HINO À IGNORÂNCIA
Como todos sabem,
normalmente faz parelha com arrogância. Mas por que razão um hino a estas duas
calamidades que estão a flagelar o nosso país?
Esclareçamos que é um
hino autolaudatório. Doutro modo, como explicaríamos tantas decisões e
intenções dos nossos governantes que só revelam uma desenvoltura em arrogar-se
direitos que o bom senso e respeito pelo interesse geral repudiam? Como
justificarmos tantos auto-elogios e tanta desenvoltura a atribuir, sempre,
todas as culpas ou falhas aos precedentes governos?
Em primeiro lugar, a
ignorância: abafa a sensibilidade; obscurece o raciocínio; expulsa a
honestidade de reconhecimento dos próprios limites; encoraja a desfaçatez de
decidir e impor o que ignoram, na total incapacidade de prever e avaliar os
danos que podem infligir ao país.
Em segundo lugar, a
arrogância do eu posso e mando; ponhamos de lado o “eu quero”, pois, quase
sempre, são os interesses instalados ou altos interesses que o impõem e a que
eles dão aviamento. Por subserviência a quem concorreu para os instalar no
poder, salvo as devidas excepções? Por interesse próprio? Por inconsciência? Por
simples burrice? Escolha quem deve ou quem sabe.
Num artigo do
professor Santana Castilho (Público de 13/08/2014), li a lista de vários erros
pronunciados ou escritos por políticos com altos cargos. Tinha escutado muitas
dessas calinadas, mas duvidei dos meus ouvidos, tão incongruentes se me
apresentavam. Fiquei então com a certeza que não ouvira mal.
Vejamos: o Sr.
Presidente da República que diz “cidadões” em vez de cidadãos. Também diz
“duzentas” gramas em vez de duzentos, além de outros “lapsos” (chamemos-lhes
lapsos!...).
O Primeiro-ministro
que diz “sejemos” em vez de sejamos.
A lista é longa, mas
esta do “sejemos” apresenta-se indigerível para qualquer compreensão. Só me
pergunto que tipo de instrução primária tiveram estes senhores e como se
impuseram na política, esfaqueando deste modo a língua materna. Porém, fosse
esta a pior agressão!
Mas passemos a coisas
sérias, pois estas, também são sérias, mas confundem-se demasiado com o
caricato e o anedótico.
“A Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) determinou o
arquivamento da classificação das 85 obras de Joan Miró, cuja abertura de
procedimento tinha sido ordenada pelo tribunal do Círculo Administrativo de
Lisboa, depois de um processo aberto pelo Ministério Público. Isto significa
então que a colecção não vai ser classificada e o leilão deverá acontecer em
breve”. (Público de 30/08/2014).
Insisto sobre o mesmo
tema: recuperar ou não recuperar os créditos do BPN, neste caso é inadmissível,
é ultrajante para o Património Cultural abdicar de 85 obras de um grande pintor
universal. Paralelamente, é mesquinho e de vistas curtas ignorar que a posse deste
espólio é uma grande mais-valia para o nosso património artístico, mesmo em
termos económicos. Tenho a certeza que um qualquer outro país, com menos
ignorantes na Administração Pública, jamais permitiria uma alienação deste
teor. Muito menos quando lhe é atribuída o valor de 35 milhões de euros, quando
uma quantia equivalente se poderia arrecadar através de outros meios.
Com o contínuo
aumento da despesa pública, onde,
presentemente, os ajustes directos são a norma, Portugal perdeu a dignidade
e o respeito por outros valores, tornando-se tão miserável que já nem sabe
distinguir o que o enobrece daquilo que o amesquinha, mesmo no equilíbrio
financeiro.
E para finalizar, não
posso deixar de aludir a uma aberração que se está consumando no campo da
Investigação Científica. São incríveis as decisões eliminatórias de óptimos centros
de investigação actuadas pela “Fundação
para a Ciência e Tecnologia” (FCT) e que os nossos cientistas não cessam de
explicar, condenar e denunciar.
Que fundação é esta?!
Um dos piores
exemplos desta tragédia – sim, uma tragédia para o desenvolvimento do país –
foi o empurrão para fora de Portugal de “ um dos maiores especialistas mundiais
em cibersegurança”, Paulo Veríssimo, que aportou a
Luxemburgo.
A famigerada FCT
chumbara o seu laboratório de investigação LaSIGE
da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, reduzindo o financiamento
anual a 7500 euros. Melhor dizendo, decretando a asfixia de um centro de
investigação classificado como um dos melhores a nível internacional.
A Universidade do
Luxemburgo propôs-lhe um contrato quinquenal, com cinco milhões de euros de
financiamento, a fim de desenvolver “um
projecto estratégico de uma grande capacidade de investigação de topo, a nível
internacional, na área de segurança e confiabilidade das infra-estruturas de
informação e críticas” (palavras de Paulo Veríssimo).
Quando nos informamos
do que significa cibersegurança e a
leviandade como isto foi e é considerado; quando todas as informações sobre a
excelência da nossa investigação científica chegam ao nosso conhecimento e
verificamos que é a ignorância e o espírito mercantil dos dirigentes nacionais
a impor directivas execrandas, como nos devemos sentir? Indignados? Enojados?
Revoltados?
Eu sinto-me
revoltada, indiscutivelmente, mas revoltada, acima de tudo – e não me canso de
o repetir – contra as nossas elites com uma séria formação moral, científica e intelectual
que não concebem entrar em conflito, pacífica e ordeiramente, contra este
estado de coisas. Não basta criticar; é necessário elevar a voz e usar todos os
meios que uma verdadeira democracia sugere. Pelo menos, gritem e indiquem
alternativas.
Com estes exemplos, quando
e onde esperam que o país afunde de vez?
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