeu vê-se em dois números. Nos primeiros anos de 1990, o Governo e empresas investiam 25% do produto interno bruto em novas estradas, linhas telefónicas, edifícios universitários e fábricas. Hoje, é apenas o 19,7%.
Para manter o passo e não recuar, deveria investir, cada ano, uma quantia superior a 100 mil milhões de euros além do que já investe.
Dez mil milhões de euros deveriam ser aplicados exclusivamente na manutenção do que, uma vez, era um dos símbolos da Alemanha moderna: a grande rede das auto-estradas. O paradoxo é que o dinheiro existe, e em abundância.

As empresas alemãs têm em caixa mais de 500 mil milhões de euros que não gastam nem investem no estrangeiro. Em parte, porque insatisfeitas das infra-estruturas disponíveis hoje nos campos da energia, dos transportes, da escola. E quem deveria realizar aquelas infra-estruturas, isto é, o Governo, poderia pagá-las, endividando-se com uma inédita taxa de juros zero: o que actualmente rendem os títulos de Estado. Isto é, assegurar, praticamente grátis, o futuro da economia. E com este impulso à locomotiva alemã, também daria um salutar empurrão à inteira economia europeia.

É a obsessão da austeridade, o mito da paridade orçamental, a qual se deve atingir rapidamente e a qualquer custo, a impedir que isto aconteça.
O ministro das Finanças, Schaeuble, nestes últimos dias, confirmou a linha com a aprovação da Sra. Merkel e da CDU.

A novidade do livro de Fratzscher é que o autor, além de ser um conhecido economista, acaba de se tornar conselheiro para os investimentos do ministro da Economia, Sigmar Gabriel, líder dos sociais-democratas. E, a fechar a tenaz sobre Merkel e Schaeuble, chega o ataque do púlpito mais importante: Francoforte.

Sexta-feira, o site do BCE reproduziu com relevo um editorial escrito por um membro do executivo do BCE, Benoit Coeuré, e por um ex-membro e hoje ministro do Governo Merkel, Joerg Asmussen.
A Alemanha – escrevem Coeuré e Asmussen – pode usar um pouco dos seus excedentes orçamentais para apoiar os investimentos e reduzir os desequilíbrios tributários, embora preservando a sua posição orçamental sólida. Procedendo deste modo, também enfrentaria alguns dos seus futuros desafios económicos”.
Com tons um pouco mais circunspectos, as mesmas coisas tinha-as dito Draghi, nos finais de Agosto.

A batalha de Outono sobre a flexibilidade e a deflação na Europa talvez se combata num terreno inesperado.” - Maurizio Ricci; La Repubblica – 20/09/2014

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Acrescentar comentários? Apenas um: é mais que tempo de elevar a voz e exigir contenção e modéstia a quem pretende superintender – sempre em benefício próprio - nas questões europeias. Efectivamente, já é nauseante e cansativo.