domingo, setembro 14, 2014

HINO À IGNORÂNCIA

Como todos sabem, normalmente faz parelha com arrogância. Mas por que razão um hino a estas duas calamidades que estão a flagelar o nosso país?

Esclareçamos que é um hino autolaudatório. Doutro modo, como explicaríamos tantas decisões e intenções dos nossos governantes que só revelam uma desenvoltura em arrogar-se direitos que o bom senso e respeito pelo interesse geral repudiam? Como justificarmos tantos auto-elogios e tanta desenvoltura a atribuir, sempre, todas as culpas ou falhas aos precedentes governos?

Em primeiro lugar, a ignorância: abafa a sensibilidade; obscurece o raciocínio; expulsa a honestidade de reconhecimento dos próprios limites; encoraja a desfaçatez de decidir e impor o que ignoram, na total incapacidade de prever e avaliar os danos que podem infligir ao país.  
  
Em segundo lugar, a arrogância do eu posso e mando; ponhamos de lado o “eu quero”, pois, quase sempre, são os interesses instalados ou altos interesses que o impõem e a que eles dão aviamento. Por subserviência a quem concorreu para os instalar no poder, salvo as devidas excepções? Por interesse próprio? Por inconsciência? Por simples burrice? Escolha quem deve ou quem sabe.

Num artigo do professor Santana Castilho (Público de 13/08/2014), li a lista de vários erros pronunciados ou escritos por políticos com altos cargos. Tinha escutado muitas dessas calinadas, mas duvidei dos meus ouvidos, tão incongruentes se me apresentavam. Fiquei então com a certeza que não ouvira mal.
Vejamos: o Sr. Presidente da República que diz “cidadões” em vez de cidadãos. Também diz “duzentas” gramas em vez de duzentos, além de outros “lapsos” (chamemos-lhes lapsos!...).
O Primeiro-ministro que diz “sejemos” em vez de sejamos.
A lista é longa, mas esta do “sejemos” apresenta-se indigerível para qualquer compreensão. Só me pergunto que tipo de instrução primária tiveram estes senhores e como se impuseram na política, esfaqueando deste modo a língua materna. Porém, fosse esta a pior agressão!
Mas passemos a coisas sérias, pois estas, também são sérias, mas confundem-se demasiado com o caricato e o anedótico.

A Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) determinou o arquivamento da classificação das 85 obras de Joan Miró, cuja abertura de procedimento tinha sido ordenada pelo tribunal do Círculo Administrativo de Lisboa, depois de um processo aberto pelo Ministério Público. Isto significa então que a colecção não vai ser classificada e o leilão deverá acontecer em breve”. (Público de 30/08/2014).

Insisto sobre o mesmo tema: recuperar ou não recuperar os créditos do BPN, neste caso é inadmissível, é ultrajante para o Património Cultural abdicar de 85 obras de um grande pintor universal. Paralelamente, é mesquinho e de vistas curtas ignorar que a posse deste espólio é uma grande mais-valia para o nosso património artístico, mesmo em termos económicos. Tenho a certeza que um qualquer outro país, com menos ignorantes na Administração Pública, jamais permitiria uma alienação deste teor. Muito menos quando lhe é atribuída o valor de 35 milhões de euros, quando uma quantia equivalente se poderia arrecadar através de outros meios.  

Com o contínuo aumento da despesa pública, onde, presentemente, os ajustes directos são a norma, Portugal perdeu a dignidade e o respeito por outros valores, tornando-se tão miserável que já nem sabe distinguir o que o enobrece daquilo que o amesquinha, mesmo no equilíbrio financeiro.

E para finalizar, não posso deixar de aludir a uma aberração que se está consumando no campo da Investigação Científica. São incríveis as decisões eliminatórias de óptimos centros de investigação actuadas pela “Fundação para a Ciência e Tecnologia” (FCT) e que os nossos cientistas não cessam de explicar, condenar e denunciar.
Que fundação é esta?!
Um dos piores exemplos desta tragédia – sim, uma tragédia para o desenvolvimento do país – foi o empurrão para fora de Portugal de “ um dos maiores especialistas mundiais em cibersegurança”, Paulo Veríssimo, que aportou a Luxemburgo.

A famigerada FCT chumbara o seu laboratório de investigação LaSIGE da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, reduzindo o financiamento anual a 7500 euros. Melhor dizendo, decretando a asfixia de um centro de investigação classificado como um dos melhores a nível internacional. 
A Universidade do Luxemburgo propôs-lhe um contrato quinquenal, com cinco milhões de euros de financiamento, a fim de desenvolver “um projecto estratégico de uma grande capacidade de investigação de topo, a nível internacional, na área de segurança e confiabilidade das infra-estruturas de informação e críticas” (palavras de Paulo Veríssimo).

Quando nos informamos do que significa cibersegurança e a leviandade como isto foi e é considerado; quando todas as informações sobre a excelência da nossa investigação científica chegam ao nosso conhecimento e verificamos que é a ignorância e o espírito mercantil dos dirigentes nacionais a impor directivas execrandas, como nos devemos sentir? Indignados? Enojados? Revoltados?

Eu sinto-me revoltada, indiscutivelmente, mas revoltada, acima de tudo – e não me canso de o repetir – contra as nossas elites com uma séria formação moral, científica e intelectual que não concebem entrar em conflito, pacífica e ordeiramente, contra este estado de coisas. Não basta criticar; é necessário elevar a voz e usar todos os meios que uma verdadeira democracia  sugere. Pelo menos, gritem e indiquem alternativas.
Com estes exemplos, quando e onde esperam que o país afunde de vez?