QUE ESTRONDO E QUAL
RIBOMBO!
Mas parece que ainda
não chega. O estardalhaço continua, torna atrás e repete-se, repete-se… e
continuará a repetir-se, até que novas mais frescas ecoem com mais fragor neste
nosso país caído em desgraça: desgraça económico-financeira e moral. Mas é esta
última calamidade, a moral achincalhada e gravemente ferida, que mais incomoda.
O eco da notícia
ribombante fez-se ouvir por essa Europa fora. Limito-me a transcrever o primeiro
parágrafo, sobre essa mesma notícia, publicada no quotidiano La Stampa. Do que
pude ler noutros jornais italianos – uma notícia banal, sem parangonas - La
Stampa procurou traçar um retrato mais completo do sucedido e da personagem em
causa:
“Apenas
há uma semana, a fraude dos “vistos dourados”. Mas antes, a crise do Banco
Espírito Santo. Agora, a detenção do ex-primeiro-ministro, José Sócrates, por
fraude fiscal, corrupção e branqueamento de capitais. Não há trégua para
Portugal que desde há meses é atormentado por um escândalo após outro.Este
último, porém, corre o risco de ser uma autêntica bomba para o mundo político,
já minado por escândalos precedentes”.
Uma boa síntese do
que vão apregoando os comentadores nacionais; um triste retrato desta Terra
Lusa dos “brandos costumes”!
Que a Justiça faça o
seu dever, que prossiga no caminho que deve percorrer, que chegue a conclusões
claras e justas e aplique a lei na sua genuinidade e imparcialidade totais, são
princípios elementares que ninguém deve ignorar nem jamais contestar.
Posto isto, causou-me
uma péssima impressão o modo espectacular como foi detido José Sócrates. Era
necessária toda aquela teatralidade, visto o espectáculo quase espalhafatoso da
detenção no aeroporto e posterior alarido nos meios de informação?
Existe a presunção de
inocência; não deveria existir, igualmente, a presunção de salvaguarda da
dignidade do ser humano?
A este propósito, as
opiniões dividem-se. Há quem esteja de acordo, pois urge evitar a destruição de
provas; há quem alvitre o contrário.
Creio, todavia, que enquanto
se está em fase de apuramento de provas, isto é, da verdade, respeite-se a dignidade
de quem quer que seja.
O crime é comprovado,
aplica-se a pena adequada. Antes, porém, não recorramos a apedrejamentos extemporâneos
medievalistas. Não me refiro ao caso em questão, mas à generalidade de casos
similares.
Pensando na série de
escândalos que desabou sobre o nosso país e na sacrossanta e oportuna
intervenção da Justiça, veio-me à memória a famosa “questão moral”, expressão que o conhecido político italiano (já
falecido), Enrico Berlinguer, tornou célebre.
Reli a não menos
famosa entrevista que Berlinguer concedeu ao director de La Repubblica, em 1981,
e onde surgiu o conceito de questão moral.
Na declaração de
Jerónimo de Sousa, sábado passado, vi o eco do que dissera Berlinguer. “O poder
económico capturou o poder político”. “Revela a profunda degradação política e
institucional”, etc.
O que entendia Berlinguer
por “questão moral”? Transcrevo as suas palavras:
“Os
partidos de hoje são, acima de tudo, máquinas de poder e de clientela; com escasso
ou mistificado conhecimento da vida e dos problemas da sociedade e da gente; ideias,
ideais, programas poucos e vagos; sentimentos e paixões civis igual a zero.
Gerem
interesses, os mais diversos, os mais contraditórios, por vezes também equívocos,
sem alguma relação, todavia, com as exigências e as necessidades humanas
emergentes. Ou então, distorcem-nos, sem procurar o bem comum.
A
sua estrutura organizativa, agora, é a conformação deste modelo. Já não são
organizadores do povo, formações que promovam a maturação civil e a iniciativa:
são, sobretudo, federações de correntes, de camarilhas, cada um com um boss ou
sub-boss.(...)
É
necessário, portanto, defender as instituições da partidocracia que as invadiu." Isto foi dito em 28 de Julho, 1981! Algo mudou?
Estamos em finais de 2014. Olhemos para o nosso país, analisemos o nosso mundo político:
encontramos, hoje, um panorama diverso daquele descrito por Enrico Berlinguer? Referia-se
à Península Itálica, obviamente, mas a praga, como é fácil verificar,
alastrou-se até à Península Ibérica. Ainda não foi debelada, se é que não
revigorou.
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