domingo, setembro 07, 2008

UM PRIMEIRO-MINISTRO POETA
.
Nas últimas eleições presidenciais, em Portugal, votei Manuel Alegre.
Não me inspira grande simpatia, pois classifico-o como o político mais pedante e presunçoso da galáxia política lusitana.
A razão que me levou a conceder-lhe o meu voto alojava-se no desejo de ver um Presidente da República poeta, um intelectual. Se não de primeira grandeza, pelo menos é um homem de letras.

Sócrates é prosaico, procura ser pragmático, bom administrador da própria imagem, tenta governar o barco o melhor que sabe e pode. Poeta não é. Assim, devo virar-me para o “premier” italiano, multifacetado, isto é, multi em tantas coisas: os seus créditos ou presumíveis créditos nunca os deixou em jornais ou televisões alheios. Neste campo, tais propriedades superabundam.

O homem é poeta: autor de letras para canções de amor, ao jeito melódico napolitano, que interpreta com o guitarrista pessoal. Eis a sua última inspiração para o CD «C’è Amore» - «Há Amor»

C’è amore che si accende, / come si accende una stella. / Che a forza di baci / ti fa sentire bella.
C’è amore che ti sveglia / quando la notte è scura / e fa da sentinella / scacciando la paura.
C’è amore che confonde, / che ti salta nel petto, / c’è amore che ti cerca / solo per farti un dispetto.

Há amor que se acende / Como se acende uma estrela / Que à força de beijos / Faz sentir-te bela.
Há amor que te desperta / quando a noite é escura / e faz de sentinela / afugentando o medo.
Há amor que confunde, / que te salta no peito, / há amor que te procura / só para te fazer um despeito.

Fiquei fascinada, quero dizer, provei uma certa emoção perante um lirismo tão intenso, imagens poéticas de uma originalidade única, um uso anafórico do verbo fazer adivinhadíssimo... enfim, tive de refrear um forte impulso: acrescentar a cada uma das três quadras o refrão: ó ai ó larii ló leeela!
Mas como podia eu ofender a espontaneidade das nossas líricas populares, aplicando-o ao “C’ è Amore”? Impossível!

*****

Por causa desta capa do semanário The Economist, em 2001, e de um artigo, muito detalhado, sobre o primeiro-ministro italiano, Berlusconi processou a revista por difamação.
Há dias, o tribunal de Milão emitiu a sentença, não lhe deu razão, absolveu o semanário e condenou Berlusconi ao pagamento das despesas judiciais.
Diz que apelará.

Foram escritos vários livros, sempre recorrendo a factos públicos ou expostos nos tribunais, sobre circunstâncias não muito claras da vida deste homem.
Processou os autores desses livros. Todos ficaram absolvidos. Naquilo que escreveram, nada foi inventado.

Se há factos não claros, é porque se serve de todos os meios para que as causas em tribunal caiam em prescrição ou porque, quando no governo, juntamente com o seu advogado que fez eleger para o Parlamento, cria e impõe leis que o metam fora de perigo.
Diz-se vítima da magistratura e quer, a todo o custo, amordaçá-la com reformas que nada têm que ver com o melhoramento da Justiça.

Se é vítima, quer da magistratura, quer dos jornais não complacentes, por que razão não enfrenta, com civismo e certeza de inocência, os processos que o envolvem, em vez de criar leis ad personam que o subtraiam às barras dos tribunais?
Aqui está uma das razões por que aquele homem não me merece respeito nem simpatia.

Alda M. Maia