domingo, outubro 19, 2014

BERLUSCONI: MOTIVAÇÃO SINGULAR
DE UMA ABSOLVIÇÃO

Há dias foi publicada a motivação da sentença emitida no passado dia 18 de Julho que, no Tribunal de segunda instância de Milão, segunda secção, absolveu o nosso herói dos crimes de “concussão e prostituição de menores” - o célebre “processo Ruby”.
Em Agosto 2013, Berlusconi fora condenado a sete anos de prisão e proibição perpétua de exercer cargos públicos. Obviamente, apelou da sentença e obteve absolvição total.

Seguindo o que os jornais escreveram sobre esta motivação e reacção ou reacções a que deu origem, algumas perplexidades são legítimas, pois torna-se difícil seguir o raciocínio dos juízes sobre os factos que conduziram à condenação no Tribunal de primeira instância.

Argumentos expressos na motivação: “Em conclusão, deve concordar-se com o Tribunal sobre o facto que se adquiriu prova certa do exercício de actividades de prostituição, em Arcore, nas noitadas em que participou Karima Al Mahroug (Ruby)” 

Aquilo a que Berlusconi chamava ceias elegantes, o Tribunal de 2.ª instância (Corte d’Appello) classificou como “noitadas de exercício de prostituição nas quais Karima El Mahroug (Ruby) participou oito vezes, tendo ficado duas noites a dormir na residência de Berlusconi” – Palacete São Martino, em Arcore.

Fica provado que “Ruby tinha participado nos entretenimentos com finalidades sexuais” caracterizados pela “descarada desinibição das raparigas, pela ostentação de nudez e pela disponibilidade a apalpões”… etc, divertimentos muito bem pagos “com ingentes somas de dinheiro vivo e jóias”.
Porém, conclui o tribunal, “deve-se concordar com a defesa que o conhecimento da menoridade da pessoa ofendida (Ruby) da parte do Sr. Berlusconi, na época dos factos, é circunstância que não é assistida por suportes probatórios adequados”.

Tudo incontestável, mas o Sr. Berlusconi não conhecia a idade de Ruby, logo, o que ele diz apresenta maior consistência.

Primeira perplexidade: organizavam-se festas de carácter prostibular e, por essa mesma razão, três colaboradores de Berlusconi foram condenados a penas severas por “crime de indução e favorecimento agravado de prostituição, também de menores, no âmbito do caso Ruby”.
Como é possível que Berlusconi, tão inteligente para arrecadar uma enorme fortuna, entrar em política, ascender a primeiro-ministro e não ter o discernimento de se acautelar sobre a idade das jovens convidadas, ou contratadas, que frequentavam a sua casa? É credível?

As provas da finalidade dessas frequentações foram reconhecidas e bem descritas na motivação. No entanto, Berlusconi não tinha o mínimo dever de conhecer a idade de quem o entretinha. Se bem que, um dos colaboradores, condenado a sete anos, tivesse confessado: “É verdade, em Arcore houve “descomedimento, abuso de poder e degradação”.
Perante isto, a perplexidade é incomodativa.

Relativamente ao crime de concussão, concerne um ou mais telefonemas nocturnos do então primeiro-ministro Berlusconi ao chefe de gabinete do comando da polícia de Milão, Pietro Ostuni, a fim de entregar Ruby – detida por furto – a uma pessoa da sua confiança. Informaram-no que Ruby era sobrinha (ou neta) de Mubarak, assevera Berlusconi, e poderia explodir um caso diplomático. Pietro Ostuni obedeceu.
Ora, segundo a Corte d’Appello, nestes insólitos telefonemas não houve constrições, ameaças ou promessas aos polícias que se ocupavam do caso. A concussão não subsiste, quer indutiva, quer constritiva.

Segunda perplexidade: como classificar, então, os vários telefonemas de um primeiro-ministro ao comando da polícia, a altas horas da noite, a fim de afastar Ruby da polícia e do que o assustava fosse descoberto?  
Conclui-se, e não interpretando mal a motivação da sentença absolutória, que a culpa foi de Pietro Ostuni. Procurando não desagradar a tão alta personagem, limitou-se a obedecer!...

E explodiu um “caso inédito e clamoroso” – assim foi classificado, pois é sem precedentes.   
O presidente da segunda secção da Corte d’Appello de Milão, Enrico Tranfa, após ter assinado a motivação da sentença que absolvia Berlusconi, demitiu-se. A 15 meses da reforma e depois de 39 anos de serviço, abandonou a magistratura. Não deu explicações. Apenas disse: “Nunca agi de impulso. Cada um pense o que quiser”.

As conclusões foram fáceis. Do colectivo de três juízes foi o único que se opôs à absolvição. A maioria venceu e o presidente, descrito como juiz sério, preparado, não suportou uma absolvição tão contraditória.

A dois dias da demissão de Enrico Tranfa, surge a reacção do presidente da Corte d’Appello de Milão, Giovanni Canzio, o qual defende: se a demissão provém de um dissenso pessoal contra a sentença, “não perece coerente com as regras de ordenamento e deontologia que impõem reserva absoluta sobre as dinâmicas da Câmara de Conselho”.

Se Enrico Tranfa não cedeu à satisfação de dar explicações sobre a sua demissão, estas considerações do senhor presidente da Corte d’Appello de Milão dispensavam-se.