BERLUSCONI: MOTIVAÇÃO SINGULAR
DE UMA ABSOLVIÇÃO
Há dias foi publicada a motivação da sentença emitida no passado dia 18 de Julho que, no Tribunal de segunda instância de Milão, segunda
secção, absolveu o nosso herói dos crimes de “concussão e prostituição de menores” - o célebre “processo Ruby”.
Em Agosto 2013, Berlusconi fora condenado a sete anos
de prisão e proibição perpétua de exercer cargos públicos. Obviamente, apelou da
sentença e obteve absolvição total.
Seguindo o que os jornais escreveram sobre esta
motivação e reacção ou reacções a que deu origem, algumas perplexidades são legítimas,
pois torna-se difícil seguir o raciocínio dos juízes sobre os factos que
conduziram à condenação no Tribunal de primeira instância.
Argumentos expressos na motivação: “Em conclusão, deve concordar-se com o
Tribunal sobre o facto que se adquiriu prova certa do exercício de actividades
de prostituição, em Arcore, nas noitadas em que participou Karima Al Mahroug
(Ruby)”
Aquilo a que Berlusconi chamava ceias elegantes, o
Tribunal de 2.ª instância (Corte d’Appello)
classificou como “noitadas de exercício
de prostituição nas quais Karima El Mahroug (Ruby) participou oito vezes, tendo ficado duas noites a dormir na residência
de Berlusconi” – Palacete São Martino, em Arcore.
Fica provado que “Ruby
tinha participado nos entretenimentos com finalidades sexuais” caracterizados
pela “descarada desinibição das
raparigas, pela ostentação de nudez e pela disponibilidade a apalpões”… etc, divertimentos muito bem pagos “com ingentes somas de dinheiro vivo e jóias”.
Porém, conclui o tribunal, “deve-se concordar com a defesa que o conhecimento da menoridade da
pessoa ofendida (Ruby) da parte do
Sr. Berlusconi, na época dos factos, é
circunstância que não é assistida por suportes probatórios adequados”.
Tudo incontestável, mas o Sr. Berlusconi não conhecia a
idade de Ruby, logo, o que ele diz apresenta maior consistência.
Primeira perplexidade: organizavam-se festas de
carácter prostibular e, por essa mesma razão, três colaboradores de Berlusconi
foram condenados a penas severas por “crime de indução e favorecimento agravado
de prostituição, também de menores, no âmbito do caso Ruby”.
Como é possível que Berlusconi, tão inteligente para
arrecadar uma enorme fortuna, entrar em política, ascender a primeiro-ministro e
não ter o discernimento de se acautelar sobre a idade das jovens convidadas, ou
contratadas, que frequentavam a sua casa? É credível?
As provas da finalidade dessas frequentações foram reconhecidas
e bem descritas na motivação. No entanto, Berlusconi não tinha o mínimo dever
de conhecer a idade de quem o entretinha. Se bem que, um dos colaboradores, condenado
a sete anos, tivesse confessado: “É verdade, em Arcore houve “descomedimento,
abuso de poder e degradação”.
Perante isto, a perplexidade é incomodativa.
Relativamente ao crime de concussão, concerne um ou mais telefonemas nocturnos do então primeiro-ministro Berlusconi ao chefe de gabinete do comando
da polícia de Milão, Pietro Ostuni, a fim de entregar Ruby – detida por furto –
a uma pessoa da sua confiança. Informaram-no que Ruby era sobrinha (ou neta) de
Mubarak, assevera Berlusconi, e poderia explodir um caso diplomático. Pietro Ostuni obedeceu.
Ora, segundo a Corte
d’Appello, nestes insólitos telefonemas não houve
constrições, ameaças ou promessas aos polícias que se ocupavam do caso. A
concussão não subsiste, quer indutiva, quer constritiva.
Segunda perplexidade: como classificar, então, os vários telefonemas de um
primeiro-ministro ao comando da polícia, a altas horas da noite, a fim de afastar Ruby da polícia e do
que o assustava fosse descoberto?
Conclui-se, e não interpretando mal a motivação da
sentença absolutória, que a culpa foi de Pietro Ostuni. Procurando
não desagradar a tão alta personagem, limitou-se a obedecer!...
E explodiu um “caso
inédito e clamoroso” – assim foi classificado, pois é sem precedentes.
O presidente da segunda secção da Corte d’Appello de
Milão, Enrico Tranfa, após ter
assinado a motivação da sentença que absolvia Berlusconi, demitiu-se. A 15
meses da reforma e depois de 39 anos de serviço, abandonou a magistratura. Não
deu explicações. Apenas disse: “Nunca agi
de impulso. Cada um pense o que quiser”.
As conclusões foram fáceis. Do colectivo de três juízes
foi o único que se opôs à absolvição. A maioria venceu e o presidente, descrito
como juiz sério, preparado, não suportou uma absolvição tão contraditória.
A dois dias da demissão de Enrico Tranfa, surge a
reacção do presidente da Corte d’Appello de Milão, Giovanni Canzio, o qual defende:
se a demissão provém de um dissenso pessoal contra a sentença, “não perece
coerente com as regras de ordenamento e deontologia que impõem reserva absoluta
sobre as dinâmicas da Câmara de Conselho”.
Se Enrico Tranfa não cedeu à satisfação de dar
explicações sobre a sua demissão, estas considerações do senhor presidente
da Corte d’Appello de Milão dispensavam-se.
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