A RENÚNCIA DE PRIVILÉGIOS
Recomendar renúncia de privilégios a quem os usa e deles abusa corresponde a um contra-senso para os privilegiados. E se estes pertencem à casta política, não somente é um absurdo como um insulto. Privilégios? Não, a casta política não tem privilégios, mas sacrossantos direitos.
Acontece que o cidadão comum tem grande dificuldade a inseri-los nessa escala.
Dois casos muito reveladores: um na Itália; outro no Parlamento Europeu. Ambos vieram à luz na passada sexta-feira, dia 8.
O salário mensal de um deputado italiano, acrescido de ajudas de custo, subsídios e quejandos ronda os 21 mil euros.
A semana passada, o ministro da Defesa e também deputado, o Sr. La Russa, ferrenho adepto da Inter quis assistir ao jogo Inter-Schalke.
Às 18,30 partiu de Roma para Milão num P180 da “Arma dos Carabineiros”. Assistiu à derrota do seu clube e regressou a Roma às 23h, noutro avião, também da aeronáutica militar.
Quanto custou ao erário público este indecente comportamento do ministro que, aliás, não é caso único?
Achei divertido o título da notícia que o jornal “Il Fatto Quotidiano” publicou “ : “Ilegítima Defesa: La Russa vai ao estádio de San Ciro com um voo de Estado”.
Recordo o grande Presidente da República Sandro Pertini. Ainda presidente, quando desejava visitar Savona, a sua cidade de origem, viajava nos aviões de carreira, pagando o bilhete como um normalíssimo passageiro. Outras estaturas políticas, obviamente.
Dirijamos agora a atenção para o Parlamento Europeu ou, melhor, para os insaciáveis que têm assento nesse parlamento.
Como salários, subsídios, ajudas de custo, penso que usufruam de condições excelentes.
Todavia, a aprovação, por grande maioria, do “relatório Fernandes” (José Manuel Fernandes, PSD) sobre um orçamento 2012 de “austeridade e autocontenção no contexto da crise económica”, de autocontenção não tem absolutamente nada. Salários e regalias várias tiveram um aumento de 2,3%.
A austeridade destina-se ao vulgo. As castas pairam em ambientes superiores. E tanto assim, Miguel Portas apresentou várias propostas para uma ética e moralização claras sobre os benefícios. Entre estas, a “emenda 3” que propunha viagens aéreas em classe económica, quando inferiores a 4 horas.
Uma proposta de muito bom senso, mas foi sonoramente rejeitada por uma maioria inequívoca: 402 votos contra; 206 a favor e 56 abstenções. Os senhores eurodeputados apenas aceitam viajar em classe executiva, isto é, classe de luxo.
Neste voto de rejeição, salientaram-se os eurodeputados do PSD.
Chamou-me a atenção o nome de Paulo Rangel. Sempre muito catedrático nos seus juízos de valor, mas não teve pejo de alinhar com os que não abdicam dos luxos e benesses que crêem inalienáveis.
Para finalizar, quero aludir ao uso e abuso dos automóveis de Estado.
Contaram-me de um deputado que ama viajar de Lisboa até estas zonas nortenhas num automóvel de Estado com respectivo motorista.
Chegado ao destino, o Excelentíssimo deputado (não sei se eurodeputado se da Assembleia da República) despede-se do motorista que, obviamente, regressa à Capital.
Causa de força maior ou normal desenvoltura no abuso dos bens de Estado?
A estes comportamentos, se verdadeiros, também se pode chamar clássico arrivismo do provinciano que, precisamente porque é um arrivista, não consegue absorver os princípios da dignidade e decência.
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